Estudo analisou semelhanças e diferenças dos 2 regulamentos da habitação. E alerta que “limitar preços nunca trouxe mais oferta”.
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Leis da habitação em Portugal e Espanha
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Nos últimos meses, os Governos de Espanha e Portugal aprovaram novas legislações em matéria da habitação. E, comparando as duas, salta à vista que tanto a espanhola Lei da Habitação como o Mais Habitação têm alguns pontos em comum, como o limite máximo das rendas ou a ausência de diálogo antecipado com o setor imobiliário para elaborar as medidas. Mas a maior semelhança entre as leis dos dois países é que ambas terão efeitos negativos na oferta de casas e vão limitar ainda mais o acesso à habitação da classe média, uma vez que “a limitação dos preços nunca trouxe mais oferta de habitação ”, frisa Antonio Carroza, presidente da Alquiler Seguro, autora do estudo que compara os dois países.

Há também várias diferenças entre a novas leis da habitação em Espanha e em Portugal. Entre elas está a prorrogação forçada dos contratos de arrendamento em Espanha, se alguns critérios forem cumpridos. Já em Portugal, o Governo avançou com o arrendamento coersivo de casas devolutas há pelo menos dois anos.

Para conhecer quais são as semelhanças e diferenças entre as novas leis da habitação de Portugal e Espanha, o idealista/news passou a pente fino este estudo da Alquiler Seguro, destacando os principais pontos-chave de ambas as regulamentações e o seu impacto nos respetivos mercados residenciais.

Quais as medidas da habitação em comum entre Portugal e Espanha?

A Lei da Habitação entrou em vigor em Espanha no final de maio, enquanto em Portugal o Mais Habitação só passou a produzir efeitos a 7 de outubro. Ambos têm objetivos comuns como limitar os aumentos das rendas das casas nos novos contratos ou promover habitação acessível, embora estabeleçam fórmulas diferentes para alcançá-los.

  • Limite das rendas nos novos contratos de arrendamento

Ambas as leis limitam as rendas das casas nos novos contratos de arrendamento. No caso de Portugal existe uma lista anual com as rendas máximas por concelho, “que serve de referência para as questões dos programas de arrendamento acessível e agora também como fator limitante das rendas em novos contratos de arrendamento”, aponta o estudo.

Já em Espanha, os regulamentos estabelecem uma diferença entre grandes e pequenos proprietários, bem como entre áreas sob pressão ou não. Os limites máximos das rendas das casas serão aplicados apenas em zonas declaradas em situação de stress, com vários cenários consoante o tipo de senhorio e se a casa foi ou não arrendada nos últimos cinco anos.

Caso uma habitação em Espanha esteja arrendada por um pequeno proprietário, a referência é a última renda estabelecida no contrato de arrendamento, podendo a atualização anual ser aumentada. Por outro lado, se for um grande senhorio, deverá aplicar-se a renda anterior até à entrada em vigor do índice de preços de referência, previsto para 2025. Se o imóvel não estiver arrendado e estiver localizado numa zona de stress, a renda poderá ser definida de forma livre até que o índice de preços entre em vigor.

A regulamentação portuguesa diferencia, tal como a espanhola, se a casa foi ou não arrendada nos últimos cinco anos. Caso não tenha sido arrendada, as partes podem livremente acordar a renda. Mas se tiver sido arrendada neste período, "não pode ser ultrapassado o valor da última renda cobrada sobre o mesmo imóvel em contrato anterior, aplicando-se um coeficiente de 1,02 no novo contrato". Ou seja, ao valor da renda inicial dos novos contratos pode ser aplicado um aumento de 2%.

Mais habitação em vigor em Portugal
António Costa, primeiro-ministro de Portugal Getty images
  • Atualização das rendas nos contratos existentes

Tanto a lei espanhola como a portuguesa procuram regular a atualização das rendas nos contratos de arrendamento existentes, embora com nuances. Em Espanha, desde abril de 2022 até 31 de dezembro deste ano, o aumento máximo da renda é de 2%, caso se trate de um grande proprietário. Já os pequenos senhorios podem acordar a renda com os inquilinos, mas se não houver acordo, a renda não poderá aumentar mais de 2%. Em 2024 seguir-se-á o mesmo padrão, embora a limitação seja de 3%. E em 2025 será criado um novo índice.

