"Não há engenheiros, técnicos, máquinas, gruas… suficientes para tudo", alerta Francisco Sottomayor, CEO da Norfin, em entrevista.
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Construção de casas em Portugal
Francisco Sottomayor, CEO da Norfin | Empreendimento Monview Créditos: Norfin

O ano de 2023 foi “muito bom” para a Norfin, revela Francisco Sottomayor, adiantando que a empresa, que integra o Grupo Arrow Global, tem “mais de 700 unidades residenciais em construção, em produção”. Em entrevista ao idealista/news, o CEO da empresa fala sobre os novos investimentos no país – há dois novos projetos na calha, um na zona Norte e outro no Algarve – e aborda alguns dos desafios que existem no setor imobiliário, nomeadamente na construção. “Perdemos boa parte da capacidade de produção que tínhamos, fomos perdendo durante as várias crises, e neste momento mesmo que haja muito capital disponível não há engenheiros, técnicos, máquinas, gruas… suficientes para tudo”, alerta. 

O mesmo responsável considera, de resto, que este é um cenário “preocupante”, sendo um “problema que não se vai resolver rapidamente”, até porque o Estado, retomando “a obra pública, que esteve parada muito tempo, vai consumir uma parte” da capacidade de produção disponível.  

“Temos boas relações com a generalidade das construtoras, mas sentimos e percebemos as dificuldades que têm para dar resposta ao volume que recebem. Este não é, no entanto, um problema exclusivamente português, é europeu. O que me parece é que em Portugal desapareceu uma percentagem maior da capacidade produtiva”, refere Francisco Sottomayor.

Casas novas às portas de Lisboa
Empreendimento Monview estará concluido no próximo ano Créditos: Norfin

O ano de 2023 está a corresponder as expectativas face ao que era previsto?

O ano teve dois momentos: um primeiro semestre com muita atividade e um segundo em que já se sentiu algum impacto, não só da instabilidade governativa, mas também de um conjunto de medidas que está a impactar a economia.

Para nós foi um ano muito bom. A nova administração começou a trabalhar já há dois anos e meio e nessa altura lançou-se um conjunto de projetos, que com os atrasos normais da atividade de licenciamento estão agora em construção. Temos mais de 700 unidades residenciais em construção, em produção. 

Tudo projetos de construção nova?

Sim. Temos um projeto de reabilitação que vai arrancar, mas ainda não foi anunciado. E falo de projetos do Norte ao Algarve. No Porto temos o Antas Green, com as obras a terminarem agora no final do ano. São 182 unidades. Está praticamente vendido e há muitos portugueses e muitos residentes, ou seja, pessoas que vão viver.

Temos um novo projeto residencial que vamos anunciar em breve na zona Norte, ainda não podemos anunciar detalhes. É uma segunda fase de um projeto que já está em desenvolvimento. Um investidor nosso vai adquirir [o terreno em causa] até final do ano. 

"Temos um novo projeto residencial que vamos anunciar em breve na zona Norte, ainda não podemos anunciar detalhes. É uma segunda fase de um projeto que já está em desenvolvimento. Um investidor nosso vai adquirir [o terreno em causa] até final do ano"

Em Lisboa, temos o Oriente Green Campos, um projeto de escritórios muito interessante. Temos boas perspetivas de comercialização. Estará concluído no primeiro trimestre de 2024.    

Temos também o Lisbon Heights, que já começou a ser construído. São 95 unidades. As moradias só começam a ser comercializadas em janeiro. É um produto mais diferenciado para a Alta de Lisboa. Era a antiga quinta da Musgueira, é o que resta da casa senhorial da quinta, que vamos readaptar. Esse sim é um projeto de reabilitação urbana. 

Sobre o Monview está praticamente colocado, restam poucas unidades, sendo que são 168. A construção está a correr muito bem e termina no final do próximo ano.

Casas novas na Alta de Lisboa
Empreendimento Lisbon Heights, na Alta de Lisboa, já está a ser construído Créditos: Norfin

Na maior parte dos projetos a maioria dos clientes é de nacionalidade portuguesa?

É 50%, 50% em quase todos os projetos. O Monview e o Lisbon Heights são provavelmente aqueles onde há mais portugueses, onde a percentagem é maior. E a maior parte das vendas é relativa a pessoas que compram para viver, não numa perspetiva de investimento, para colocar para arrendar, por exemplo.  

