
“Muita coisa vai mudar no licenciamento, e felizmente já estávamos no caminho certo antes sequer de surgir esta legislação nacional”. Joana Almeida, vereadora da Câmara Municipal de Lisboa (CML) com o pelouro do Urbanismo, revela em entrevista ao idealista/news que o novo simplex urbanístico, que entrou em vigor recentemente e fez correr muita tinta, “veio introduzir alguma incerteza e provocar muitas dúvidas”. Adianta, no entanto, que já se estava a fazer na autarquia “uma versão do simplex, uma simplificação realista e com conhecimento profundo da realidade e necessidades municipais”.
Durante a entrevista – realizada por escrito –, a vereadora revela, quando questionada sobre se o novo Governo poderá vir a fazer algumas alterações ao simplex, que há “várias razões para acreditar que existe margem de melhoria” na legislação. “O princípio da simplificação e ganho de eficiência no licenciamento é muito positivo, mas é preciso termos um simplex realista, que seja possível aplicar na prática”, comenta.
Joana Almeida, recorde-se, é vereadora da CML desde setembro de 2021 e tem os pelouros do Urbanismo, dos Sistemas de Informação e Cidade Inteligente e da Transparência e Prevenção da Corrupção.

Como antecipa o ano de 2024? Será um ano de mudanças no urbanismo em Lisboa?
O ano de 2024 representa mais uma oportunidade, na mesma perspetiva de melhoria contínua que tem sido a base do nosso trabalho. Temos um contexto nacional e internacional em constante mudança, e no Urbanismo temos talvez como maior desafio nesta fase a implementação da legislação conhecida como o simplex do licenciamento.
Desde que iniciámos o trabalho deste Executivo na CML, estamos a trabalhar para uma melhoria do licenciamento urbanístico. Esta legislação nacional veio introduzir alguma incerteza e provocar muitas dúvidas. Em Lisboa já estávamos a fazer antecipadamente a nossa própria versão do simplex, uma simplificação realista e com conhecimento profundo da realidade e necessidades municipais. Esta é uma transformação baseada nos eixos estratégicos da celeridade, clareza, comunicação e transparência, assumida desde o primeiro dia de mandato como uma das grandes prioridades da nossa governação.
Quando falamos de celeridade, significa que queremos implementar uma cultura de melhoria contínua nas equipas, através da monitorização e redução dos tempos de licenciamento, resultando na otimização do nível de serviço; quando falamos de clareza, isso equivale a garantir a simplificação e normalização de procedimentos urbanísticos; quando mencionamos o eixo da comunicação, falamos de criar e otimizar de forma eficiente os canais de comunicação, ao nível interno e externo; e quando olhamos para o eixo da transparência, queremos garantir aos serviços municipais informação estatística credível e compreensível para apoio à tomada de decisões estratégicas e operacionais.
"Desde que iniciámos o trabalho deste Executivo na CML, estamos a trabalhar para uma melhoria do licenciamento urbanístico. Esta legislação nacional veio introduzir alguma incerteza e provocar muitas dúvidas. Em Lisboa já estávamos a fazer antecipadamente a nossa própria versão do simplex, uma simplificação realista e com conhecimento profundo da realidade e necessidades municipais"
Este ano vai ser crucial para continuar a dar passos seguros nesta transformação estrutural da forma como o Urbanismo funciona na CML. É também o ano em que começarão a surgir grande parte dos resultados palpáveis dos programas e objetivos que nos propusemos concretizar no presente mandato.
Aprovámos muito recentemente o Relatório de Estado do Ordenamento do Território, e já iniciámos a Estratégia Lisboa 2040, que terá ao longo do ano diversos momentos de participação e coconstrução desta base fundamental para a revisão do PDM. Iremos ainda promover alterações ao Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação e Regulamento Municipal de Taxas, ajustando-os ao pacote Mais Habitação e simplex urbanístico e corrigindo aspetos menos conseguidos destes documentos. Além destes, pretendemos ainda rever o Regulamento Municipal do Alojamento Local e elaborar um Regulamento para o Valor Máximo de Renda e Preço de Venda, que permita criar as condições para a construção de habitação acessível de iniciativa privada na cidade.
