Estrangeiros e nómadas digitais estão comprar casas na Madeira, inflacionando os preços, avançam especialistas ao idealista/news.
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Comprar casa na Madeira
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Rodeada pelo oceano Atlântico, a região da Madeira tem-se destacado como um local ideal para visitar e também para viver. A beleza natural, clima ameno, segurança e qualidade de vida que o arquipélago oferece tem agarrado os madeirenses às suas origens e tem também encantado cada vez mais nómadas digitais e estrangeiros. Mas nem tudo corre bem nestas ilhas portuguesas: o acesso à habitação para os residentes locais tornou-se mais desafiante, devido à crescente procura por quem chega de fora, a par do elevado custo de vida e dos altos juros no crédito habitação. Como os estrangeiros têm, tendencialmente, maior poder de compra, acabam por impulsionar a procura, elevando os preços das casas, que ficam menos acessíveis aos bolsos dos madeirenses. É precisamente isto que dizem os especialistas ouvidos pelo idealista/news, nesta reportagem que aborda o mercado imobiliário e o estado da habitação na Madeira.

Ao longos dos últimos anos, a Região Autónoma da Madeira, além de ser o destino favorito de muitos para a passagem do ano, tem vindo a atrair cada vez mais famílias para viver. Quem tem raízes nestas ilhas resolve comprar ou arrendar casa. E observa-se cada vez mais a chegada de emigrantes portugueses, bem como de estrangeiros e nómadas digitais. E há vários motivos que explicam a elevada atratividade da "pérola do Atlântico", não só para fazer turismo, como para morar e que contribuem para que haja ali uma "boa qualidade de vida", segundo contam os especialistas em imobiliário ao idealista/news:

  • clima ameno e ensolarado quase todo o ano;
  • elevada segurança;
  • beleza natural das ilhas da Madeira e Porto Santo (das florestas às praias);
  • cultura rica, gastronomia e hospitalidade da população local,
  • bons sistemas de saúde e educação;
  • boa rede serviços, tecnológicos e de logística;
  • bons acessos rodoviários a qualquer ponto da ilha;
  • ligações aéreas frequentes para vários destinos no mundo, com Porto Santo a ter a estreia de uma nova ligação aérea direta de Oslo, na Noruega.
Casas para comprar na Madeira
Foto de Matthias Groeneveld no Pexels

Esta visão é também partilhada pelo madeirense Guilherme Sousa: “Viver na Madeira oferece uma série de vantagens (...). A possibilidade de desfrutar do oceano Atlântico e das montanhas sem gastar muito tempo em deslocações é simplesmente incrível, proporcionando-me um maior tempo para desfrutar de momentos de lazer”, partilha com o idealista/news.

Mas também aponta alguns aspetos menos positivos de residir na ilha da Madeira. “Algumas limitações persistem, principalmente no que diz respeito às oportunidades de emprego para os jovens, sobretudo nas áreas da comunicação e cultura, nas quais me formei. Além disso, a difícil transição para a independência financeira é um desafio devido aos preços dos imóveis, que não condizem com a média dos salários”, aponta o residente de origem local.

Há explicação para os elevados preços das casas sentidos pelos madeirenses. Segundo esclarece Jonhy Gonçalves, diretor executivo da Prediclub – Imobiliária, hoje, “o acesso à habitação para os residentes locais tornou-se mais desafiante devido à crescente procura de estrangeiros e nómadas digitais. Consequentemente, verifica-se um aumento dos preços dos imóveis, tornando-os menos acessíveis para os locais”, conclui o especialista, apontando que, para resolver esta questão, o Governo Regional da Madeira tem vindo a implementar medidas para “tentar conter essa tendência e proteger o mercado habitacional para os madeirenses”.

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Venda de casas a madeirenses arrefece com juros elevados

A continuada subida dos preços das casas à venda na Madeira é justificada, de forma geral, pela escasso stock de habitação para a elevada procura existente. Acerca da oferta, o que os especialistas em imobiliário comentam é que a construção de habitações na região tem tido uma evolução positiva ao longo dos últimos anos . Mas “por mais construção que haja nesta fase, a oferta será sempre inferior”, comenta Tomás Brito, project manager na Pestana Residences. E a verdade é que o negócio das casas continua dinâmico.

