
O mercado de arrendamento em Portugal está, hoje, no olho do furacão. Controlar as rendas nos novos contratos, forçar o arrendamento de casas vazias e reduzir as taxas de IRS sobre os rendimentos prediais fazem parte do pacote de medidas "Mais Habitação" colocadas em cima da mesa pelo Governo socialista de maioria absoluta, com o objetivo de aumentar a oferta habitacional neste mercado (que é estruturalmente escassa).
Mas, afinal, quão rentável é comprar casa em Portugal para colocar a arrendar? Os dados do idealista/data indicam que a rentabilidade bruta da habitação em Portugal subiu ao longo de 2022, tendo-se fixado em 6,27% no final do ano. E mostram ainda que arrendar casa no interior do país é mais lucrativo do que no litoral (mas os riscos também são maiores). Acontece que, quando são considerados todos os encargos fiscais, este negócio imobiliário torna-se menos atrativo aos olhos dos investidores.
A resiliência do imobiliário a situações de crise – como comprovou durante a pandemia e, agora, com a guerra na Ucrânia – tem atraído grandes e pequenos investidores ao longo dos anos. Muitos veem mesmo no mercado de arrendamento habitacional um refúgio e uma forma de rentabilizar as poupanças, num momento em que a alta inflação e as taxas de juro estão a esmagar os rendimentos familiares, e a remuneração dos depósitos ainda é menos compensatória. Mas, ainda assim, há falta de habitações para arrendar em Portugal. Será que comprar casa para arrendar é, hoje, um negócio rentável no nosso país?
Os dados do relatório anual sobre o mercado residencial português do idealista/data* revelam que comprar casa em Portugal para, depois, colocar no mercado de arrendamento tornou-se mais rentável em 2022 face ao período pandémico. A rentabilidade bruta deste negócio chegou mesmo aos 6,27% no último trimestre do ano, numa altura em que as casas à venda custavam, em média, 2.475 euros por metro quadrado (euros/m2) e as rendas das casas se fixaram nos 12,9 euros/m2 – ambos valores recorde.
Onde é que arrendar casa é mais rentável em Portugal? Nas cidades do interior
A rentabilidade bruta de comprar casa em Portugal para colocá-la no mercado de arrendamento é bem dispar nas diferentes capitais de distrito do país, mostram os dados. E é precisamente nas cidades do interior onde arrendar casa é mais rentável (e também onde há maior risco do investimento).
A cidade da Guarda é onde a rentabilidade bruta deste negócio imobiliário é maior, tendo registado 6,66% em dezembro de 2022. Aqui comprar casa nesse mês custava 799 euros/m2 e a renda da casa era, em média, de 5,2 euros/m2 por mês. Isto quer dizer que uma habitação de 100 m2 custava quase 80 mil euros e era possível arrendá-la pelo valor médio de 520 euros/mês, rendendo ao proprietário cerca de 6,66% em termos brutos.
A segunda cidade portuguesa mais rentável é Bragança. Nesta capital de distrito, situada no interior-norte do país, comprar uma casa custava 865 euros/m2 em dezembro de 2022 e o preço médio do arrendamento era de 5,2 euros/m2 (valor igual ao da Guarda). Contas feitas, comprar casa para arrendar rendeu 6,16% aos proprietários de Bragança em dezembro de 2022.
Além destas capitais de distrito, Santarém e Portalegre são outras cidades do interior onde investir numa casa para arrendar apresenta das rentabilidades mais altas do país (5,78% e 4,73%, respetivamente). Há vários fatores que podem ajudar a explicar esta tendência, nomeadamente os baixos preços das casas à venda nestes municípios do interior face à realidade nacional, conjugado com a alta procura por casas para arrendar. “O reduzido stock, juntamente com o alto nível de procura, gera altos níveis de rendimentos no interior do país”, destacam os especialistas do idealista/data no relatório.
Há que ter em conta que quanto maior a rentabilidade, também é maior o risco do investimento. Ou seja, comprar casa para arrendar é mais rentável no interior, mas também aqui os riscos são superiores face a um investimento no litoral. É isso que diz João Fonseca, perito avaliador e membro do RICS, ao idealista/news: "Se os investidores exigem maior rentabilidade na Guarda, significa que o risco de investir naquela cidade do interior é maior do que em Lisboa, por exemplo." Os riscos associados a este negócio imobiliário no interior prendem-se com o facto da ocupação poder ser inferior e do imóvel ser desvalorizado no futuro, por exemplo. Além disso, há ainda a instabilidade legislativa que afeta todo o mercado de arrendamento.
Por outro lado, João Fonseca alerta ainda que a decisão de investir numa casa para arrendar não deve ser tomada apenas tendo em conta as rentabilidades. Há outros fatores a pesar na balança, como é o caso da valorização dos imóveis no futuro. Isto porque o proprietário pode precisar de vender a casa mais tarde e deve garantir que a habitação é valorizada para ter o maior retorno do investimento possível.
