"Parece-me ser uma coisa que o próximo Governo vai ter de olhar com muita atenção", diz Francisco Sottomayor, CEO da Norfin.
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Património imobiliário do Estado
Francisco Sottomayor, CEO da Norfin Créditos: Norfin

Como aumentar a oferta de casas em Portugal, nomeadamente a preços acessíveis para a classe média portuguesa? A resposta a esta pergunta não será fácil de dar, mas há caminhos a seguir que podem ajudar a encontrar soluções, sendo o elevado custo dos terrenos um dos problemas que existe no país, avisa Francisco Sottomayor. Segundo o CEO da Norfin, o Estado tem também uma palavra a dizer sobre este tema, tendo “um enorme volume de imobiliário que continua a não saber quanto é”. 

“Quem num terreno fizer um projeto de arrendamento acessível ou um projeto para construir para vender vai perceber que a rentabilidade é muito superior na opção de construir para vender. Enquanto o Estado não perceber isto e não encontrar uma forma de resolver esta equação económica, o mercado de arrendamento vai ser insipiente. Isto não se resolve rapidamente e tenho as maiores dúvidas da capacidade do Estado em resolver sozinho [este tema]”, alerta o responsável em entrevista ao idealista/news

Segundo o CEO da Norfin, empresa que integra o Grupo Arrow Global desde 2018, o “Estado não sabe o que é que tem e o potencial daquilo que tem para ajudar a resolver” a crise habitacional na qual se encontra o país. “Como é que se pode tentar ajudar o mercado a resolver-se quando boa parte daquilo que está parado nas cidades pertence ao Estado e o Estado nem sequer sabe o que tem. (…) Parece-me ser uma coisa que o próximo Governo vai ter de olhar com muita atenção”, indica. 

Casas novas no Algarve
Empreendimento Natura Village, em Vilamoura, estará concluido em 2024 Créditos: Norfin

Disse-nos, em junho de 2022, que continuava a haver muito capital a querer entrar em Portugal, mas que havia pouca oportunidade. E agora, ano e meio depois?

Estamos num momento estranho. Quem se quer comprometer com um volume de investimento relevante sem perceber o que vai acontecer nos próximos meses… é normal que haja um período de menos intensidade. Há coisas que são estruturais e não mudam: o desequilíbrio entre a oferta e a procura não vai mudar, ou seja, vai continuar a haver oportunidades no segmento residencial. O tema da inflação dos custos da construção, que parece ter estabilizado, estabilizou num patamar diferente daquele que existia anteriormente, e isso tem de ter um impacto na equação económica da promoção imobiliária. Se a vontade de ter uma determinada rentabilidade nos projetos permanece a mesma, se os riscos e o contexto permanecem os mesmos e se o custo de construção subiu, o custo dos terrenos terá de descer para a equação económica continuar a fazer sentido. 

"Se a vontade de ter uma determinada rentabilidade nos projetos permanece a mesma, se os riscos e o contexto permanecem os mesmos e se o custo de construção subiu, o custo dos terrenos terá de descer para a equação económica continuar a fazer sentido"

O que assistimos em Portugal e nos países do sul da Europa de forma geral é que há uma resistência sempre muito grande dos proprietários em aceitar uma degradação de preço. É evidente que esta inflação que existiu no custo de construção tem de ter um impacto, em Portugal temos é uma tendência para nos enganarmos durante mais tempo. Há mercados em que o ajustamento é feito de forma rápida e começa a recuperar rapidamente. Em Portugal estamos ainda numa fase de ajustamento da matéria-prima, dos terrenos. E também me parece que o desequilíbrio de oferta e procura não é igual em todas as zonas do país e em todos os segmentos de mercado. 

Todas as áreas à volta das grandes cidades são zonas de oportunidade. Muitas vezes o que acontece é que os proprietários dos imoveis ou dos terrenos têm uma perceção pouco razoável do valor daquilo que têm e isso de alguma forma limita o mercado.

Mas ainda há muitos espaços e/ou terrenos em Lisboa, ou na Área Metropolitana?

Há uma bolsa em Entrecampos e nas Amoreiras, mas onde há capacidade para ter volume de construção que de alguma forma possa ajudar a resolver o problema em Lisboa é na Alta de Lisboa. Foi um projeto que esteve parado muitos anos e que a pressão sobre a procura ajudou a desbloquear. Na Alta de Lisboa ainda há muitos terrenos para construir e muito desenvolvimento por fazer. 

