Comprar, reformar e vender uma casa em pouco tempo. Esta é a génese do ‘House Flipping’, uma tendência de investimento imobiliário que, embora esteja profundamente enraizada nos EUA há muitos anos, é relativamente recente em mercados como Portugal ou Espanha. Na sua essência, consiste em comprar um imóvel (a um preço mais baixo) com a intenção de renová-lo e vendê-lo o mais rápido possível. Tem vantagens, mas também alguns riscos associados, e é preciso perceber bem algumas ideias-chave desta forma de fazer negócio para que a rentabilidade seja efetiva. Para compreender melhor este conceito, e como está a evoluir no país, o idealista/news ouviu profissionais do imobiliário de diferentes segmentos.
O que é o ‘House Flipping’?
“O 'House Flipping', ou 'fix & flip', como também é conhecido, é uma estratégia de investimento que passa por comprar um imóvel significativamente abaixo do valor de mercado, fazer uma rápida intervenção "cosmética", e colocá-lo de novo no mercado, recuperando o valor de aquisição e obras e realizando uma pequena margem. Ao contrário do investimento imobiliário tradicional, em que se procura maximizar o lucro, no 'fix & flip' pretende-se antes realizar um pequeno ganho rápido”, explica Alfredo Valente, CEO da iad Portugal.
Este tipo de investimento tornou-se moda nos EUA por ser relativamente simples e lucrativo. O objetivo é sempre vender o imóvel por um preço superior ao que custou e às despesas de reforma que foi necessário assumir – a lógica de qualquer investimento. E embora falemos de ‘flipping houses’, a verdade é que esta é uma prática que pode ser realizada com qualquer tipo de ativo que possa receber um ‘facelift’.
Para tornar o negócio atrativo e rentável, uma característica fundamental do ‘House Flipping’ é, por isso, procurar casas que estejam abaixo do preço de mercado. Mas quem é que atualmente está a vender uma casa barata? Imóveis abaixo do preço são geralmente casas em mau estado ou propriedade de pessoas que precisam urgentemente vender por qualquer motivo - habitualmente um divórcio, uma doença, desemprego de longa duração ou herança. É normal, por isso, que a casa esteja a um bom preço porque está em mau estado de conservação, implicando um gasto acrescido para valorizá-la.
Nesse caso, o que se faz é uma reforma que pode ser mais ou menos profunda e colocá-la, depois, novamente à venda. O que mais interessa a quem faz ‘House Flipping’ é investir o mínimo possível na reforma. Se for possível dar uma demão de tinta e trocar alguns móveis, já é o suficiente. Muitas vezes, isso não é possível e é necessário fazer obras em maior profundidade - mas se puderem ser evitadas, tanto melhor, claro. A ideia é comprar barato, reformar barato, vender mais caro e ter lucro rápido.
A moda cresce em Portugal, mas ainda não é tendência
Mariana Morgado Pedroso, Diretora Geral do Architect Your Home Portugal, refere que já há investidores a fazer este tipo de remodelação em Portugal, contudo, considera que, “no nosso mercado a rapidez não será idêntica” à de mercados como os EUA. E explica porquê: “Os tempos de obra e os tempos de compra de mobiliário estão dependentes da existência de mão de obra e de produtos disponíveis. Desde há três anos para cá a realidade não nos permite um 'flip' rápido. Mas temos vários clientes a fazerem este tipo de projeto e temos auxiliado em todas as etapas – um serviço chave na mão rápido e com preço estipulado no início do processo”, adianta.
O crescimento desta tendência no país, de acordo com Patrícia Barão, Head of Residential da JLL, acentuou-se, sobretudo, nos últimos 10 anos, devido “à excelente dinâmica do mercado residencial que o nosso país tem assistido”. “Esta tendência acontece principalmente nas grandes cidades visto que apresentam um parque habitacional velho, uma vez que a oportunidade surge em comprar imóveis que precisam de remodelação e vendê-los depois com mais-valia considerável. Se nos focarmos na cidade de Lisboa, por exemplo, o stock construído nos últimos 20 anos representa apenas 8% do stock existente e os edifícios construídos antes de 1919 representam 17% do parque habitacional”.