Contamos que o Plano de Urbanização do Vale de Santo António avance para discussão pública muito em breve, com aprovação final ainda este ano. Iniciámos há poucas semanas o processo de alteração do Plano de Pormenor do Parque Mayer, que permitirá torná-lo mais operacional e resolver o impasse em torno do espaço público e requalificação daquele espaço emblemático. Continuamos a trabalhar de perto com promotores de grandes unidades de execução na cidade, que representam projetos estratégicos para a requalificação e coesão territorial, como é o caso da UE Marvila/Beato ou da Doca de Pedrouços, onde irá surgir o Hub do Mar.

Após a seleção do projeto vencedor do concurso internacional do Martim Moniz, este ano serão formalizados os projetos detalhados, que permitirão a execução de obra a terminar antes de 2027. Iremos igualmente apresentar brevemente os cenários de perfis-tipo e programa de intervenção para a Avenida Almirante Reis, suportados nas conclusões da participação pública conduzida no final do ano passado.
Ao abrigo do programa Lisboa Sem Fios, temos estado já no terreno com ações piloto de remoção de cabos de fachadas, em quarteirões da Avenida Fontes Pereira de Melo, Largo de São Sebastião ou Avenida da Igreja, e que pretendemos ir alargando a toda a cidade ao longo dos próximos anos.
Contamos ter a obra da 1.ª fase da Via Estruturante de Santa Clara, já em execução, concluída no primeiro trimestre do próximo ano, e estamos a elaborar projetos de execução para todas as fases subsequentes.
Falando ainda de obra feita, iremos lançar brevemente empreitadas ao abrigo do programa Há Vida no Meu Bairro para a Estrada de Queluz, na Ajuda, Praça das Novas Nações, em Arroios, Avenida Santos Dumont, nas Avenidas Novas, Rua D. José de Bragança, no Beato, Avenida Rainha Dona Amélia, no Lumiar, Envolvente à Escola Patrício Prazeres, na Penha de França, e Rua Almada Negreiros, nos Olivais, e Rua das Gaivotas em Terra e Estrada de Moscavide, no Parque das Nações. Estamos ainda a concluir obras de espaço público em Sete Rios, na entrada sul da Gulbenkian e Largo de São Sebastião, e na Parada do Alto de São João.
Este conjunto de intervenções contribuem decisivamente para melhorar a qualidade do espaço público dos bairros da nossa cidade que corresponde, no fundo, a melhorar a qualidade de vida dos lisboetas.

Há muito que se fala na importância de agilizar os processos de licenciamento na CML, de forma a aumentar a oferta de habitação na cidade. O que estava/está a CML a fazer nesse sentido, a nível interno?
A CML partilha da preocupação generalizada com a morosidade do licenciamento urbanístico e está a realizar um trabalho de clarificação de interpretações e de otimização da cadeia de procedimentos, para melhorar o seu desempenho. Estamos a limpar todos os procedimentos desnecessários, a reduzir prazos de apreciação dos processos e a clarificar conceitos e normas imprecisas. Esta é a nossa obrigação e o nosso compromisso enquanto município. Foi exatamente por isso que nos antecipámos ao Governo em mais de dois anos e começámos a implementar em Lisboa a nossa própria melhoria contínua do licenciamento.
Compreendemos inteiramente as críticas às demoras nos licenciamentos e é preciso sermos claros: com um licenciamento urbanístico que não funciona, os investidores perdem oportunidades e confiança e a própria cidade sofre as consequências, nomeadamente na oferta de mais habitação.