Em Portugal, a atualização das rendas também foi travada pelo Governo ao longo de 2023, podendo os senhorios atualizá-la em apenas 2% (independentemente se pequeno ou grande, ou o tipo de imóvel, se destinado à habitação ou ao comércio). Mas para 2024 o Executivo socialista de António Costa decidiu não colocar qualquer travão à atualização das rendas, sendo estas revistas de acordo com a lei portuguesa, que define todos os anos o coeficiente de atualização das rendas calculado a partir da inflação.

Portanto, no nosso país já se sabe que as rendas vão poder ser atualizadas, no máximo, até 6,94%, tal como define o aviso já publicado em Diário da República (que é independente do Mais Habitação, assim como do Orçamento de Estado para 2024). O que o Governo português decidiu fazer foi reforçar os apoios aos inquilinos para fazer face a esta potencial subida das rendas em 2024 criando dois apoios:

  • Reforço do apoio extraordinário às rendas em 4,94%, já aprovado pelo Presidente da República;
  • Aumento da dedução fiscal das rendas no IRS, dos atuais 502 euros para 550 euros, um apoio que depende do OE2024, documento que deverá ser aprovado pela maioria do PS num contexto de crise política.

Outro ponto comum nas legislações dos países ibéricos é que ambas permitem um aumento maior das rendas no caso das casas reformadas. A lei espanhola estabelece um acréscimo máximo de 10% desde que a habitação se situe numa zona de stress, o senhorio não seja considerado grande proprietário e que sejam realizadas as obras de beneficiação previstas no artigo 17.6 da Lei do Arrendamento Urbano (LAU). Já em Portugal, “a renda inicial dos novos contratos de arrendamento poderá ser acrescida do valor das correspondentes despesas suportadas pelo senhorio, até ao limite anual de 15%”, segundo a análise da Alquiler Seguro. 

Lei da Habitação em Espanha
Pedro Sanchez, primeiro-ministro em exercício espanhol; Nadia Calvino, vice-primeira-ministra e ministra de Assuntos Económicos; e Yolanda Diaz, vice-primeira-ministra e ministra do Trabalho e Economia Social Getty images
  • Contratos de arrendamento antigos salvaguardados

No nosso país, o Mais Habitação estabelece que os contratos de arrendamento antigos (anteriores a 1990) que não transitaram para o Novo Regime do Arrendamento Urbano, já não vão transitar.  E ficou definido ainda que estas rendas antigas vão passar a ser atualizadas de acordo com o coeficiente de atualização anual das rendas, calculado a partir da inflação, que é previsto para a generalidade dos contratos. De notar que, até agora, estas rendas antigas eram atualizadas de acordo com os limites máximos definidos em função do rendimento anual das famílias.

Para compensar os senhorios pelo "congelamento" das rendas antigas, o Governo português decidiu que os rendimentos prediais auferidos por estes proprietários vão ter isenção de IRS e também que vão beneficiar da isenção de IMI enquanto o contrato durar. Está ainda previsto o pagamento de uma compensação monetária aos senhorios, mas o montante e fórmula de cálculo ainda não estão definidos.

Também em Espanha, a Lei da Habitação determina que “ os contratos celebrados antes de 9 de maio de 1985 regem-se pela renda antiga e são contratos que vigoram durante toda a vida do arrendatário, permitindo a partir de 1 de janeiro de 1995 a sub-rogação única do cônjuge, filhos ou ascendente do titular quando tenham vivido com o titular nos 2 anos anteriores ao seu falecimento", como recorda o documento.

  • Despesas de gestão imobiliária ficam a cargo dos senhorios

Outro ponto semelhante na regulamentação espanhola e portuguesa é que os custos de gestão imobiliária e de formalização do contrato de arrendamento são suportados pelo proprietário. Embora a regulamentação portuguesa não o indique explicitamente, afirma que as taxas devem ser pagas por quem contrata os serviços, geralmente o proprietário.