Os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE) revelam isso mesmo: em 2022, foram transacionadas 4.142 habitações (841.5 milhões de euros) na região da Madeira, o que constitui um novo máximo da série disponível, que remonta a 2009. E observou-se que o número de casas vendidas subiu 16% face a 2021 e 48% face a 2019, antes da pandemia.

Este recorde de casas vendidas na região da Madeira gerou uma queda na oferta ao longo de 2022, segundo mostram os dados do idealista/data. E surge numa altura em que o custo de vida já estava bem alto em Portugal, por via da inflação, e os juros no crédito habitação a subir, sem o crescimento dos sários acompanhar. “A justificação desta evolução prende-se em certa medida com a vinda de mais estrangeiros e investidores, que consideram a ilha da Madeira ‘Portugal’s most exciting gem’”, indica Tomás Brito, da Pestana Residences.

Mas há sinais de que os ventos estarão a mudar, pelo menos, para os madeirenses: nos primeiros seis meses de 2023 foram vendidas 1.693 habitações na Madeira, tendo sido movimentados 381 milhões de euros. E estes valores representam uma queda de 20% no número de vendas e uma descida de 12% no investimento em habitação face ao primeiro semestre do ano passado. Mas estão acima dos resultados registados antes da pandemia.

Estes dados, além do impacto do fim dos vistos gold no caso dos investidores estrangeiros, mostram que o impacto da subida de juros e perda de poder de compra por via da inflação já se começa a fazer sentir na população local, tornando o acesso à habitação ainda mais difícil, revelam os especialistas. “No segmento de mercado habitacional, caracterizado pela população local residente, assistimos a uma diminuição na procura, sendo que esse efeito de queda é compensado por outros perfis de clientes compradores, que maioritariamente recorrem a capitais próprios”, como estrangeiros, emigrantes e até nacionais que querem investir, revela ao idealista/news Carlos Perneta, diretor de agência e broker na Remax Elite, uma imobiliária na Madeira.

Esse efeito “compensador” da procura estrangeira, que apesar de tudo se mantém em alta, ajuda a explicar o facto de a oferta de apartamentos à venda na ilha da Madeira continuar a descer entre março e setembro de 2023, na ordem dos 11-16%, segundo os dados do idealista/data. E na ilha de Porto Santo verifica-se que a procura de apartamentos continua a crescer e a oferta tem vindo a cair desde o final de 2022.

Apesar de que habitações existentes continuam a representar a maioria das transações nesta região ao longo dos anos, Tomás Brito admite que a procura de casas em planta tem expressão na Madeira, “principalmente porque nessa fase inicial dos projetos é possível adquirir a um preço mais baixo”.

Estrangeiros procuram casas para viver na Madeira: quem são?

O que se sente na região é que a “o perfil da procura de moradores na Madeira tem mudado nos últimos anos”, começa por apontar Jonhy Gonçalves. “A ilha tem atraído um número significativo de estrangeiros, incluindo nómadas digitais em busca de um estilo de vida mais relaxado e inspirador”, concretiza o diretor executivo da Prediclub. Muitos destes estrangeiros veem a Madeira como “um local seguro e de clima ameno, para passar grande parte da sua reforma”, acrescenta Carlos Perneta, da Remax Elite.

Estes estrangeiros que estão a viver na Madeira já são cerca de 10.000 numa região que conta com 252.693 residentes, segundo os dados dos Censos 2021. E o número de médio de nómadas digitais varia entre 1.000 e 1.500 pessoas, “sendo maior no inverno”, estima Carlos Perneta. Mas de onde vêm estes cidadãos estrangeiros? Segundo os especialistas ouvidos pelo idealista/news, estas são as suas principais nacionalidades:

  • britânicos;
  • alemães;
  • franceses;
  • venezuelanos;
  • brasileiros;
  • italianos;
  • espanhóis;
  • russos;
  • escandinavos (dinamarqueses, suecos e noruegueses).

Numa primeira análise, a chegada de estrangeiros tem ajudado a impulsionar o crescimento económico da Madeira, assim como a reabilitação de casas e a criação de negócios, concordam os profissionais de imobiliário. A reabilitação de casas e prédios por parte destas famílias é visível “tanto no centro das cidades como nas zonas periféricas, pois por vezes preferem viver em zonas mais remotas e tranquilas”, frisa ainda Tomás Brito.

