Em entrevista, o presidente da AICCOPN diz que é preciso criar condições para gerar “vaga de construção e reabilitação” no país.
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Construção de casas em Portugal
Manuel Reis Campos, presidente da AICCOPN Créditos: AICCOPN | Gonçalo Lopes | idealista/news

Os indicadores económicos começam a alinhar-se para que haja mais construção e reabilitação de casas em Portugal: a inflação está a estabilizar e os juros estão a descer. Agora, resta criar condições fiscais e legislativas adicionais para estimular a oferta de mais de casas no país, “o que passa, obrigatoriamente, pela redução dos impostos incidentes sobre a construção e o imobiliário, bem como pela melhoria de alguns aspetos do simplex urbanístico”, segundo defende Manuel Reis Campos, presidente da Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN). Em entrevista ao idealista/news, o responsável aponta que também está em falta a disponibilização de imóveis públicos, “o que representa um adiamento na resposta à crescente procura por habitação”.

Há várias medidas do programa Construir Portugal que já entraram em vigor, como a isenção do IMT e do Imposto de Selo para jovens que compram a sua primeira casa e a garantia pública no crédito habitação também para jovens. Mas estas medidas têm sobretudo estimulado a procura de casas no país, que já está alta, o que acaba por acelerar ainda mais os preços. Importa, assim, “criar condições para concretizar uma vaga de construção e reabilitação que permita aumentar de forma significativa a oferta de habitação em Portugal”, argumenta Manuel Reis Campos.

"A injeção de imóveis devolutos ou subutilizados do Estado é uma medida fundamental para aumentar a oferta de casas acessíveis"

Ter um ambiente económico com baixa inflação, queda dos juros e mercado de emprego estável não chega para que a construção volte a florescer em Portugal. Para Reis Campos, também presidente da Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário (CPCI), é preciso avançar com uma redução do IVA para 6% - medida que já teve um “passo positivo” no OE2025 – e ainda clarificar o mercado quanto “à sua implementação prática e alcance”, para que seja possível planear projetos habitacionais com confiança. Na sua perspetiva, é preciso também melhorar alguns aspetos do simplex urbanístico, “de modo a alcançar um maior equilíbrio entre a simplificação administrativa e a garantia da qualidade técnica e construtiva”.

Mas não só. “A injeção de imóveis devolutos ou subutilizados do Estado é uma medida fundamental para aumentar a oferta de casas acessíveis, que já deveria estar em prática”, sublinha o responsável, frisando que o facto de a medida continuar sem ver a luz do dia representa “um adiamento na resposta à crescente procura por habitação”, sobretudo porque há poucos espaços disponíveis para construir nos principais centros urbanos. A concretização de todas estas medidas que estimulam a criação de oferta de casas em Portugal é importante para “contrariar a evolução dos preços da habitação” no país, comenta Manuel Reis Campos, presidente da AICCOPN, nesta entrevista ao idealista/news para ler em seguida.

Reabilitar imóveis do Estado
Manuel Reis Campos, presidente da AICCOPN Créditos: Gonçalo Lopes | idealista/news

Como avalia o atual estado do acesso à habitação em Portugal com a aplicação de parte das medidas do Construir Portugal (oferta, procura, preços…)?

A dificuldade de acesso à habitação em Portugal é estrutural, resulta de um desinvestimento público e privado neste mercado ao longo da última década, pelo que os portugueses que pretendem adquirir ou arrendar uma casa continuam a enfrentar desafios significativos. 

No que concerne ao programa Construir Portugal, apesar de algumas medidas importantes como a redução do IMT para jovens já tenham sido implementadas, consideramos prematuro avaliar o impacto dessas ações, especialmente porque o programa ainda não se encontra totalmente concretizado.

"A escassez de mão de obra qualificada é, de facto, um dos principais entraves que as empresas do setor da construção e do imobiliário enfrentam"

As licenças de casas em construções novas continuam a descer. O que explica esta queda desde o início do ano? Ainda se está a aguardar a revisão do simplex urbanístico. Que ajustes e correções é preciso fazer para que funcione?

Ao nível do licenciamento de fogos em construções novas, e apesar da recuperação registada nos últimos meses, até agosto apura-se um decréscimo de 3,2%, em termos homólogos, para um total de apenas 21.329 casas. Neste âmbito, importa recordar que o ano de 2024 arrancou com um elevado nível de incerteza quanto à evolução da conjuntura internacional, da inflação, das taxas de juro e com eleições legislativas nacionais, o que gerou alguma insegurança junto dos investidores. 

