
O setor imobiliário está a atravessar um momento agridoce. A resiliência mantém-se, mas a incerteza também. A procura de casas continua alta, mas a oferta ainda é escassa. Sintomas de uma “doença” antiga, que se agudizou nos últimos anos e que teima em não ter cura à vista. Diz quem anda no terreno que é preciso construir e vender casas para a classe média nacional e dar finalmente vida ao mercado de arrendamento. Mas como? A verdade é que, paralelamente, continuam a vender-se muitas casas no país, e a maioria a portugueses. Isto num contexto marcado por uma alta taxa de inflação e elevadas taxas de juro, que roubam poder de compra. Os promotores imobiliários não atiram a toalha ao chão, mas reclamam mudanças no setor. Expectativa e confusão caminham lado a lado nesta equação, nomeadamente com aquilo que será o programa do Governo Mais Habitação - será debatido no Parlamento esta sexta-feira (19 de maio de 2023).
Agilizar licenciamentos, reduzir o IVA na construção nova, apostar em parcerias público-privadas para aumentar a oferta de habitação, criar um verdadeiro mercado de arrendamento. Os dados estão em cima da mesa, sendo este o trajeto a seguir para revitalizar o setor do imobiliário e da construção em Portugal, segundo os promotores imobiliários consultados pelo idealista/news durante o Salão Imobiliário de Portugal (SIL) 2023. A solução passa, defendem de forma unânime, por fazer chegar mais casas ao mercado. Mais casas acessíveis que possam ser compradas e/ou arrendadas por todos os portugueses, não apenas os da classe alta e média/alta. O desafio é conseguir fazê-lo.
Há falta de casas no mercado face à procura? Sim…
“O mercado continua resiliente e, apesar do abrandamento que possa ter existido nas vendas, estas não caíram a pique. E continua a ser latente no mercado este desequilíbrio enorme entre a oferta e a procura”, diz Daniel Tareco, Board Member da promotora imobiliária Habitat Invest. “Apesar das dificuldades, o mercado continua bastante estável e sustentado”, acrescenta.
Claude Kandiyoti, Chief Servant Office da promotora belga Krest Investments, assina por baixo, sublinhando que a falta de oferta “é o principal problema em Portugal” no setor imobiliário. “Queremos todos [os players do setor] o mesmo objetivo, que é criar habitação para portugueses”, lembra, lamentando que o Governo crie “muita confusão” com os temas relacionados com o setor.
Também Gonçalo Cadete, sócio-gerente da Solyd Property Developers, considera que a falta de casas é “sem dúvida” um dos principais problemas do imobiliário em Portugal: “Quando olhamos para antes de 2012, 2013 vemos que havia muita habitação nova a ser produzida. Desde essa altura a recuperação tem sido muito lenta, ao contrário da procura, que tem crescido bastante. Todos os operadores se preocupam em trazer mais oferta para o mercado, mas têm aparecido várias barreiras que têm impedido que isso aconteça de forma eficaz, o que resulta num aumento grande de preços na habitação nova”.

Barreiras atrasam chegada de mais casas ao mercado
Os vários players auscultados pelo idealista/news são unânimes a identificar alguns problemas que existem no segmento residencial no país e que fazem com que não haja rapidamente mais casas a chegar ao mercado. Entre eles está a elevada carga fiscal no setor, os atrasos nos processos de licenciamento e a própria legislação, que muitas vezes cria confusão – e apontam o dedo precisamente ao Mais Habitação, que gerou muita polémica.
Segundo Luís Gamboa, COO da VIC Properties, a receita para haver mais casas para a classe média “passa acima de tudo por haver chão disponível para fazer casas”. “Não há, e quando não há, quando o bem é escasso, o preço sobe. Tem de haver, no âmbito das revisões dos PDM’s, a classificação do solo que possa ser usado para a construção. A segunda [ideia] é a possibilidade de se construir em altura, porque grande parte dos PDM’s só permitem, em algumas zonas, construção até seis, sete pisos. Se com a mesma implantação dobrarmos o número de pisos, estamos a dobrar a capacidade construtiva sem ocupar mais solos. Ou seja, temos mais área de construção e por conseguinte mais fogos também disponíveis”.