Estrangeiros a comprar casa na Madeira
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Como o fim dos vistos gold e do RNH vai impactar a chegada de estrangeiros à Madeira?

Há também um outro lado: como os estrangeiros têm “um poder de compra superior quando comparado com o cliente regional, aumenta o valor e o preço dos imóveis”, aponta também o project manager na Pestana Residences. Isto cria problemas a jusante que é preciso saber lidar, resultantes da maior pressão do mercado imobiliário, que se prendem sobretudo com o agravamento do acesso à habitação pelos próprios madeirenses.

Foi precisamente por considerar que a compra de habitações por estrangeiros é uma das causas para o agravamento dos preços da habitação, que o Governo socialista – atualmente em gestão – colocou um ponto final nos vistos gold para investimento imobiliário com o Mais Habitação. E quer também acabar com o regime de Residentes Não Habituais (RNH), tendo previsto no Orçamento do Estado para 2024 (OE2024) um período de transição para 2024 para quem comprove que está a planear a mudança ainda este ano e criando ainda um novo incentivo fiscal à investigação científica e inovação (o substituto do RNH), que vai contar com mais beneficiários em 2024, apesar de ainda não estarem clarificados.

Mas os especialistas auscultados acreditam que o fim destes dois regimes fiscais favoráveis para quem vem de fora de Portugal não vai afastar os estrangeiros da Madeira, podendo haver apenas um pequeno impacto na venda de casas. “Na chegada de estrangeiros à região, não me parece que o fim dos programas vá ter impacto”, diz o broker na Remax Elite, considerando, no entanto, que na venda de casas, poderá haver efeito “numa pequena parte, sendo que só daqui a alguns meses vamos perceber o verdadeiro impacto destas medidas”.

“O fim dos vistos gold e do regime de RNH previsto no OE2024 poderá afetar a chegada de estrangeiros à região e a compra de imóveis, mas acreditamos que terá um impacto residual, pois o cliente tipo comprador não vem à procura desse tipo de benesses. Ao analisarmos o número de vistos gold da região até ao momento, facilmente percebemos que são em número muito reduzido”, comenta Jonhy Gonçalves, da Prediclub. Também Tomás Brito, da Pestana Residences, acredita que “poderá ter um ligeiro impacto, principalmente no regime de RNH, e consequentemente na compra de casas”.

Nómadas digitais na Madeira
Ilha de Porto Santo, Madeira Foto de Daniele Franchi na Unsplash

Madeira é a ilha mais cara para comprar casa: como evoluem os preços?

Perante todo este cenário, os especialistas não têm dúvidas de que a procura crescente - e, sobretudo, alimentada pelos estrangeiros – face à escassa oferta, tem impactado os preços das casas na Madeira nos últimos anos. E apesar de se ter assistido a algumas flutuações de preço no último ano, a tendência geral tem sido ascendente.

Os dados do idealista/data revelam isso mesmo: os preços das casas à venda tanto na ilha da Madeira, como na ilha de Porto Santo têm vindo a subir trimestre após trimestre:

  • Ilha da Madeira: os preços medianos dos apartamentos atingiram os 3.066 euros por metro quadrado (euros/m2) no terceiro trimestre de 2023, mais 17% face ao período homólogo e mais 69% face ao mesmo período de 2019. As moradias custaram 2.101 euros/m2 (+64% face a 2019);
  • Ilha de Porto Santo: os apartamentos à venda tinham o custo mediano de 1.833 euros/m2 no verão de 2023, mais 42% face ao mesmo período do ano anterior e mais 41% face ao verão de 2019. Também as moradias estão mais caras, custando 2.058 euros/m2 (+68% face ao período pré-pandémico).

Olhando para a realidade nacional, salta à vista que a Madeira é mesmo a ilha mais cara para se comprar casa em Portugal (2.740 euros/m2) e também onde os preços mais subiram no terceiro trimestre deste ano (+6,6%). E logo a seguir está a ilha de Porto Santo, com o preço mediano das habitações de 2.035 euros/m2 e uma subida trimestral de 5,6%. Já o Faial, nos Açores, é a ilha mais barata para comprar uma habitação, de acordo com os dados do idealista, que contabilizaram as ilhas com amostras representativas.