Neste momento, apesar de se manterem elevados riscos geopolíticos internacionais, a inflação a nível europeu está controlada e as taxas de juro iniciaram uma trajetória descendente. Resta criar condições para concretizar uma vaga de construção e reabilitação que permita aumentar de forma significativa a oferta de habitação em Portugal, o que passa, obrigatoriamente, pela redução dos impostos incidentes sobre a construção e o imobiliário, bem como pela melhoria de alguns aspetos do simplex urbanístico, de modo a alcançar um maior equilíbrio entre a simplificação administrativa e a garantia da qualidade técnica e construtiva, conferindo assim maior segurança aos investidores.

Reabilitar casas no Porto
Reabilitação de casas no Porto Créditos: Gonçalo Lopes | idealista/news

A falta de mão de obra continua a afetar o setor e a contratação de estrangeiros está mais difícil. Como é que se pode contornar esta situação? Optar mais pela construção industrializada seria parte da solução?

A escassez de mão de obra qualificada é, de facto, um dos principais entraves que as empresas do setor da construção e do imobiliário enfrentam, estimando-se uma necessidade adicional de cerca de 80 mil profissionais. Tendo presente o aumento das dificuldades para recrutar trabalhadores, a AICCOPN já entregou ao Governo um conjunto de medidas com o objetivo de promover a captação e a qualificação dos recursos humanos essenciais para responder às necessidades das empresas.

Neste âmbito, considera-se necessário reforçar a ligação entre o ensino, a formação profissional e o mundo empresarial, de modo a alinhar as reais necessidades das empresas com a oferta formativa. É essencial tirar melhor partido dos centros de formação de excelência, como o CICCOPN e o CENFIC, que estão capacitados para formar trabalhadores para o setor da construção, tanto nas artes tradicionais quanto nas novas qualificações exigidas pelos processos e sistemas construtivos emergentes, como a impressão 3D, a realidade aumentada, a virtualização, o BIM, a construção modular e off-site.

No que concerne à contratação de estrangeiros, que têm sido um contributo essencial, considera-se que são necessárias políticas de imigração direcionadas para as reais necessidades das empresas. Neste sentido, a AICCOPN já propôs a criação de uma “via verde para empresas” no âmbito da admissão de estrangeiros, uma medida que desburocratize e agilize os processos de legalização, sobretudo para empresas que precisam de elevada mão de obra. Outro ponto essencial é a introdução de mecanismos de pré-autorização de residência para trabalhadores estrangeiros com uma oferta de emprego já garantida, o que possibilitaria acelerar a sua integração.

A opção por uma construção mais industrializada pode, sem dúvida, ser parte da solução, uma vez que reduz a dependência de mão de obra. Ao adotar esses novos processos construtivos, as empresas conseguem aumentar a eficiência e a produtividade, permitindo uma resposta mais ágil às exigências e necessidades do mercado. Contudo, a adoção em larga escala destas inovações requer investimentos significativos em pesquisa e desenvolvimento, que devem ser apoiados de modo a abranger as PME do setor.

Mão de obra na construção
Freepik

De que forma é que a recente descida dos juros influencia o setor da construção?

A trajetória de redução das taxas de juro, iniciada há alguns meses, tem um impacto positivo no setor da construção e do imobiliário. Esta diminuição, além de aumentar a confiança dos investidores, provoca uma redução dos custos de financiamento, o que é essencial para a viabilidade de novos projetos. Com juros mais baixos, os investidores conseguem obter crédito a condições mais favoráveis, o que lhes permite libertar verbas que podem ser reinvestidas na execução de mais projetos habitacionais.

"Aplicar uma taxa reduzida de IVA nas obras de construção e reabilitação (...) é essencial para promover um aumento significativo da oferta de habitação"

A redução do IVA na construção de 23% para 6% é uma medida há muito pedida pelo setor da construção. Como é que esta medida pode ser desenhada de forma a garantir que a redução da carga fiscal é refletida nos preços das casas (de forma gradual, imediata…)?