O mesmo responsável considera ainda importante “mesclar a tipologia de clientes”. “É a melhor forma de enquadrar os diferentes estratos sociais. Não podemos viver em ilhas. Está provado que os bairros de habitação social se tornaram guetos que são difíceis de controlar e do ponto de vista da segurança não funcionam. Esta ‘mesclagem’ das classes sociais acaba por funcionar em muitos países e aqui em Portugal também funciona de certeza”, salienta.
“Temos de perceber que produto é que o mercado precisa”
Paula Fernandes, CEO da RAR Imobiliária, avisa que a “falta de oferta é um problema que se vai manter”, podendo até ganhar maior expressão. Afirma, nesse sentido, que as próprias empresas de promoção imobiliária têm de fazer uma espécie de autoavaliação: “O mercado tem de parar um bocadinho em termos daquilo que produz, percebermos como é que se pode enquadrar e fazer ao contrário daquilo que normalmente fazemos. Nós pomos o produto no mercado e a oferta acaba por aparecer, mas temos de perceber que produto é que o mercado precisa”.
"[Portugal] neste momento não é para jovens. Mas tem de pensar que tem de o ser. Tem de haver bom senso e acima de tudo capacidade de adaptação nossa. Temos de começar desenvolver projetos não só a pensar naquilo que achamos que é importante, mas perceber o que é que o mercado quer e o que precisa"
Paula Fernandes, CEO da RAR Imobiliária
A mesma responsável lembra, nesse sentido, que é preciso perceber “o enquadramento financeiro que cada indivíduo tem”, até porque Portugal “neste momento não é para jovens”. “Mas tem de pensar que tem de o ser. Tem de haver bom senso e acima de tudo capacidade de adaptação nossa. Temos de começar a desenvolver projetos não só a pensar naquilo que achamos que é importante, mas perceber o que é que o mercado quer e o que precisa”.
Cecile Gonçalves, Board Member do Grupo Libertas, põe o dedo noutra ferida, o impacto que tem para os promotores imobiliários os atrasos nos processos de licenciamento. Refere que é “mais fácil construir para classe média/alta ou alta”, sendo um “desafio” apostar, por exemplo, em projetos direcionados para programas de renda condicionada. “Perde-se muito facilmente dinheiro neste tipo de projetos”.
Sobre este tema, Daniel Tareco dá um exemplo: “Os processos de licenciamento continuam a ser bastante complicados, muito díspares de municípios para municípios e bastante incertos relativamente ao desfecho. Um dos nossos projetos [Habitat Invest], até começar a construção sofreu um processo de licenciamento de quatro anos. O processo de desenvolvimento e construção durou seis anos”.

Que casas se procuram agora?
É caso para dizer que tudo mudou com a pandemia da Covid-19 e com os vários confinamentos que se viveram. O teletrabalho ganhou força e a forma como as pessoas olham para o lar é agora diferente. “Preferem ter espaços exteriores interessantes e eventualmente casas mais compactas. Os quartos têm diminuído de dimensão, a tendência tem sido de diminuir as tipologias. A qualidade de vida encontra-se não só no apartamento, mas também nas áreas comuns que valorizam bastante os prédios”, comenta Cecile Gonçalves.
“Hoje as casas têm varandas muito maiores, porque as pessoas querem viver mais fora, ter uma mesa, cadeiras, sofás, ver as crianças a brincar. A varanda é um prolongamento da casa e é um sítio para se viver, não é um sítio para se pendurar roupa, usando uma expressão mais popular. Outra coisa a que as pessoas dão cada vez mais valor e há uns anos não ligavam tem a ver com a eficiência energética e a sustentabilidade”, acrescenta Gonçalo Cadete, da Solyd.