Há dois projetos de que se fala muito pouco que estão num fundo que gerimos, os projetos da Trindade, no Seixal. Temos dois lotes em desenvolvimento, um está acabado e outro arrancou a construção há pouco tempo, o Orizon, que são 126 fogos. 

Temos ainda o Campo Novo. A obra está a correr muito bem, é um volume de construção muito grande. Cerca de 60% dos apartamentos estão comercializados, e aí detetamos um pouco mais de investidores. E há imensa atividade também de escritórios. Estamos a construir o primeiro edifício, os outros três estão ainda em fase de licenciamento. No caso dos escritórios, quase todos os pedidos que temos são de empresas internacionais.  

Temos depois uma construção gerida num fundo nosso de um projeto hoteleiro na linha de Cascais, que ainda não podemos dizer o nome. É em Carcavelos. É hotel e Branded Residences. Está em construção e está bastante avançado, o problema é que a negociação com a marca hoteleira não está fechada. 

No Algarve temos três projetos, o Vilamoura Parque, o The Nine e o Natura Village. São projetos que estão com a Vilamoura World (VW), mas a Norfin faz a gestão imobiliária. A VW tem três grandes áreas de negócio: imobiliário, que é gerido por nós, a marina, que é gerida pela própria equipa da marina, e a parte de 'hospitality', que inclui os hotéis e golfes, que foram adquiridos ao Grupo Dom Pedro, mas que no fundo é gerido por uma equipa própria. A parte dos projetos imobiliários é toda desenvolvida pela Norfin, o licenciamento, a construção, a comercialização etc. 

Foi um ano (2023) em que muito daquilo que semeámos nos últimos anos se está a transformar, de imensa atividade comercial e de construção. E também temos alguns novos projetos.    

No caso dos escritórios, os dois projetos que estamos a construir são o Campo Novo e o Oriente Green Campus, que são de qualidade diferenciada e têm certificações do ponto de vista ESG (Environmental, Social e Governance). Sentimos que há pouca concorrência para um produto de segmento alto e com qualidade.

Sustentabilidade, ESG… São temas que são cada vez mais importantes para os investidores.

As empresas de topo já não se podem dar ao luxo de estar em escritórios que não sejam qualificados. Não só porque é uma questão de conseguirem reter o talento, e de que o talento vá ao escritório, mas também porque as empresas sentem que para a absorção da cultura da empresa e para que as equipas funcionem bem o escritório continua a ter um papel importante. Neste momento, o escritório funciona com um atrativo para consolidar a cultura empresarial e o trabalho das equipas, por isso apostam em escritórios qualificados. 

"Neste momento, o escritório funciona com um atrativo para consolidar a cultura das empresas e o trabalho das equipas, por isso as empresas apostam em escritórios qualificados"

A consciência geral é que ter os colaboradores a trabalhar em casa constitui um risco de desagregação até do ponto de vista cultural das empresas. Funcional, mas também cultural. Claro que há negócios que se adaptam de uma forma melhor ao trabalho remoto que outros. A preocupação geral que existe é tornar os escritórios mais atrativos para atrair recursos. 

Construção nova em Lisboa
Campo Novo está a nascer junto ao Estádio do Sporting Créditos: Norfin

Fale-nos um pouco mais sobre o Campo Novo. É um dos grandes projetos que está a nascer em Lisboa…

Sim. Temos três componentes no projeto, residencial, escritórios e retalho, o que permite uma vivência de bairro numa zona que não tem grande qualificação, a zona envolvente do estádio [do Sporting]. Não é uma zona onde haja uma experiência de retalho muto qualificada. Temos trabalhado as duas lojas com maior dimensão e as outras estão ainda numa fase inicial, estamos a definir o que queremos exatamente, porque temos consciência que queremos atrair boas marcas e bons produtos. Queremos trazer algumas marcas diferenciadas e estamos a fazer esse trabalho de fundo. 

Disse que, no caso do Campo Novo, há mais interesse no segmento residencial por parte investidores, não tanto de clientes que compram uma casa para viver. Há muitos clientes portugueses?