"Há uma bolsa em Entrecampos e nas Amoreiras, mas onde há capacidade para ter volume de construção que de alguma forma possa ajudar a resolver o problema em Lisboa é na Alta de Lisboa"

Não tenho nada a opinião de que o mercado vai parar. À medida que houver, em 2024, uma tendência de estabilização das taxas de juro o segmento de mercado que foi mais impactado pelo aumento do custo de financiamento vai, devagar, recomeçar a comprar. Ou seja, os compradores que dependem de financiamento para comprar vão voltar ao mercado devagar, à medida que as coisas forem estabilizando. Os bancos continuam capitalizados e com muita vontade de financiarem a aquisição de casa própria.

Construção nova na Alta de Lisboa
Créditos: Norfin

Que análise faz ao mercado de arrendamento? A aposta no Build to Rent, por exemplo, é algo que pode ajudar a dinamizar o mercado?     

Seria muito importante para o mercado, mas a equação continua a não funcionar. O que vemos é que é o pequeno aforrador, quem compra um apartamento ou dois e os coloca a arrendar, que está a colocar esse mercado dinâmico. Vemos as rendas ainda em fase de crescimento em Lisboa e no Porto. Temos um portefólio de Private Rented Sector (PRS) com cerca de 900 unidades residenciais em Lisboa e não temos espaços disponíveis, o mercado absorve rapidamente aquilo que colocamos. Há uma procura fortíssima. O mercado só não é mais dinâmico porque não há mais oferta de arrendamento

Torna a habitação acessível à generalidade dos portugueses, quer seja na compra de casa ou no arrendamento. Como é que isso é possível nesta conjuntura atual, sendo que, logo à partida, os terrenos estão mais caros?

Quem num terreno fizer um projeto de arrendamento acessível ou um projeto para construir para vender vai perceber que a rentabilidade é muito superior na opção de construir para vender. Enquanto o Estado não perceber isto e não encontrar uma forma de resolver esta equação económica, este mercado de arrendamento vai ser insipiente. Isto não se resolve rapidamente e tenho as maiores dúvidas da capacidade do Estado em resolver sozinho [este tema]. 

Aliás, o Estado tem um enorme volume de imobiliário que continua a não saber quanto é. O próprio Estado não sabe o que é que tem e do potencial daquilo que tem para ajudar a resolver esta crise. Como é que se pode tentar ajudar o mercado a resolver-se quando boa parte daquilo que está parado nas cidades pertence ao Estado e o Estado nem sequer sabe o que tem. É incompreensível como o Estado, que é o maior proprietário do país, não sabe o que tem, não inventaria, não faz uma análise daquilo que pode rapidamente reabilitar e colocar no mercado. Parece-me ser uma coisa que o próximo Governo vai ter de olhar com muita atenção.

Casas novas em Vilamoura
Empreendimento The Nine está a nascer em Vilamoura Créditos: Norfin

Mas uma das medidas previstas no Programa Mais Habitação do Governo passa precisamente por haver uma maior sinergia entre o Estado e o setor privado.  

O Estado tem de fazer um primeiro levantamento rigoroso daquilo que tem, e tenho as maiores dúvidas que o consiga fazer com meios próprios. Há empresas privadas que podem fazer esse levantamento e saber quais são as prioridades, porque o volume de imóveis é tão grande que têm de ser definidas prioridades que possam dar resposta às zonas onde há maior pressão. Perceber aquilo que o Estado deve reabilitar para dedicar a uma habitação social, por exemplo, e aquilo que tem capacidade para outro tipo de destino. 

"O Estado tem de fazer um primeiro levantamento rigoroso daquilo que tem, e tenho as maiores dúvidas que o consiga fazer com meios próprios. Há empresas privadas que podem fazer esse levantamento e saber quais são as prioridades, porque o volume de imóveis é tão grande que têm de ser definidas prioridades que possam dar resposta às zonas onde há maior pressão"

Isto é um problema do mundo civilizado. O que verificamos é que a nossa população não cresce, mas o número de agregados familiares cresce muito, são mais pequenos e em maior volume.

Há, nesse sentido, necessidades diferentes em termos de habitação?

Sim, e há uma necessidade de adaptação do nosso parque imobiliário, mas nem todos os prédios conseguem ser divididos em unidades mais pequenas. Acho que tendências como coliving, por exemplo, podem ajudar a dar resposta a algumas destas questões, através de modelos de habitação mais cooperativos, digamos assim, mas isso resolve uma parte do problema, não a outra.

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