Já o aumento de dedução fiscal das rendas no IRS pode cair por terra, porque depende do OE2024. Apoio às rendas segue em frente.
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Futuro do OE2024
Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República Getty images

A braços com um contexto económico-financeiro delicado e de incerteza - agudizado pelo plano internacional de guerras, preço do petróleo, alta inflação e escalada das taxas de juro - Portugal vive, desde terça-feira passada, uma inesperada crise política a nível doméstico, provocada pela súbita demissão de António Costa, como primeiro-ministro, devido a uma investigação judicial tornada pública. Sob alerta quanto ao que vai acontecer, o país e os mercados internacionais aguardam que o Presidente da República, depois de ouvir os partidos e o Conselho de Estado, anuncie esta quinta-feira a solução governativa para Portugal, bem como o que vai fazer com o Orçamento do Estado para 2024. A votação final global está prevista para 29 de novembro e a proposta do Executivo de Costa contempla, por exemplo, o fim do Regime dos Residentes Habituais (RNH), bem como vários apoios na área da habitação, nomeadamente a nível das rendas.

E há vários cenários em aberto quanto ao que poderá decidir o Chefe de Estado: Marcelo Rebelo de Sousa pede ao PS para nomear um novo Governo (fazendo uso da sua maioria absoluta); nomeia um Executivo presidencial ou, o que tudo indica vir a ser o mais provável, manda dissolver a Assembleia da República e convoca eleições antecipadas.

A viabilidade do Orçamento de Estado para 2024 (OE2024) é uma das grandes dúvidas em cima da mesa por ter efeitos diretos na sociedade, na economia e no setor imobiliário, fazendo parte da agenda da reunião do Conselho de Estado que se realiza esta quinta-feira. Nas conversas que manteve esta quarta-feira com os diferentes partidos com assento na Assembleia da República, Marcelo Rebelo de Sousa ter-se-à mostrado inclinado em encontrar uma solução que viabilize a proposta de OE2024 e evitar assim que o país se arraste numa gestão por duodécimos, que pode comprometer a realização de investimentos e enfraquecer o tecido empresarial e as famílias.

A aprovação do OE dentro do calendário programado (29 de novembro) ainda é exequível, porque o Presidente da República aceitou o pedido de demissão do primeiro-ministro, mas a publicação do decreto da aceitação em Diário da República ainda não aconteceu. A ideia de Marcelo será que o decreto presencial, que formaliza a queda de António Costa e determina a entrada do Governo em gestão, aconteça imediatamente no dia a seguir, a 30 de novembro. A partir dessa data, todas as propostas de lei caducam e o Executivo fica reduzido nos seus poderes e limitado à prática dos “atos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos”.

Com publicação do Mais Habitação em Diário da República, a maioria das iniciativas do programa entraram em vigor (como por exemplo o fim dos vistos gold, a penalização do Alojamento Local ou o arrendamento forçado de casas devolutas), mas nem todas. Existem medidas desenhadas no âmbito do pacote legislativo lançado pelo Governo de Costa para responder à crise habitacional do país que, para ganharem força de lei, dependem de portarias ainda não publicadas ou de procedimentos não concluídos, e que portanto podem estar em risco. É precisamente o caso do aumento de dedução fiscal das rendas no IRS que pretende apoiar a potencial subida das rendas da casa ou da compensação prometida aos senhorios de contratos de arrendamento antigos com rendas congeladas.

Atualização de rendas em 2024 sem travão....

Entretanto, há já uma certeza para 2024: as rendas das casas vão mesmo continuar sem travão, podendo ser atualizadas até 6,94% no próximo ano, tal como confirmam os especialistas legais ao idealista/news. Já o aumento de dedução fiscal das rendas no IRS para compensar as famílias da subida da renda pode cair por terra, porque depende do OE2024. O apoio extraordinário às rendas vai mesmo avançar, por decisão de Marcelo.