Além disso, independentemente da zona do país em que se localiza o imóvel, há que também medir os riscos associados ao crédito habitação, já que muitos negócios se fazem mediante financiamento bancário e, com o agravamento dos juros, nos empréstimos com taxa variável parte da rentabilidade pode ser comida, com este custo extra de capital. Por outro lado, é preciso ter em conta que na hora de vender a casa muitas vezes ainda há que saldar a dívida ao banco e, por isso, é importante fazer contas para ver se compensa ou não.
Onde é menos rentável investir numa casa para arrendar?
É Ponta Delgada, na Região Autónoma dos Açores, a cidade que apresenta a rentabilidade bruta dos ativos residenciais mais baixa de todas (3,01% em dezembro de 2022). Logo a seguir está Vila Real (3,25%) e o Funchal, na Madeira (3,26%), revelam os dados. Isto quer dizer que nestas cidades o risco de investimento é menor.
Nas duas cidades onde é mais caro comprar e arrendar casa em Portugal, as rentabilidades também são bem inferiores à média nacional (de 6,27%), revelam os dados:
- Lisboa: comprar casa na capital custou 5.147 euros/m2 no final do ano passado. E a renda das casas média fixou-se nos 18 euros/m2, o maior valor de sempre. Na capital portuguesa – a cidade mais cara para viver do país – investir numa habitação para arrendar rendeu 3,47% no final de 2022;
- Porto: esta é a segunda cidade do país onde adquirir uma habitação é mais caro (3.238 euros/m2). E também arrendar casa custa 14,7 euros/m2, o segundo valor mais elevado. Já em termos de rentabilidades brutas, a cidade Invicta encontra-se a meio da tabela, dado que arrendar casa rendeu aos proprietários 4,03% no final do ano passado.
Importa recordar que, em Portugal, os preços das habitações para comprar têm subido a um ritmo muito superior ao das rendas das casas nos últimos anos. Os dados recentes do Eurostat revelaram que as casas à venda no nosso país ficaram 80% mais caras desde 2010 até ao verão de 2022, enquanto as rendas subiram apenas 25% entre estes dois momentos.
Esta é uma realidade bem visível, sobretudo, nos territórios que têm mais oportunidades de trabalho e têm atraído mais famílias para viver, como é o caso das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto. Isto ajuda a explicar o facto de, apesar das rendas nestas cidades estarem altas (e muito superiores aos rendimentos das famílias), a sua evolução não acompanhou a subida dos preços das casas para comprar, um cenário que pressiona a rentabilidade. Por outro lado, os riscos associados à ocupação e desvalorização dos imóveis também são menores, o baixa a rentabilidade.

Comprar casa para arrendar: como tem evoluído a rentabilidade?
Como a procura de casas continua a ser muito superior às oferta disponível no mercado, as habitações no país têm ficado cada vez mais caras, quer para comprar, quer para arrendar. No caso do mercado de compra e venda, “o preço unitário da habitação em Portugal está atualmente no seu máximo histórico, de cerca de 2.500 euros/m2”, aponta o relatório. No mercado de arrendamento, a procura de casas para arrendar disparou em 2022 e, como há uma clara falta de oferta, as rendas das casas também atingiram o valor médio recorde de cerca de 13 euros/m2 no final do ano.
Foi este dinamismo no mercado de arrendamento o principal responsável por elevar a rentabilidade bruta das casas colocadas a arrendar ao longo de 2022, que se fixou nos 6,27% em dezembro. Este é, de resto, um valor 0,72 pontos percentuais (p.p) superior ao calculado para o mesmo período de 2021 (5,55%).
Arrendar casa tornou-se menos rentável durante a pandemia
O investimento em habitação viveu um bom momento em 2022. Mas nem sempre a foi assim. A rentabilidade bruta das casas em Portugal esteve sempre a descer entre 2019 até ao final de 2021, altura em que se fixou em 5,55%, segundo o idealista/data. Mas o que é que explica a descida da rentabilidade das casas durante a pandemia?
Olhando para os dados, salta à vista que as rendas das casas desceram entre o segundo trimestre de 2020 e o quarto trimestre de 2021, resultado do aumento da oferta e da retração da procura, ainda de ligeira. Já no mercado de compra de venda, os preços continuaram a subir mesmo durante a pandemia (embora a menor velocidade, já que a oferta de casas também aumentou ligeiramente no final de 2020 e início de 2021).
Isto quer dizer que as rendas das casas caíram numa altura em que as casas à venda ficaram mais caras, reduzindo, assim, a rentabilidade bruta que o arrendamento habitacional proporciona ao proprietário.
O que trava o investimento em casas para arrendar?