Sim. Temos um tema estranho: um registo de inflação e de subida das taxas de juro, mas que não está a ser acompanhado pela subida da rentabilidade, do dinheiro que os particulares têm nos bancos. Ou seja, continuamos a ver um movimento de particulares a tirarem dinheiro de produtos financeiros e a colocarem em imobiliário, apesar de alguma incerteza que existe. E se olharmos para uma tendência de longo prazo, o mercado não se vai equilibrar tão cedo, até porque mesmo que houvesse toda a capacidade de investimento a capacidade de produção necessária não existe. Perdemos boa parte da capacidade de produção que tínhamos, fomos perdendo durante as várias crises, e neste momento mesmo que haja muito capital disponível não há engenheiros, técnicos, máquinas, gruas… suficientes para tudo. Isto é particularmente preocupante, porque quer dizer que o problema não se vai resolver rapidamente. E é mais preocupante ainda na medida em que se o Estado retomar a obra pública, que esteve parada muito tempo, vai consumir uma parte dessa capacidade, o que vai agravar o problema. O Estado tem muitos projetos que não são do segmento residencial. 

Qual é, então, a solução?

É todos trabalharem melhor. O Estado no sentido de ser mais eficiente nas obras que faz, mais focado no investimento que faz. E as empresas têm de melhorar a capacidade. Há algumas tendências que nos podem ajudar, que têm a ver com uma certa industrialização da componente da construção e uma maior eficiência. Vemos com algum entusiasmo algumas das medidas que foram anunciadas [pelo Governo, no Programa Mais Habitação] relativamente a temas como o licenciamento, por exemplo, e vemos que isso pode ajudar.

O problema da capacidade é que não se resolve de um dia para o outro, vai-se resolvendo. Temos várias limitações. Houve muita maquinaria vendida durante a anterior crise financeira, antes da Covid-19. As empresas portuguesas, como houve uma depressão grande no volume de construção, viraram-se lá para fora e levaram maquinaria e recursos humanos. Essas empresas, que fizeram o seu caminho numa lógica de sobrevivência, têm um negócio que funciona lá fora. 

"Houve muita maquinaria vendida durante a anterior crise financeira, antes da Covid-19. As empresas portuguesas, como houve uma depressão grande no volume de construção, viraram-se lá para fora e levaram maquinaria e recursos humanos. Essas empresas, que fizeram o seu caminho numa lógica de sobrevivência, têm um negócio que funciona lá fora" 

Temos boas relações com a generalidade das construtoras, mas sentimos e percebemos as dificuldades que têm para dar resposta ao volume que recebem. Este não é, no entanto, um problema exclusivamente português, é europeu. O que me parece é que em Portugal desapareceu uma percentagem maior da capacidade produtiva, e há alguns estudos sobre isso.

Escritórios em Lisboa
Assim será o Oriente Green Campus, um moderno complexo de escritórios em Lisboa Créditos: Norfin

Falou numa tendência cada vez mais em voga, a industrialização da construção. Como analisa este tema, relacionado também com a descarbonização e com a importância cada vez maior do uso da madeira?

Em todos os projetos em desenvolvimento temos vindo a introduzir algumas preocupações em termos de ESG. No Algarve, estamos a projetar um edifício que vai ter uma estrutura 100% em madeira. É um empreendimento que está ainda em projeto. Do ponto de vista de certificação ambiental estamos a fazer várias coisas em vários projetos. Temos um conjunto de políticas e práticas internas relacionadas com o consumo de água, com a eficiência hídrica. Temos o compromisso de fazer uma certificação hídrica para todos os projetos, por exemplo, e estamos a trabalhar em vários projetos em que olhamos para o ‘masterplan’ numa lógica de sustentabilidade sob o ponto de vista da mobilidade, dos consumos, do paisagismo. 

"No Algarve, estamos a projetar um edifício que vai ter uma estrutura 100% em madeira. É um empreendimento que está ainda em projeto"

E a descarbonização, na ótica de dar mais uso à madeira em vez do betão e do aço, é um processo fácil de fazer?

Tudo o que for ser pioneiro é caro. Quando tenho um cliente específico para um projeto específico que tem um prazo de vida de dois, três anos é muito difícil convencer esse capital a serem pioneiros e assumirem um pouco mais de risco e um pouco mais de custo. Em Vilamoura, temos um projeto que tem um prazo de vida muito mais longo e sentimos uma responsabilidade e compromisso para com aquela comunidade local numa lógica diferente, portanto permite-nos trabalhar com um horizonte diferente. Agora temos consciência de que estamos a ser pioneiros naquele projeto e que isso sai mais caro e tem mais risco. 

Toda a cadeia de valor desde o projeto até à construção tem de se adaptar e reaprender a trabalhar com estes novos materiais, porque a solução mais fácil é sempre usar a tecnologia que já se conhece. Há a necessidade no projeto, na construção, de se trabalhar de forma diferente.

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