Um possível novo travão à subida das rendas das casas em 2024 fez correr muita tinta nos últimos meses, tendo sido rejeitada, inclusive, pelos proprietários que têm casas no mercado de arrendamento, que já viram as atualizações das rendas limitadas a 2% durante este ano. Mas o suspense em torno deste tema acabou no passado dia 26 de outubro, depois de o Conselho de Ministros ter decidido que, afinal, não vai colocar um limite à atualização das rendas em 2024, dando aos senhorios o poder de decidir subir até ao máximo de 6,94%, tal como determina o coeficiente de atualização anual das rendas publicado em agosto e calculado a partir da inflação dos últimos 12 meses, exceto habitação.

Isto quer dizer que as rendas das casas – que, nos novos contratos de arrendamento, subiram 11% no segundo trimestre de 2023 face ao período homólogo fixando-se, em termos medianos nos 7,27 euros/m2, de acordo com os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE) – vão poder aumentar até 6,94% já no próximo ano. Assim, contas feitas, uma casa arrendada por 500 euros em 2023 pode passar a custar até 534,70 euros em 2024. Já num contrato de 700 euros, o aumento será de 48,58 euros, e numa casa arrendada por 900 euros, a subida será de 62,46 euros, por exemplo.

Como fica a atualização das rendas em 2024 perante a atual crise política?

No atual contexto de crise política, que se instalou esta semana após a demissão de António Costa, as dúvidas começam a surgir sobre esta matéria: será que a atualização da renda para 2024, com base neste coeficiente, vai manter-se no atual cenário de instabilidade governativa? Os especialistas legais confirmaram ao idealista/news que esta decisão do Governo socialista de maioria absoluta sobre a subida das rendas vai manter-se, uma vez que já foi publicado o coeficiente de atualização anual de renda em Diário da República no passado dia 30 de outubro, tal como define a lei.

“A atualização da renda mantém-se, porque não depende do Orçamento do Estado. O OE diz respeito às receitas e despesas do Estado para o ano em curso, enquanto a atualização de rendas se aplica apenas às relações entre particulares”, esclarece Ana Lamares, advogada e sócia da Lamares, Capela & Associados. Assim, o coeficiente de atualização das rendas para 2024, publicado no Aviso n.º 20980-A/2023 de 30 de outubro de 2023, “permanece em vigor”, confirma a especialista em declarações ao idealista/news.

“A atualização da renda mantém-se, porque não depende do Orçamento do Estado", diz a advogada Ana Lamares

A mesma interpretação tem Ricardo Fernandes, jurista especializado na área do imobiliário. "A decisão de atualizar a renda ou não, é uma decisão do senhorio e não é publicada no OE, já foi publicada, para permitir que as comunicações aos inquilinos produzam efeitos logo em janeiro", esclarece em declarações ao idealista/news.

Também Catarina Avelar, advogada sénior na Belzuz Abogados, refere que a atualização das rendas "vai avançar sem travão". Portanto, "o coeficiente para atualização de rendas para 2024 é de 1,0694, o qual se traduz num aumento de 6,94% do valor das rendas abrangidas, para arrendamentos habitacionais ou não habitacionais", aponta ainda.

Isto quer dizer que os senhorios vão ter liberdade para aumentar a renda da casa já no próximo ano, de acordo com o coeficiente de atualização das rendas definido pelo artigo 24.º da Lei 6/2006, de 27 de fevereiro, a lei do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU). Esta é, portanto, uma matéria que não depende da decisão do Presidente da República sobre o futuro político do país, nem da possível queda do OE2024. Resta saber qual é o futuro dos apoios destinados às famílias que podem ver as rendas subir no próximo ano.

Demissão de Costa
António Costa, ex-primeiro-ministro e Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República Getty images

Apoios à subida das rendas dependem do OE2024? Dedução fiscal no IRS em risco

As rendas das casas vão mesmo subir em 2024 até 6,94%, tal como determina a lei. Mas os apoios às famílias que acompanharam esta decisão do Governo socialista estavam mesmo em risco em cair por terra por dependerem do OE2024, tal como explicaram os especialistas ao idealista/news. “Os apoios às famílias dependem do Orçamento do Estado. E é provável que tenham sido afetados ou até já estejam”, refere a advogada Ana Lamares esta quarta-feira.

