
As eleições legislativas 2024 vão decidir o novo rumo político de Portugal nos próximos quatro anos, se tudo correr sem imprevistos, como por exemplo as questões judiciais que fizeram o socialista António Costa demitir-se de primeiro-ministro do atual Governo de maioria absoluta. Será no próximo domingo, dia 10 de março, que os portugueses vão ser chamados às urnas para eleger os deputados que vão ter assento na Assembleia da República. E uma das grandes questões que o novo Executivo vai ter em mãos passa mesmo por garantir o acesso à habitação a todos. Ainda há muito a fazer para aumentar a oferta de casas para comprar e arrendar no país, garantem os economistas e profissionais do imobiliário ouvidos pelo idealista/news. E por isso mesmo deixam várias pistas para resolver os problemas da habitação na próxima legislatura, seja criando novos incentivos, seja garantindo estabilidade legislativa e confiança no mercado.
Acesso à habitação em Portugal é difícil: qual a origem do problema?
Muito embora haja um excedente de habitação existente no país face ao número de agregados familiares, muitas destas casas não estão prontas a habitar, precisam de obras, apresentam tipologias demasiado grandes face aos atuais agregados (cada vez mais pequenos) ou localizam-se em zonas do país onde não há procura expressiva, tal como concluiu o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) num recente estudo sobre habitação.
Se por um lado a resposta para a falta de oferta de casas em Portugal está em reabilitar e remodelar a habitação existente, por outro passa também pela construção de mais casas. Mas o que o mercado sente é que se está a construir cada vez menos casas em Portugal. “Nos finais dos anos 90 e início dos anos 2000, construíam-se mais de 110-120 mil casas por ano, o que contribuía para um maior equilíbrio no mercado. Mas nos últimos cinco anos construíram-se apenas entre 25 a 31 mil casas por ano, enquanto se vendiam entre 150 a 160 mil casas. Ou seja, por cada seis casas vendidas, construía-se apenas uma”, destaca Beatriz Rubio, CEO da REMAX Portugal, em declarações ao idealista/news.
A menor construção de habitação nos últimos anos agrava, portanto, a criação de oferta de casas para comprar ou para arrendar que satisfaça as necessidades da procura. Este desequilíbrio resulta num aumento de preços e, consequentemente, em maiores dificuldades para encontrar uma habitação acessível. Como se não bastasse, também “os aumentos nos custos da energia, materiais de construção e mão de obra têm encarecido a construção nova, tornando-a menos acessível às classes com menores rendimentos”, sublinha ainda Beatriz Rubio.
Embora a questão de fundo resida no desequilíbrio entre a oferta e da procura de casas, Vera Gouveia Barros admite ao idealista/news que o novo Governo precisa de ir mais longe, analisando o problema ao pormenor: “A primeira medida tem de ser ter um diagnóstico. Sem ele, não se consegue propor medidas que se saiba melhorarem substancialmente a acessibilidade económica à habitação, que (…) coloca as despesas com a habitação e o rendimento nos pratos da balança.” Por isso, a economista defende que tem de se perceber porque é que há famílias insatisfeitas com a habitação onde vivem e olhar também para a situação laboral dos mais jovens, “porque quem não tem rendimento ou o tem muito baixo, não consegue emancipar-se custe uma casa o que custar”.
Igualmente David Moura-George, diretor-geral da Athena Advisers, admite que “o problema de acesso à habitação também se deve ao facto de os salários no nosso país não acompanharem a valorização do imobiliário”, que é uma “questão que as medidas tomadas neste setor não conseguem resolver”.

Quais as medidas a implementar para melhorar o acesso à habitação?
