Atividade na habitação, escritórios e investimento comercial contraiu no arranque de 2022. Mas houve segmentos dinâmicos.
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Imobiliário em Lisboa
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O mercado imobiliário continua a dar provas de resiliência. Mas não é imune ao atual contexto económico pautado pela alta inflação e subida de juros. A verdade é que o desempenho da atividade imobiliária em Portugal deu-se a dois ritmos nos primeiros três meses de 2023: enquanto o investimento comercial, a venda de casas e a ocupação de escritórios desaceleraram, a atividade da logística, retalho e hotelaria brilhou, superando os patamares registados nos últimos dois anos.  

No arranque de 2023, houve três segmentos do mercado imobiliário que registaram um arrefecimento da atividade, conclui o relatório trimestral Market Pulse da JLL:

  • Habitação: o início do ano foi marcado por uma nova redução das vendas (cerca de 5% face ao trimestre anterior), seguindo a tendência registada ao longo de 2022. E também já se sentem alguns ajustes homólogos dos preços médios de venda em Lisboa (-3% para 4.200 euros/m2) e no Porto (-6% para 2.800 euros/m2). Apesar da atual conjuntura, a procura dominada por portugueses continua a superar a oferta;
  • Escritórios: a ocupação em Lisboa somou cerca de 20.000 m2 no trimestre, menos de metade do padrão médio do período registado nos últimos cinco anos. No Porto, a atividade perfez aproximadamente 8.000 m2, um nível 41% abaixo da média dos últimos cinco anos. A tendência de abrandamento na ocupação de escritórios também é sentida noutros mercados europeus, dado o clima de incerteza;
  • Investimento imobiliário comercial: nos primeiros três meses do ano foram movimentados 240 milhões de euros, um valor 63% abaixo da média registada para o mesmo período nos últimos cinco anos. A atividade foi marcada pela compra de um portfólio de 40 supermercados pela LCN Partners por 150 milhões de euros. Por isso mesmo, o retalho gerou 63% do montante investido, os escritórios 16% e logística outros 16%. A maioria do capital foi investido por estrangeiros.

"A subida galopante das taxas de juro, o aumento da inflação e o aperto das condições de financiamento afetam as famílias e as empresas, que são os destinatários das casas e dos escritórios”

“A redução da ocupação de escritórios e da venda de casas neste trimestre não surpreende. É uma tendência que já vem do último trimestre de 2022, e que é natural face à dupla circunstância de partirmos de mercados a transacionar em níveis recorde e de haver um agravamento da conjuntura económica. A subida galopante das taxas de juro, o aumento da inflação e o aperto das condições de financiamento afetam as famílias e as empresas, que são os destinatários das casas e dos escritórios”, explica Joana Fonseca, Head of Strategic Consultancy & Research da JLL, frisando que “não é possível sair intocado desta conjuntura”.

Ao atual contexto macroeconómico, somam-se ainda fatores internos que afetam o negócio das casas. “As medidas do programa Mais Habitação podem ter o efeito contrário ao pretendido, nomeadamente ao nível da criação de nova oferta e especialmente a de arrendamento. O arrendamento coercivo de casas devolutas ou os tetos de renda podem limitar a atividade do mercado e criar incerteza, levando os promotores a adiar ou cancelar projetos”, lê-se no comunicado enviado às redações.

Também o abrandamento do investimento imobiliário comercial “reflete a postura de maior cautela dos investidores num ambiente macroeconómico marcado pela incerteza quanto à evolução das taxas de juro e da inflação no arranque do ano. Não é uma questão de atratividade do mercado português, nem da sua capacidade de gerar retorno”, acrescenta ainda Joana Foncesa.

Escritórios no Porto
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Logística, retalho e hotelaria brilharam no arranque de 2023

Nem tudo correu mal no início de 2023. Até porque houve três segmentos do imobiliário que registaram atividades bem dinâmicas ao longo deste período, aponta o relatório, que dá especial destaque à logística:

  • Logística: aqui foram ocupados 214.000 m2 no primeiro trimestre de 2023, um valor que representa mais do dobro da atividade registada em igual período nos últimos dois anos. Cerca de 52% da ocupação teve lugar na região de Lisboa, destacando-se o eixo Carnaxide-Alfragide. Só 2% da ocupação foi registada no Porto e 46% no restante território nacional. Como continua a haver falta de oferta neste segmento para uma procura crescente, as rendas também estão a subir.
  • Retalho: as vendas a retalho aumentaram 1,6% no primeiro trimestre (em termos homólogos), com “impacto positivo nos centros comerciais”. As rendas dos espaços comerciais estão a “refletir a inflação”. Também o comércio de rua esteve dinâmico tanto em Lisboa como no Porto (onde recentemente abriu o Mercado do Bolhão), registando-se um “bom desempenho das vendas e procura de novos espaços”.
  • Hotelaria: o número de hóspedes e dormidas cresceu 14% face ao primeiro trimestre de 2019, para, respetivamente, 5,1 milhões e 12,5 milhões. Tanto os níveis de ocupação em Lisboa e o Porto, como o preço das dormidas estão a aproximar-se dos níveis de 2019. “Este continua a ser um setor de aposta, com a abertura de três novos hotéis de 5 estrelas (um em Faro e dois no Porto) e dois de 4 estrelas (em Lisboa) neste período”, indicam.

"Já temos sinais de maior estabilidade macroeconómica, confirmando-se a desaceleração da inflação e um menor ritmo de subida dos juros, o que terá impacto na confiança de quem procura de imóveis"

A propósito do desempenho destes segmentos, Joana Fonseca realça que “no retalho, esperava-se um impacto forte e mais imediato da perda de poder de compra das famílias. Contudo, as vendas não caíram, o que se refletiu positivamente na operação das lojas e na maior confiança de quem procura espaços novos para abrir”. Em relação à logística, “já esperávamos este acréscimo de ocupação, porque há uma procura muito ativa que não se tem materializado apenas porque há falta de espaço adequado. Na hotelaria, os bons registos de operação refletem um turismo que deixou totalmente para trás os anos pandémicos”, conclui.

Em termos dos valores praticados, o trimestre foi marcado por uma subida das yields, aumento das rendas em logística e estabilidade nos escritórios e retalho, ao passo que na habitação, foi identificada uma tendência de arrefecimento dos preços nos dois principais mercados, Lisboa e Porto. Sobre este ponto, a Head of Strategic Consultancy & Research da JLL considera que  “os valores do imobiliário, em termos de rendas, preços ou yields, refletem a grande resiliência deste setor. A nota geral é de estabilidade, havendo lugar a ajustes apenas ligeiros e em alguns segmentos, apesar de uma natural quebra de ocupação e vendas, bem como de um sentimento de maior cautela por parte dos investidores e dos consumidores”.

Quando à atividade imobiliária ao longo de 2023, Joana Fonseca está confiante de que “os segmentos mais afetados neste trimestre acelerem, mesmo que com potenciais reajustamentos de valor. Por um lado, já temos sinais de maior estabilidade macroeconómica, confirmando-se a desaceleração da inflação e um menor ritmo de subida dos juros, o que terá impacto na confiança de quem procura de imóveis, seja para investimento, ocupação ou compra”, sublinha reforçando que “não há uma perda de competitividade do imobiliário” e que agora “falta apenas assegurar a estabilidade fiscal e legislativa, que é um garante muito importante para a confiança dos investidores e para o aumento da oferta”.

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