Para esta responsável, e numa época “muito marcada” pela escassez de oferta nova, “a compra para remodelação permite adicionar stock ao mercado, sobretudo em localizações consolidadas que estão em contante valorização e onde não há terrenos para construção de raiz”.
João Carvalho, Co-Fundador da MELOM, partilha da mesma opinião e admite que o conceito está a crescer em Portugal, “resultante do dinamismo do setor imobiliário e do grande 'gap' de preços entre os imóveis novos e usados, possibilitando assim a criação de um produto renovado que não carece de investimento em obras face ao novo mais caro”. O segredo, diz, é “fazer uma boa compra e ter muito presente os custos de remodelação”, já que é aqui que poderão existir “surpresas e imprevistos que não só comprometam a margem como possam contribuir para prejuízo”.
Por outro lado, Alfredo Valente da Iad considera que o 'fix & flip' nunca se tornou “verdadeiramente uma tendência” em Portugal, talvez porque o “perfil típico de investidor – jovem, com apetência pelo risco e gosto pelo design – tem em Portugal um nível reduzido de poupança”. É uma estratégia que, segundo o responsável, “tira partido de mercados com elevado nível de volatilidade - oscilações rápidas e significativas dos preços - e vendedores com urgência em vender e disponibilidade para aceitar propostas de, no mínimo, 30% abaixo do valor de mercado do imóvel”.
“Ora, o mercado em Portugal nos últimos anos não tem dado muitas oportunidades aos 'fix & flippers'. Tem sido um mercado mais "amigo" do 'buy & hold', isto é, investimento a médio-longo prazo, com rentabilização através do arrendamento e realização de mais-valia adiada no tempo”, defende.
Carlota Pelikan, Destination Adviser na Athena Advisers Portugal, deixa ainda uma outra reflexão sobre o tema. Para esta profissional, a tendência chegou “sim e não” ao país, relembrando que o que vemos hoje é uma procura diferente daquela que tínhamos antes. “Em 2015, a maioria dos clientes eram puramente investidores: vinham e compravam para arrendar ou revender e não para usar. Era um país pouco conhecido. À medida que a qualidade de vida do nosso país se foi tornando mais conhecida, os clientes começaram a considerar Portugal como um destino para virem viver. Portanto, o principal objetivo de compra da maioria dos nossos clientes deixou de ser revender, mas sim ter uma casa de família para viver ou um pied-a-terre como segunda casa, que seja, todavia, um bom investimento e fácil de revender ou arrendar um dia”, explica.
Qual o perfil de investidor? Mais nacionais ou estrangeiros?
De acordo com Alfredo Valente, em Portugal, os poucos investidores em 'fix & flip' são tipicamente particulares, com “alguma capacidade de aforramento e com algum gosto por obras e design de interiores, já que são normalmente processos que exigem acompanhamento de perto – por forma a evitar derrapagens de custos e prazos”.
“Recentemente temos assistido à entrada no mercado da versão institucional e musculada do 'fix & flip', isto é, os ibuyers. Aqui estamos a falar de investidores de peso – normalmente com fundos de investimento por trás - que, com recurso a algoritmos de análise de mercado, procuram oportunidades de investimento em imóveis abaixo do preço de mercado – oferecendo uma compra rápida, realizando normalmente a escritura em poucos dias – e colocando de imediato o imóvel no mercado, depois de um mínimo investimento, tipicamente limpeza e pintura”, acrescenta o responsável.
Quer num quer noutro caso, aponta o responsável, os ativos preferidos para a realização deste tipo de investimento são imóveis de elevada procura – apartamentos ou moradias – situados em zonas de elevada densidade de transações. Isto é, zonas onde a procura seja elevada, diminuindo o risco do investimento.
João Carvalho confirma que, na MELOM, e na realidade das suas marcas, os investidores são maioritariamente nacionais, comprando imóveis avulso com o objetivo de requalificar, valorizar e vender. Se também Patrícia Barão diz que este tipo de investimento é feito maioritariamente investidores particulares e nacionais, explicando que “os estrangeiros não têm tanto conhecimento dos prestadores de serviços locais (como pequenas construtoras, carpinteiros, arquitetos, etc.)”. Em Lisboa, por exemplo, e segundo a sua experiência, “a compra acontece mais “avulso” e em bairros consolidados, como são exemplo Alvalade, Estrela, Amoreiras e Campolide”.