  • Foco em habitação acessível

Ambos os regulamentos querem aumentar a oferta de habitação a preços acessíveis, mas seguem caminhos diferentes. A Lei da Habitação em Espanha aumenta a reserva de solo para habitação pública (VPO) de 30% para 40%, enquanto o Mais Habitação aposta na ajuda à promoção de habitação para arrendamento acessível, com linhas de financiamento e cedência de terrenos e edifícios públicos através da transferência dos imóveis até um máximo de 90 anos.

Mais habitação em Portugal
Lisboa, Portugal Foto de Miquel Rosselló Calafell no Pexels
  • Novos incentivos fiscais na habitação

Também em Portugal como em Espanha, as novas legislações incluem vários incentivos fiscais em matéria da habitação. Mas no nosso país os benefícios fiscais ganham em número.

No Mais Habitação, o Governo incluiu vários benefícios fiscais, como por exemplo:

  • a dedução familiar do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) foi reforçada;
  • o imposto aplicado ao arrendamento foi reduzido (passa de 28% para 25%);
  • os proprietários são compensados ​​pelos coeficientes aplicados na atualização das rendas;
  • é estabelecida uma isenção do pagamento de impostos sobre mais-valias em casas vendidas ao Estado e às câmaras municipais;
  • há uma isenção fiscal para terrenos destinados à construção de habitação acessível;
  • a redução do IVA nas obras de construção ou reabilitação de habitação a preços acessíveis (incluindo habitação para arrendamento) ou habitação oficialmente protegida, até 6%.

Já no país vizinho, a Lei da Habitação centra-se nas bonificações do imposto de renda é conhecido como "Renta de las Personas Fisicas" (IRPF): a redução geral sobre o rendimento líquido das rendas que os senhorios podem aplicar nos novos contratos de arrendamento, que passa dos atuais 60% para 50% (ou seja, é reduzida em 10 pontos) , embora possa ser maior se certas condições forem cumpridas. Por exemplo, se o inquilino tiver menos de 35 anos (a redução é de 70%), se a casa tiver sido renovada (redução de 60%) ou se a renda do novo contrato for, pelo menos, 5% inferior à estipulada no anterior (redução de 90%). E tudo isso desde que o imóvel esteja localizado em zonas de stress. Além disso, esses benefícios não estarão disponíveis pelo menos até 2025 (na declaração de imposto de renda do exercício de 2024), desde que as áreas de stress já tenham sido declaradas.

Contratos de arrendamento em Portugal
Foto de Thirdman no Pexels
  • Críticas: medidas da habitação intervencionistas e sem ouvir o setor

Tanto em Portugal como em Espanha, as novas medidas da habitação provocaram uma onda de reações no mercado. Entre as principais críticas está o seu carácter intervencionista ou o facto de os respetivos governos terem desenvolvido estas medidas sem terem ouvido previamente os atores e as associações do setor.

“Ambas as leis da habitação são o resultado do abandono da política de habitação social pelos governos, transferindo a sua responsabilidade para os proprietários individuais e empresas. São medidas populistas e intervencionistas e em todas as cidades europeias onde são aplicadas a oferta é destruída e os preços sobem”, aponta Antonio Carroza, presidente da Alquiler Seguro.

Estas regulamentações foram “rejeitadas por todo o setor pelo seu caráter intervencionista e por agirem de costas para o mercado”, insiste Antonio Carroza, alertando que, na sua opinião, ambas vão fracassar, porque vão provocar uma diminuição na oferta de habitação para arrendar e vão piorar ainda a qualidade das propriedades disponíveis (porque vão desencorajar as melhorias por parte dos proprietários). Tudo isto, poderá causar novos aumentos dos preços das casas, avisa ainda.

“Estas leis não resolvem o problema da habitação e vão contra a classe média, os proprietários privados e os inquilinos que veem restringido o seu acesso à habitação. Com uma mensagem populista e de curto prazo de que os preços devem ser reduzidos, sem qualquer medida que incentive a oferta, portanto, a consequência direta é que acaba por prejudicar os inquilinos que têm cada vez mais dificuldade de acesso a casas para arrendar”, acrescenta o presidente da Alquiler Seguro.

Arrendamento em Espanha
Barcelona, Espanha Foto de Aleksandar Pasaric no Pexels

Quais as diferenças entre as novas leis de habitação em Portugal e Espanha?