Mas Marcelo Rebelo de Sousa antecipou-se promulgou esta quinta-feira, dia 9 de novembro, o diploma do Governo que reforça o apoio extraordinário às famílias para pagamento das rendas em 4,94%, mesmo que ultrapasse o atual montante máximo do apoio (de 200 euros). Isto quer dizer que este apoio à subida das rendas está salvaguardado e deixa de estar dependente do OE2024.

Neste contexto, "é seguro afirmar que as famílias poderão contar com o prometido apoio do Governo para fazer face ao impacto da atualização das rendas em 2024, através do qual o Estado assumirá o custo do aumento de renda acima dos 2% até ao máximo de 6,94%", explica a advogada Catarina Avelar. E acrescenta ainda que: "Em rigor, o Estado assumirá o diferencial entre aqueles números, ou seja, 4,94% do aumento do valor das rendas. Este apoio destinar-se-à aos inquilinos que apresentem, após a atualização de rendas em 2024, uma taxa de esforço igual ou superior a 35%, o que significa que, serão elegíveis os inquilinos que passem a gastar 35% ou mais do seu rendimento com o pagamento da renda. Quem atinja esta taxa de esforço receberá este apoio, ao qual pode somar-se a ajuda extraordinária de até 200 euros já em vigor nesta data".

Por outro lado, o outro apoio previsto continua a depender do OE2024, confirmaram os especialistas ao idealista/news. Trata-se do aumento da dedução fiscal das rendas no IRS, dos atuais 502 euros para 550 euros. Para fazer esta alteração fiscal, o PS tem ainda de apresentar uma proposta de alteração ao OE2024 na especialidade.

"Quanto à dedução do valor das rendas em sede de IRS, cujo montante máximo previsto passaria de 502 euros para 550 euros, estando esta medida associada ao Orçamento de Estado para 2024, a mesma considera-se suspensa, estando, por agora, dependente do destino que o Presidente da República decidir dar à Assembleia da República", esclarece ainda Catarina Avelar, da Belzuz Abogados.

Isto quer dizer que, embora a atualização das rendas esteja em vigor para 2024, não é certo que as famílias vão poder contar com os todos os apoios previstos para fazer face a este possível aumento das despesas com a casa no orçamento familiar. O reforço do apoio mensal foi aprovado, mas as dúvidas persistem quanto ao reforço da dedução no IRS.

Subida das rendas da casa
Foto de Yan Krukau no Pexels

Qual poderá ser o futuro do OE2024 e dos apoios à subida das rendas?

O futuro do OE2024 – e, portanto, do reforço da dedução fiscal das rendas no IRS e outras tantas medidas - dependerá da decisão de Marcelo Rebelo de Sousa e quando começará a produzir efeitos. Isto porque, o Presidente da República aceitou a demissão de António Costa, mas ainda não foi publicado o decreto que formaliza esta decisão, pelo que ainda não produz efeitos práticos. “O momento decisivo será quando o Presidente da República aceitar [formalmente] a demissão do primeiro-ministro, pois, assim que o fizer, o Governo também cairá e a Proposta de Lei do Orçamento de Estado caducará”, explicou ainda Ana Lamares, tendo em conta que o artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa que diz que "as propostas de lei e de referendo caducam com a demissão do Governo”.

E, segundo a acrescenta a advogada, “mesmo na remota hipótese de o Presidente da República convidar o PS a formar um novo Governo, em vez de dissolver a Assembleia e convocar eleições, não seria possível aprovar este Orçamento de Estado, uma vez que caduca com a demissão do Executivo atual”, que continuará em funções de gestão (e com poderes limitados) até à tomada de posse do novo Governo.