Já na Architect Your Home, segundo Marian Morgado, a maioria são investidores estrangeiros. Destacam-se “pequenos investidores para apartamentos ou prédios de menores dimensões”, mas também “projetos para aldeamentos inteiros para reformular, nesse caso para fundos de investimento”, dando como exemplo uma obra que estão a realizar na região do Algarve.
Vantagens e riscos associados
Para investir em 'House Flipping' é fundamental ter em conta alguns aspetos. É importante, desde logo, que o imóvel tenha as características certas para se adequar a este modelo de negócio. Valoriza-se uma casa bem localizada, num bairro que não esteja degradado e que, previsivelmente, não fique no futuro. Também interessa o facto do imóvel necessitar de uma reforma – e de preferência que não seja abrangente. Isto é, privilegiam-se casas o mais baratas possíveis, mas avaliando sempre que os custos de remodelação não saem do controlo. É importante ter sempre em mente o custo final da compra e da reforma, e não apenas a compra – e esta ideia é unânime entre os especialistas ouvidos.
Para o CEO da iad a principal vantagem deste tipo de investimento é, “logicamente”, o retorno rápido do investimento e da mais-valia. “É um investimento que não exige grandes disponibilidades de capital - são normalmente imóveis com valor de aquisição reduzidos – nem longa imobilização, o que torna o 'fix & flip' acessível ao investidor particular”, refere. Mas lembra que este é também um negócio com riscos.
“Desde logo, o risco de avaliar erradamente o valor de mercado, por um lado, e os custos de renovação, por outro (encontrar um grave problema de construção, por exemplo, exigindo uma intervenção musculada). Mas também o risco de liquidez, isto é, o risco de não encontrar de imediato um comprador para o imóvel, impedido a realização do retorno no prazo esperado. Daí que muitos dos investidores em 'fix & flip' prefiram fazer o investimento já com o comprador final identificado”, analisa Alfredo Valente.
Mariana Morgado Pedroso considera que, quando o imóvel é comprado a bom preço, “existe uma vantagem grande, que é a rápida colocação no mercado após a reforma, e a também rápida recuperação do investimento”. O risco, avisa, “é encontrar imponderáveis após a compra, ou durante a obra que vir a atrasar e/ou a encarecer muito o projeto/obra”. Para isso, garante, “fazer due diligences bastante detalhadas ajudará a evitar muitos dos riscos”. “Temos feito muitos relatórios para este tipo de negócio – consultorias de Investimento, onde auxiliamos os investidores, antes da compra, a tomar as decisões necessárias para que o investimento valha a pena”, indica.
Trata-de, portanto, de um negócio com pouco risco e com boa rentabilidade, na opinião de João Carvalho, “se for desenvolvido com algumas regras como sejam a definição de um budget cap para a aquisição e obras de beneficiação”. Além do orçamento para a aquisição e obra, alerta que é muito importante ter em consideração o tempo de execução da mesma, uma vez que quanto mais rápida a requalificação, melhor. “O que não significa que se deva comprometer as verificações e reparações técnicas no imóvel. Redes de água, canalização, eletricidade e gás devem ser substituídas ou reparadas para uma melhor valorização”, defende.
Para o cofundador da MELOM, é igualmente importante ter em conta é que o imóvel deve ser remodelado com materiais (revestimentos) de “gosto consensual e seguindo as tendências de conforto e design dos novos”, até porque “quanto mais próximo for desta realidade melhor será a sua valorização e consequente margem”.
“As vantagens são claras: comprar a um valor mais baixo porque os imóveis estão degradados ou a precisar de remodelações mais profundas; fazer um investimento de fit-out controlado; e vender depois como imóvel remodelado com uma mais-valia. Olhando para os riscos, apontaríamos custos de construção superiores ao previstos e atrasos/problemas em obra inesperados”, conclui Patrícia Barão.
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