Além de os regulamentos sobre habitação dos dois países terem formas diferentes para alcançar os seus objetivos, também existem medidas que existem apenas num dos documentos. Por exemplo, em Portugal o Governo avançou com o arrendamento coersivo de casas devolutas, enquanto em Espanha há prorrogações forçadas de contratos de arrendamento. Explicamos.

  • Contratos de arrendamento forçados Vs incentivados

Em Portugal, o Executivo socialista criou incentivos fiscais para contratos de arrendamento de longo prazo. A taxa autónoma dos rendimentos prediais que beneficiam, sobretudo, os contratos de duração superior a cinco anos, e baixam de 28% para 25% a taxa máxima. E esta taxa será sucessivamente mais baixa consoante aumente o prazo dos contratos. Mas não é obrigatório os senhorios adotarem contratos de arrendamento mais longos.

Já a regulamentação espanhola prevê uma prorrogação forçada dos contratos de arrendamento em casos concretos. Por exemplo, se os grandes proprietários tiverem um o inquilino que comprove uma situação de vulnerabilidade, será aplicada uma prorrogação de um ano. Caso a habitação se situe em zonas de stress, o contrato de arrendamento será prorrogado por períodos anuais, no máximo de três anos, independentemente de se tratar de um pequeno ou grande proprietário. “Este pedido de prorrogação extraordinária deverá ser aceite pelo proprietário, salvo se outros termos ou condições tiverem sido estabelecidos por acordo entre as partes, tenha sido celebrado novo contrato de arrendamento ou caso o senhorio tenha comunicado a necessidade de ocupar o imóvel para utilizá-lo como habitação permanente para si ou para seus familiares ou para o cônjuge em caso de sentença transitada em julgado de separação, divórcio ou anulação do casamento", explica a Alquiler Seguro.

arrendamento forçado de casas devolutas
Foto de cottonbro studio no Pexels
  • Operações imobiliárias com informações diferenciadas

Outro ponto que distingue as leis da habitação em Portugal e Espanha prende-se com as informações que são obrigatórias prestar nas operações imobiliárias. No caso do Mais Habitação, a informação obrigatória limita-se “à classificação de eficiência energética e à licença de habitabilidade do apartamento, cujos números devem constar do contrato”, segundo o estudo.

A Lei da Habitação em Espanha regula a informação que deve ser prestada antes da formalização da venda ou arrendamento de habitação, sempre que compradores ou inquilinos a solicitem, como:

  • as condições económicas da operação (preço total e conceitos nela incluídos, bem como as condições de financiamento ou de pagamento);
  • as características essenciais da casa e do edifício (como o certificado de habitabilidade, a acreditação do serviço útil superfície e construção da habitação, o certificado de eficiência energética, os serviços disponíveis no edifício ou a sua idade) ou se a habitação estiver localizada numa zona declarada sob pressão de preços.
  • a identificação do vendedor ou do senhorio.
Arrendar casa em Espanha
Foto de Kampus Production no Pexels
  • Despejos com diferentes abordagens

Também os despejos são regulados de forma bastante distinta nos dois países. Em Portugal é estabelecida pelo Estado uma garantia de pagamento das rendas já vencidas, após decorrido o prazo de oposição ao procedimento especial de despejo. “Com este pagamento de renda, o Estado assume automaticamente o papel de senhorio”, sublinham no estudo.

No caso da legislação espanhola, os inquilinos considerados vulneráveis ​​não podem ser despejados se não tiverem alternativa habitacional (medida atualmente em vigor até 31 de dezembro) e estabelece indemnizações aos proprietários, sejam eles pequenos ou grandes.

  • Arrendamento coersivo de casas devolutas em Portugal

Uma das medidas mais polémicas do Mais Habitação foi mesmo o arrendamento coercivo de casas devolutas. Este pacote legislativo obriga, assim, os proprietários a arrendar as suas casas devolutas, uma medida que se torna uma das “mais notáveis ​​diferenças com a lei espanhola e uma das medidas mais controversas do Mais Habitação”, afirma a Alquiler Seguro. Este arrendamento forçado afeta as casas que estão devolutas há mais de dois anos e faz do Estado um mediador entre inquilino e proprietário, cobrando a renda do primeiro e pagando-a ao segundo.

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