Portanto, se o Chefe de Estado avançar ou não com uma dissolução da Assembleia da República, o OE2024 corre o risco de cair. Mas, segundo a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAD), a lei pode ter uma outra interpretação, podendo mesmo depender do momento da dissolução, caso exista:

  • se Marcelo Rebelo de Sousa dissolver o Parlamento antes da votação final global do documento, agendada para 29 de novembro, então o OE2024 perde validade. Neste caso, mantem-se em vigor o OE2023 em regime de duodécimos até que o próximo Governo apresente uma nova proposta de OE2024 (tem 90 dias para o fazer após a sua tomada de posse);
  • se o Chefe de Estado decidir dissolver o Parlamento após a votação final global, o OE2024 pode avançar. Isto porque “nessa altura a decisão do Orçamento está tomada”, explicou Rui Nuno Baleiras, coordenador da UTAO, citado pela Lusa. Isto acontece porque, segundo o entendimento de vários juristas, depois de o OE2024 ter sido aprovado na generalidade a sua posse passa para o Parlamento, pelo que enquanto a Assembleia da República tiver plenos poderes pode levar até ao fim o processo legislativo orçamental. Mas “claro, que vem um novo Governo e pode abrir novamente o processo do Orçamento”, aponta ainda.

Mas será que Marcelo Rebelo de Sousa pode esperar até ao próximo dia 29 de novembro, para aceitar oficialmente a demissão de Costa, anunciar novas eleições legislativas e viabilizar o OE2024? "Há essa possibilidade, com uma reserva: é que isso faz fraude à Constituição, porque é óbvio que o decreto que formaliza a demissão não pode alterar a realidade", explicou o constitucionalista Reis Novais à SIC Notícias, muito embora admita que esta não seria a primeira vez que um Presidente da República o faria.

"Ainda que o Presidente da República aceite a demissão do Governo, aquele pode decidir manter a Assembleia da República. Se assim for, o Orçamento de Estado para 2024 - e outras propostas de lei –, ainda pendentes votação e aprovação, podem prosseguir a sua tramitação", explica a advogada Catarina Avelar, da Belzuz Abogados.

Apoios à renda da casa
Foto de SHVETS production no Pexels

À saída do Palácio de Belém, esta quarta-feira, a porta-voz do PAN defendeu que deve ser “salvaguardada a conclusão do Orçamento do Estado”, adiantando que Marcelo Rebelo de Sousa partilha dessa preocupação, uma vez que os portugueses vivem “momentos muito difíceis”. “A nossa grande preocupação é que, seja qual for a decisão que possa vir a emanar da responsabilidade que agora impende sobre o Presidente da República, é que tenha em primeiro lugar esta preocupação com a conclusão do Orçamento do Estado”, defendeu Inês de Sousa Real citada pela Lusa.

Por outro lado, o presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) considera que a proposta de OE2024 - neste momento em debate no Parlamento - já não terá condições para chegar a ser votada: “Aprovar o orçamento e depois ser eleito outro Governo não me parece muito lógico, mas o Conselho de Estado é que aconselhará o Presidente da República e ele decidirá. Mas, a nós, parece-nos que dificilmente tem sentido, neste momento, aprovar um orçamento do Estado”, referiu João Vieira Lopes. 

Portanto, o futuro do OE2024 está nas mãos de Marcelo Rebelo de Sousa que deverá falar ao país esta quinta-feira, revelando os próximos passos a seguir em termos políticos. Espera-se, então, que avance quando vai aceitar formalmente a demissão de António Costa e se vai avançar ou não com a dissolução do Parlamento (e quando). Até lá, o futuro do OE2024 é uma incógnita, assim como o reforço da dedução fiscal das rendas no IRS para enfrentar a potencial subida das rendas em 2024 de até 6,94%.

*Notícia atualizada dia 9 de novembro, às 12h23 e às 16h40, com a aprovação do diploma pelo Presidente da República, que altera o apoio extraordinário de apoio às famílias para pagamento da renda; e ainda com declarações da representante da Belzuz Abogados

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