Apesar de comprar casa para arrendar estar mais rentável em 2022, o stock de habitações no mercado de arrendamento ainda é muito inferior face à procura existente, continuando a representar menos de 0,3% do parque habitacional no final de 2022. Isto quer dizer que melhorar os níveis de rentabilidade não chega para incentivar as famílias a investir em casas para colocar a arrendar – como quer agora o Governo. E há vários fatores que o explicam.
Desde logo, comprar uma casa é considerado um compromisso de longo prazo, sobretudo, se a operação for financiada pela banca, tendo, por isso, custos certos. Já arrendar casa é acompanhada de fatores variáveis que trazem instabilidade aos proprietários, nomeadamente a conservação do imóvel por parte do inquilinos ou o cumprimento do pagamento das rendas.
A somar a estes fatores estão ainda os impostos associados a este negócio imobiliário, que vão reduzir – e muito – a rentabilidade bruta. Recorde-se que comprar casa envolve o pagamento do Imposto Municipal sobre Transações (IMT) - se o valor for superior a 97.064 euros -, o imposto de selo e a escritura pública. Além disso, os proprietários têm ainda de acautelar o pagamento anual do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI). Somando todos estes encargos fiscais, a juntar aos impostos em sede de IRS e o Imposto de Selo, os proprietários podem mesmo ter de pagar milhares de euros ao Estado por ano.
Se uma casa de 100 m2 for arrendada por 13 euros/m2 durante dez anos, significa que o proprietário encaixa um rendimento bruto extra de 13 mil euros neste período. Mas a este valor terá de se subtrair e “amortizar” os encargos fiscais pagos até então. Além disso, os proprietário têm ainda de tributar as rendas em sede de IRS. Todos estes impostos reduzem – e muito – a rentabilidade de arrendar casas, sendo este um dos principais motivos apontados pelo afastamento dos investidores deste mercado, segundo referiu a Associação Portuguesa de Proprietários (APROP).

E quais são os novos estímulos para colocar habitações a arrendar?
O Governo de António Costa reconhece que há falta de confiança dos proprietários no mercado de arrendamento. E admite que há uma crise na habitação em Portugal a agravar-se há já vários anos. Foi por isso mesmo que o Governo socialista apresentou um conjunto de medidas no pacote “Mais Habitação”, focado em aumentar a oferta de casas no mercado de arrendamento e em controlar os preços. Estas são algumas das medidas propostas neste sentido que vão tocar os proprietários:
- Reduções de IRS para todo o mercado de arrendamento: a taxa liberatória comum de 28% vai baixar para 25% e também haverá redução das taxas nos contratos de arrendamento de longa duração (superiores a 5 anos);
- Controlo de rendas das casas nos novos contratos: o valor das rendas dos novos contratos de arrendamento vai passar a ter critérios que limitam a sua subida, definidos tendo por base o objetivo de inflação de 2% e os coeficientes de atualização automática dos três anos anteriores (se não tiverem sido aplicados);
- Estado quer substituir-se ao inquilino e pagar rendas com três meses de incumprimento;
- Estado compromete-se a arrendar casas a privados pelo prazo de cinco anos, para depois subarrendar a preços compatíveis com os rendimentos, comprometendo-se a pagar a renda aos proprietários, eliminando assim o risco de incumprimento. A taxa de esforço máxima será de 35%;
- Novos estímulos ao arrendamento acessível com isenção de IMI, IRS e IMT: aqui os proprietários terão de baixar as rendas das casas, com a garantia de ter menos despesas fiscais (o que procura equilibrar o cálculo da rentabilidade do imóvel - mas será que chega?).
- Arrendamento obrigatório de casas devolutas para colocar no mercado de arrendamento acessível (toda a gestão do negócio será assegurada pelo Estado).
O programa “Mais Habitação”, que está em consulta pública até 10 de março, tem gerado uma onda de reações no mercado residencial. E sobre esta matéria chovem críticas ao novo modelo de controlo de rendas e ao arrendamento obrigatório de casas devolutas. Já os novos incentivos fiscais para colocar as casas no mercado de arrendamento têm sido vistos com bons olhos. Ainda nada está decidido, até porque a maioria das medidas – exceto os apoios – terá se ter espelhada em propostas de lei, que serão debatidas no Parlamento e passadas a pente fino pelo Presidente da República.

*Metodologia: para calcular as rentabilidades brutas, o idealista dividiu o preço de venda pelo custo de arrendamento solicitado pelos proprietários nos diferentes mercados no quarto trimestre de 2022. O resultado obtido é a percentagem bruta da rentabilidade que proporciona o arrendamento de uma casa ao seu proprietário. Estes dados permitem a análise do estado atual do mercado e são um ponto de partida básico para todos os investidores que pretendam comprar ativos imobiliários para obter rendimento.
*Notícia atualizada dia 03/03/2023, às 11h42, com novas informações sobre os riscos associados à compra de casa para arrendar em Portugal
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