A redução do IVA de 23% para 6% na construção e reabilitação de casas é uma medida há muito defendida pelo setor e, atualmente, pela Associação Nacional de Municípios Portugueses, sendo crucial para impulsionar o investimento privado, com um efeito imediato de redução da carga fiscal. Aplicar uma taxa reduzida de IVA nas obras de construção e reabilitação em todo o território nacional é essencial para promover um aumento significativo da oferta de habitação, respondendo assim às necessidades urgentes de acessibilidade habitacional. 

A proposta de Orçamento do Estado para 2025 [OE2025] já prevê uma autorização legislativa nesse sentido, o que representa um passo positivo. No entanto, persistem dúvidas quanto à sua implementação prática e ao alcance desta medida, pelo que é fundamental que o Governo clarifique rapidamente esses aspetos, permitindo que tanto os investidores quanto os proprietários possam planear os seus investimentos com segurança e confiança.

Simplex urbanístico
Créditos: Gonçalo Lopes | idealista/news

Como vê a injeção de imóveis devolutos do Estado para aumentar a oferta de casas acessíveis?

A injeção de imóveis devolutos ou subutilizados do Estado é uma medida fundamental para aumentar a oferta de casas acessíveis, que já deveria estar em prática. No entanto, a disponibilização desses imóveis continua sem ver a luz do dia, o que, tendo em consideração o número reduzido de espaços disponíveis para construção nos principais centros urbanos, representa um adiamento na resposta à crescente procura por habitação. O nosso parque edificado não está a acompanhar as exigências e padrões de habitabilidade necessários para garantir a qualidade de vida das nossas famílias e cidadãos. Com efeito, existem 498.700 edifícios a necessitar de intervenções significativas e ao nível do conforto térmico.

Assim, para aumentar a oferta de habitação, promover a reabilitação do nosso parque edificado, melhorar o conforto das habitações e aumentar a eficiência energética, é essencial que o Governo concretize o processo de disponibilização dos imóveis públicos e introduza medidas financeiras e fiscais de apoio à reabilitação. Isso permitiria oferecer mais soluções para os cidadãos que enfrentam dificuldades de acesso à habitação.

"É urgente acelerar a execução do investimento público, em particular o financiado pelo PRR"

Que mais se pode fazer a nível legislativo para incentivar a colocação de mais casas e a preços acessíveis no mercado português? Como avalia o Orçamento do Estado para 2025 nesta matéria?

Entre os aspetos positivos da proposta do OE2025 destaco a abertura do Governo à redução da taxa de IVA para a construção e reabilitação de habitação, uma medida que a AICCOPN há muito reivindica e que consideramos fundamental para estimular o investimento privado. 

É urgente acelerar a execução do investimento público, em particular o financiado pelo PRR [Plano de Recuperação e Resiliência], cuja execução financeira global é de apenas 25%, situação claramente insuficiente para aproveitar esta oportunidade única, para o desenvolvimento económico e social do nosso país. O PRR prevê a construção de 26 mil habitações até 2026, um prazo que avança mais rapidamente do que a concretização das metas. A realização deste objetivo, recentemente reforçado pelo compromisso de construir 33 mil habitações adicionais até 2030, é essencial para mitigar a atual escassez habitacional. Contudo, apenas 20% das verbas alocadas para a componente de habitação foram executadas até agora.

Esses números evidenciam a necessidade de o Governo concentrar esforços na implementação de soluções para acelerar a execução do investimento público. Para isso, é fundamental simplificar os processos de contratação pública, eliminar burocracias excessivas e reforçar a capacidade técnica das entidades responsáveis.

IVA na construção
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Quais são as suas expectativas para 2025 em termos de construção habitacional e preços das casas?

Para 2025, as expectativas para o segmento de construção habitacional são positivas, uma vez que se prevê a manutenção da trajetória de redução das taxas de juro, um maior estímulo ao investimento privado no setor da habitação e a obrigatória concretização das novas habitações previstas no PRR. Este incremento da oferta deverá, certamente, ajudar a mitigar a crise habitacional. 

No que diz respeito aos preços das casas, embora se espere que uma maior oferta habitacional contribua para uma maior estabilidade do mercado, é fundamental considerar que outros fatores também desempenham um papel crucial na dinâmica do mercado imobiliário, como os impostos e a inflação. Para contrariar a evolução dos preços da habitação, é necessário reduzir a atual carga fiscal incidente sobre a construção e o imobiliário, garantir a celeridade dos processos de licenciamento e promover uma revisão da Lei dos Solos, além de promover melhores apoios à construção e à reabilitação de casas.

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