As variáveis para resolver o problema de acesso à habitação em Portugal são muitas. E os profissionais do imobiliário admitem ao idealista/news que há muito que ainda se pode fazer no lado da criação da oferta de casas, revisão fiscal e estabilidade legislativa. É neste sentido que deixam várias medidas que o novo Governo pode implementar tendo em vista a melhoria do acesso à habitação no nosso país:
- Criar mais confiança e estabilidade legislativa: “Para atrair investidores para todos os segmentos de mercado é necessário criar um pacto de regime com incentivos para quem se comprometer a construir habitação nova com a garantia que essas medidas vão vigorar durante 10, 20, 30 anos. No arredamento, o proprietário tem de ser protegido assim bem como o inquilino, mas até hoje isto nunca aconteceu de forma equilibrada”, aponta Hugo Santos Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII), ao idealista/news;
- Redução de impostos: hoje, “a carga fiscal no setor da habitação é excessiva, podendo situar-se entre os 40% e 50%”, admite Hugo Santos Ferreira, defendendo, por isso, “uma reforma fiscal que permita construir mais casas para todos” e “descer significativamente” o preço das casas, que passaria pela eliminação do IVA a 23% na construção criando a alternativa de deduzir o IVA e ainda eliminar o AIMI. Também David Moura-George defende que deve haver uma “redução do IVA para 6% para o desenvolvimento de qualquer tipo de construção. Além de reduzir o IVA, Miguel Lacerda, Lisbon Residential Director da Savills, acrescenta que deve ser aplicada uma “isenção de IVA na construção para rendas acessíveis, cujo regime deveria ser também simplificado”;
- Aumentar a oferta pública de habitação: neste ponto David Moura-George defende que é preciso uma “política pública de habitação através da disponibilização de terrenos públicos para construção e de património público devoluto para desenvolver casas compatíveis com os salários dos portugueses”, bem como habitação social. Acontece que muitos os edifícios públicos reabilitados não conseguem ser financeiramente sustentáveis sendo as habitações colocadas no mercado a preços acessíveis. Neste caso, Beatriz Rubio acredita que a melhor solução passa por encontrar uma solução de sustentabilidade financeira ao património reabilitado e “aplicar o dinheiro gerado em outros projetos" que consigam garantir casas a preços acessíveis;
- Melhoria significativa do processo de licenciamento urbanístico: embora o novo simplex de licenciamentos urbanísticos seja um “importante primeiro passo” (apesar de levantar dúvidas na sua aplicação), o presidente da APPII admite que “ainda há muito por fazer nesta matéria, concretamente é necessária uma redução de tempos e de obstáculos ao licenciamento de imóveis para habitação”. Além disso, Hugo Santos Ferrera defende “a criação de uma estratégia nacional para o licenciamento urbanístico, que tenha por missão a implementação de uma cultura de procedimentos nos municípios unificada, em prol da criação de mais habitação para todos”;
- Justiça célere e acessível: esta é uma medida importante “para que, no arrendamento, inquilinos e senhorios se sintam protegidos quando a outra parte não cumpre as suas obrigações. É também importante para resolver disputas sucessórias que estejam, eventualmente, a impedir a colocação de casas no mercado”, defende Vera Gouveia Barros;

- Aprovação rápida do Código da Construção: este diploma vai “resumir e englobar quase duas mil leis aplicáveis na construção de um edifício e, trazer o procedimento urbanístico para o sec. XXI, com a criação de plataformas únicas centralizadas a nível nacional de entrada e tramitação de processos”, acredita Hugo Santos Ferreira. De notar ainda que o Código da Construção vai substituir, nomeadamente, o Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU) de 1951 e que, segundo José Cardoso Botelho, CEO da Vanguard Properties, também é responsável por “encarecer o custo da construção”;
- Alterar os PDM para criar mais zonas urbanas: a CEO da REMAX Portugal diz que é preciso haver “a expansão das áreas disponíveis para habitação, através da revisão dos Planos Diretores Municipais (PDM). Também são necessários “programas de requalificação de zonas urbanas nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto”, diz Vera Gouveia Barros;
- Melhorar a mobilidade urbana: para facilitar o acesso a habitações mais acessíveis fora dos centros urbanos, Ricardo Sousa, CEO da Century 21, diz que é preciso “modernizar e expandir as linhas de metro e comboio, especialmente na Grande Lisboa; priorizar a expansão em áreas como Loures e as previstas çinhas intermodais sustentáveis; e melhorar e ampliar as linhas urbanas da CP, em particular a linha norte para chegar mais longe";
- Incentivar a construção sustentável: neste ponto o presidente da APPII defende a “criação de linhas bonificadas para a construção acessível e combate às alterações climáticas” e ainda “IVA reduzido para todas as matérias que permitam construção verde”;
- Industrialização da construção de casas: além da construção tradicional, Ricardo Sousa acredita que é preciso “incentivar a inovação e industrialização da construção, usando métodos construtivos mais rápidos e sustentáveis, promovendo a inclusão e qualificação profissional”, como é o caso de casas modulares e pré-fabricadas;
- Incentivos para a compra de casa para os jovens: neste ponto, vários especialistas acreditam que deve haver isenção de IMT e de imposto de selo na compra da primeira habitação para os jovens até aos 35 anos. Além disso, também defendem a criação de linhas bonificadas para a compra de casa pelos jovens. A tudo isto, Miguel Lacerda, da Savills, defente também “a redução da taxa de IRS para os jovens”;
- Dedução de juros do crédito habitação no IRS para todos: uniformizar a medida que é hoje apenas aplicada aos empréstimos habitação contraídos até 2011, defende a economista. Esta foi uma medida que já esteve em cima da mesa e foi rejeitada pelos socialistas.