“Hoje as casas têm varandas muito maiores, porque as pessoas querem viver mais fora, ter uma mesa, cadeiras, sofás, ver as crianças a brincar. A varanda é um prolongamento da casa e é um sítio para se viver, não é um sítio para se pendurar roupa, usando uma expressão mais popular"
Gonçalo Cadete, sócio-gerente da Solyd Property Developers
Uma visão partilhada por Claude Kandiyoti, da Krest, que revela que as pessoas procuram atualmente “casas muito diferentes”, com mais varandas. “Mudámos alguns projetos, os mais novos, a pensar nisso e para serem mais sustentáveis. Também a partilha de espaços aumentou, notamos muito isso, até porque as pessoas optam cada vez mais pelo regime de trabalho híbrido”, indica, frisando que estão a valorizar, por exemplo, a existência de espaços de trabalho partilhados no próprio condomínio, podendo as casas ser mais pequenas.
Também Luis Gamboa, da VIC Properties, reforça essa tendência, a de serem construídas casas mais pequenas e que poderão ser também mais acessíveis. “Estamos sempre preocupados com as tendências e a adaptar o nosso produto àquilo que é a procura. No projeto da Matinha vamos tentar ter uma construção mais racional, industrializada e tentar também ter um custo de construção mais baixo, que nos permite ir para o mercado com um preço mais competitivo. Isso faz parte do processo de adaptação da construção, é ir ao encontro do que os clientes querem. Para construir em volume, o processo tem de se estandardizar e industrializar para ter um preço mais competitivo. Não há outra hipótese”.
A promoção imobiliária é ainda uma atividade rentável?
“Não vamos parar, é o que sabemos fazer. O imobiliário tem futuro, é uma necessidade e uma área que não vai deixar de existir. Agora seremos é mais prudentes em alguns lançamentos, mas efetivamente há procura, temos é de ser racionais e prudentes”, responde Cecile Gonçalves, do Grupo Libertas.
“Se não é rentável [um projeto] não fazemos. A coisa mais importante é oferecer produtos de qualidade e sustentáveis”, refere, por sua vez, Claude Kandiyoti.
Gonçalo Cadete, da Solyd, lembra a propósito deste tema que há uma ideia quase generalizada “de que a atividade da promoção imobiliária é ultrarentável”, tendo na realidade “muito risco”, por fatores como o aumento dos custos de construção. Mas a resposta é sim, diz: “Sempre fomos muito seletivos. Somos o tipo de promotor que faz poucos projetos e muito grandes. Temos de ser muito seletivos para termos um produto com um preço vendável e tentar ter habitação mais popular”.
Luis Gamboa é também da opinião que ainda é rentável construir em Portugal. “E vai continuar a ser enquanto a procura se mantiver a este nível”, diz o COO da VIC Properties. “Estamos expectantes para ver o que é que vai acontecer nos próximos tempos com o programa Mais Habitação. Os investidores, os clientes precisam de ter alguma estabilidade para poderem investir”, frisa.
Preços das casas vão continuar a subir?
“Os ajustes têm sido em alta, esperamos não ter de ajustar em baixa, por isso no mínimo diria que vão manter-se. A haver ajustes será fora dos grandes centros urbanos, mas não creio que com a falta de oferta de produtos que há os preços se ajustem em baixa”, antecipa o mesmo responsável.
“O mercado português e o belga são parecidos, sendo que o belga há 10 anos tinha 70% de proprietários e 30% de arrendatários e que hoje é ao contrário. Em dez anos mudou e acredito que em Portugal possa acontecer o mesmo”
Claude Kandiyoti, Chief Servant Office da Krest Investments
“No imobiliário novo não vamos ter grandes alterações, ou seja, não vamos ter oscilações em alta, mas também não haverá um aumento enorme do preço. Não antevejo nem uma baixa nem uma alta. Na habitação de segunda mão já se está a sentir que os preços estão a baixar”, estima Cecile Gonçalves, do Grupo Libertas.
Uma opinião de certa forma partilhada por Claude Kandiyoti: “Manter-se vão certamente, mas creio que vão subir. A minha esperança é que se mantenham e que seja possível criar um mercado de arrendamento, que não existe em Portugal. A aposta no aumento da oferta no arrendamento é uma necessidade”, recorda o responsável da Krest, deixando uma curiosidade sobre este tema. “O mercado português e o belga são parecidos, sendo que o belga há 10 anos tinha 70% de proprietários e 30% de arrendatários e hoje é ao contrário. Em dez anos mudou e acredito que em Portugal possa acontecer o mesmo”, conclui.
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