"Compreendemos inteiramente as críticas às demoras nos licenciamentos e é preciso sermos claros: com um licenciamento urbanístico que não funciona, os investidores perdem oportunidades e confiança e a própria cidade sofre as consequências, nomeadamente na oferta de mais habitação"
Especificamente em relação à habitação, o licenciamento destes processos é prioritário, bem como os processos PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] que produzem mais habitação e mais residências de estudantes. Em 2022, licenciámos 3.076 fogos de habitação (1.745 novos, 1.331 reabilitados). Em 2023, licenciámos 2.780 fogos de habitação (1.133 novos, 1.647 reabilitados). E em 2024, até início de abril, já licenciámos 715 fogos de habitação (320 novos e 395 reabilitados). Além disso, estão em apreciação projetos que totalizam 7.759 fogos – 1.740 novos e 3.019 reabilitados.
Olhando para um segmento específico dentro da habitação que é particularmente importante para a cidade, as residências de estudantes, também fica claro o impacto do Urbanismo. Em toda a cidade, desde início de 2022 foram já licenciadas oito residências com um total de 2.358 camas e encontram-se em apreciação 27 projetos com um total de 5.887 camas, promovidos quer por entidades públicas, quer por privadas, num total global de 8.245 novas camas.
O novo simplex urbanístico, aprovado pelo anterior Governo, já está em vigor. O que está (ou vai) a mudar? É possível tirar desde já algumas conclusões/ilações?
Quando foi publicada a legislação nacional, o famoso simplex do licenciamento urbanístico, o nosso trabalho de simplificação e promoção da eficiência estava já adiantado e várias medidas já tinham sido implementadas:
- a criação da Comissão de Concertação Municipal do Urbanismo, para garantir a emissão de pareceres internos em tempo útil e de forma coerente;
- a criação do Programa As Minhas Obras, para simplificar e acelerar a apreciação de obras simples de conservação ou alteração em habitações ou pequenos espaços comerciais, com aprovação da arquitetura em dois meses;
- a otimização da cadeia de decisão, através da eliminação de etapas do processo de decisão que eram desnecessárias ou não acrescentavam valor;
- a definição de normas de consulta aos serviços municipais externos ao Urbanismo e a definição de prazos máximos para a emissão dos pareceres;
- a criação da Academia Urbanismo LX, espaço de formação interna e externa, em que foram já realizadas 38 sessões de formação;
- a criação de um serviço de atendimento para requerentes sem processo;
- a criação da figura do gestor do processo, que acompanha a tramitação do processo desde a sua submissão até à decisão final e durante a execução da obra. Passámos a ter normas claras para as consultas aos serviços municipais e assim conseguimos evitar demoras e consultas desnecessárias. Reestruturámos os formulários nas nossas plataformas de submissão para serem mais claros para os requerentes.
No âmbito da Transparência, o nosso trabalho já permitiu criar vários relatórios internos em “Power BI” para gerir e monitorizar o desempenho do licenciamento urbanístico. E ambicionamos estar na linha da frente na implementação do BIM (Building Information Modelling) no licenciamento urbanístico.
Para nos adaptarmos ao simplex, estão em desenvolvimento várias outras medidas:
- estamos a aperfeiçoar a nossa plataforma de licenciamento, para funcionar melhor e ser mais simples;
- estamos a internalizar os pareceres emitidos por outros serviços municipais no Urbanismo, seguindo o princípio de que é a estrutura que se adapta ao processo, não é o processo que se adapta à estrutura;
- iniciámos a revisão de vários regulamentos municipais;
- foi feita a subdelegação de competências nos dirigentes;
- está a ser feita uma atualização de elementos instrutórios, requerimentos, minutas de licença/resposta, notificações e termos de responsabilidade;
- estamos a preparar a ferramenta de acompanhamento do processo em tempo real pelo requerente;
- já foram publicadas as Perguntas Frequentes do simplex urbanístico no site da CML;
- lançámos despachos orientadores para aplicação das normas do simplex;
- estamos a preparar a publicação de um guia para a instrução de processos;
- está a ser preparado um novo modelo de fiscalização.