Como construir mais habitação acessível? Privados precisam de incentivos
O problema do acesso à habitação não se resolve apenas através da construção de casas pelo Estado. Aqui os privados têm um papel fundamental, mas precisam de mais incentivos para construir habitação acessível em Portugal, defendem os especialistas ouvidos pelo idealista/news. Estas são algumas medidas que o novo Governo pode levar a avante para que haja mais casas para comprar e para arrendar desenvolvidas pelos promotores privados:
- Cedência de terrenos e património público (e devoluto) para a construção de habitação acessível: para Beatriz Rubio, “uma abordagem inovadora poderia ser o Estado disponibilizar terrenos gratuitamente para construtores, com a condição de que os preços de venda dos imóveis construídos fossem limitados”;
- Reduzir taxa de IVA para projetos de arrendamento acessível;
- Isenção de impostos e taxas na compra de terrenos para projetos de habitação acessível;
- Reduzir imposto sobre rendimentos prediais: “É preciso ter uma taxa liberatória no arrendamento em função da taxa de esforço e da duração do contrato, premiando os senhorios que garantam a acessibilidade económica à habitação e a sua segurança legal”, concretiza Vera Gouveia Barros;
- Mais estabilidade legislativa e fiscal para restabelecer a “confiança dos investidores para apostarem no arrendamento”, “combater a informalidade” presente no mercado, defende o CEO da Century 21. Além disso, sem confiança e estabilidade “a banca nacional não financia projetos a longo prazo para arrendamento, logo, a oportunidade é sermos capazes de atrair os grandes fundos de pensões que procuram retorno estável, a longo prazo, com risco diminuto – logo, com yields mais baixas”, destaca o CEO da Vanguard Properties;
- Mais incentivos ao Built-to-rent e Buy-to-rent: para Alfredo Valente, CEO da iad Portugal, é “importante criar as condições para o investimento privado no mercado do buy-to-rent ou do build-to-rent. Ou seja, incentivos à construção de casas para arrendamento e ainda à incentivos à aquisição de casas por parte de investidores privados para arrendamento.
Embora haja um consenso generalizado de que a reforma fiscal vem incentivar o aumento da oferta de habitação acessível por parte dos privados, o mesmo não acontece no que diz respeito às parceiras público-privadas (PPP). José Cardoso Botelho, da Vanguard Properties, diz ter “bastantes dúvidas porque há uma enorme desconfiança do Estado enquanto parceiro”, havendo desafios na transparência de decisões e da rentabilidade da transação. Mas também vê vantagens no acesso a ativos, terrenos ou edifícios públicos a reabilitar.
Estas são algumas medidas que o novo Governo pode aplicar para ajudar a resolver o problema de falta de casas em Portugal. Mas há que ter em conta, tal como sublinha Beatriz Rubio, que “o acesso à habitação é um problema muito complexo e estrutural, que se agravou nos últimos anos”. É neste sentido que Rui Torgal, CEO da ERA Portugal, considera que “é necessária uma estratégia a longo prazo que se reflita em medidas estruturais. Ou seja, são imperativas soluções para o início do problema - e não apenas medidas paliativas para mitigar as consequências”, como o Mais Habitação.

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