Crédito habitação para comprar casa na Madeira

Os preços das habitações na região da Madeira subiram tanto que atingiram o máximo de cinco anos. Agora, um apartamento na ilha madeirense tem o custo mediano de 395 mil euros e em Porto Santo 217,5 mil euros. Também as moradias ficaram bem mais caras tendo chegado aos 450 mil euros na ilha da Madeira e aos 315 mil euros em Porto Santo no verão de 2023, revelam os mesmos dados.

Com o custo da habitação a escalar e a capacidade de gerar poupança a cair, pedir crédito habitação para comprar casa na Madeira também se torna num desafio numa altura em que as taxas Euribor continuam bem elevadas – muito embora já estejam a dar os primeiros sinais de descida, depois do Banco Central Europeu ter mantido as taxas de juro diretoras inalteradas por duas reuniões consecutivas.

As simulações preparadas pelo idealista/créditohabitação mostram que, para adquirir habitação na Madeira com financiamento a 90%, prazo 30 anos, spread de 0,7% e Euribor a 6 meses (4,065% que é a média de novembro), as prestações da casa começam nos 1.000 euros:

  • Comprar casa na ilha da Madeira: adquirir um apartamento com o custo mediano no terceiro trimestre representa uma prestação de 1.858 euros por mês nos primeiros seis meses. A prestação da moradia é de 2.117 euros.
  • Comprar casa em Porto Santo: a prestação do apartamento é de 1.023 euros e da moradia 1.482 euros por mês.

Como seria de esperar, as prestações da casa na ilha de Porto Santo são bem mais acessíveis do que as apuradas para a ilha da Madeira, uma vez que os preços medianos das casas são também inferiores.

Para pagar as atuais prestações da casa, os madeirenses podem aceder a apoios específicos, além dos definidos pelo Governo socialista (como a bonificação dos juros ou a fixação da prestação durante dois anos). O Governo Regional da Madeira criou o programa REEQUILIBRAR, que apoia as famílias madeirenses no pagamento dos créditos habitação. E, agora, este programa estará disponível a mais famílias já que a taxa de esforço mínima de acesso ao apoio desceu recentemente de 30% para 25%.

Arrendamento na Madeira: rendas duplicam em cinco anos

O mercado de arrendamento da Madeira também está a ficar cada vez mais caro, pelo desequilíbrio entre a oferta e da procura. “A procura crescente tem impactado os preços das casas na Madeira, com um aumento nos preços tanto para comprar, quanto para arrendar”, explica Jonhy Gonçalves, da Prediclub. E hoje verifica-se que “o arrendamento é muito procurado, especialmente por nómadas digitais que encontram na nossa ilha todas as condições para desenvolverem a sua atividade”, acrescenta o especialista.

Os dados do idealista/data mostram que a procura de casas para arrendar na ilha da Madeira foi expressiva, sobretudo, entre a primavera de 2021 e a primavera de 2022. E, por conseguinte, nesse mesmo período a oferta de casas para arrendar desceu. Carlos Perneta, da Remax Elite, não tem dúvidas que neste mercado há “escassez de produto” e que a “procura é claramente superior à oferta”.

Uma vez mais, este desequilíbrio tem sido o principal responsável pela subida dos preços das casas para arrendar na ilha da Madeira, de tal forma que duplicaram face a 2019. A renda mediana de um apartamento fixou-se em 1.400 euros por mês no verão de 2023, um valor que corresponde ao dobro da registada no mesmo período de 2019. Face ao verão de 2022, as rendas dos apartamentos na Madeira estão 400 euros mais caras. E também as moradias apresentam rendas de 1.150 euros mensais no verão de 2023, mais 64% face ao mesmo período do ano passado. Já para a ilha de Porto Santo a amostra não é representativa para realizar esta análise.

“As ofertas de arrendamentos no Funchal [capital da Madeira] em muitas agências imobiliárias locais superam facilmente os 1.000 euros, tornando a ilha um destino mais acessível para estrangeiros, mas não para os seus residentes”, conclui o residente Guilherme Sousa. Este cenário torna a vida mais difícil para os madeirenses, sobretudo, os mais jovens que querem sair de casa de pais e conquistar a sua independência. Porque, afinal, os atuais preços das casas não condizem com os seus salários.

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