"As equipas do licenciamento urbanístico da CML estão a ser reorganizadas tendo em vista o cumprimento dos novos prazos de decisão dos processos: 120, 150 e 200 dias úteis, consoante o tipo e a complexidade dos processos. Muita coisa vai mudar no licenciamento, e felizmente já estávamos no caminho certo antes sequer de surgir esta legislação nacional"
Além destas medidas, as equipas do licenciamento urbanístico estão a ser reorganizadas tendo em vista o cumprimento dos novos prazos de decisão dos processos: 120, 150 e 200 dias úteis, consoante o tipo e a complexidade dos processos. Muita coisa vai mudar no licenciamento, e felizmente já estávamos no caminho certo antes sequer de surgir esta legislação nacional.

Criticou o Executivo socialista de António Costa pelo facto de publicar as portarias que sustentam o diploma do simplex na véspera deste entrar em vigor, antecipando que as câmaras não tinham tempo para o pôr a funcionar e que, por isso, estavam num estado caótico. E agora, como está a decorrer esse processo?
Dado que não tivemos tempo para reorganizar a estrutura, as plataformas e os regulamentos para nos adaptarmos ao novo diploma, fazemo-lo já durante a sua vigência. Conseguimos, a partir do dia 4 de março, pôr em prática as regras do diploma, como por exemplo a eliminação da licença de construção ou a conversão de processos de licenciamento em comunicação prévia. Outras regras, como o cumprimento dos prazos de licenciamento, só quando a casa estiver “arrumada”.
As plataformas vão sendo adaptadas, com muito percalços para quem submete os processos e para os técnicos que os apreciam. As incongruências e imprecisões que existem no diploma geraram grande afluência de pessoas ao atendimento e aos técnicos de licenciamento da CML. Mas faz parte da mudança e está tudo no bom caminho. [Como] a revisão de regulamentos, nomeadamente o RMUEL – Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação de Lisboa ou o RMTRAUOC – Regulamento Municipal de Taxas Relacionadas com a Atividade Urbanística e Operações Conexas. E estamos a desenvolver um novo modelo de Fiscalização Urbanística da CML para nos adaptarmos a este novo paradigma.
Estamos em muitas frentes e acreditamos que vamos conseguir alcançar o objetivo de simplificação no licenciamento urbanístico que traçámos ainda antes de chegarmos. Espero que esta mudança de paradigma de menos licenciamento e mais fiscalização seja acompanha por uma mudança na forma de estar em sociedade, com maior responsabilidade e mais confiança.
Considera que o novo Governo poderá fazer algumas alterações ao simplex urbanístico. Faria sentido ou seria pertinente?
Temos várias razões para acreditar que existe margem de melhoria nesta legislação nacional. O princípio da simplificação e ganho de eficiência no licenciamento é muito positivo, mas é preciso termos um simplex realista, que seja possível aplicar na prática. Destaco alguns prazos que não são exequíveis, quer para as câmaras municipais, quer para os requerentes. Por exemplo, aprovar um Pedido de Informação Prévia (PIP), que passa a ser quase idêntico a um Pedido de Licenciamento, com uma duração de 30 dias úteis, não é exequível. Assim como não é exequível para o requerente ter 15 dias úteis para aperfeiçoamento do pedido a submeter na autarquia.
"Aprovar um PIP, que passa a ser quase idêntico a um Pedido de Licenciamento, com uma duração de 30 dias úteis, não é exequível. (...) Há um conjunto de erros que têm de ser corrigidos com a maior celeridade possível"
Também em matéria de obras de urbanização definem-se procedimentos totalmente desadequados para um conjunta de obras que depois vão ser geridas e mantidas pelas câmaras municipais. Há um conjunto de erros que têm de ser corrigidos com a maior celeridade possível, porque têm gerado muitas dúvidas dentro e fora das câmaras municipais.
Queremos uma simplificação inteligente, dirigida às causas dos problemas e focada em soluções viáveis. Não queremos uma simplificação aparente, que não resolve as causas e apenas deixa problemas para o futuro. Esperamos que exista bom senso do legislador para ajustar estes pontos.

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