É preciso olhar para a crise do acesso à habitação em Portugal de vários ângulos e perspetivas. Não há apenas uma medida que vá resolver um problema que se tem vindo a agudizar há anos no país. “A questão requer uma abordagem holística numa série de dimensões, nomeadamente que incidam sobre a questão dos custos (licenciamentos, terrenos, fiscalidade e construção), para que possamos ter casas mais baratas e que os portugueses possam comprar”, defende Pedro Brinca, economista e investigador na Nova School of Business and Economics (NovaSBE), em entrevista ao idealista/news.
Há dois vetores essenciais para resolver o problema da habitação no nosso país: aumentar a oferta de casas e também expandir as infraestruturas de transportes, para apoiar a descentralização da construção. “Temos de expandir as redes de transporte; temos de aumentar a quantidade de solo disponível para construção; temos de tornar mais atrativo todo o ambiente económico à volta da construção e do arrendamento, para pôr mais casas no mercado de forma sustentada. Assim, havendo mais oferta, haverá preços mais baixos”, resume o economista e também autor do estudo “O mercado imobiliário em Portugal”, publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.
“Todas estas medidas vão ajudar à tal abordagem sistémica e holística que é preciso fazer para, de facto, permitir aos portugueses maior capacidade de adquirir habitação”, argumenta o especialista nesta entrevista, em que aborda também a necessidade de desconcentrar serviços públicos, dos incentivos de longo prazo ao arrendamento e ainda do impacto das novas medidas do Governo para a habitação em Portugal. Quanto ao futuro, atencipa que, "no geral, os preços das casas tenderão a aumentar”.
O ambiente económico está hoje favorável à concessão de crédito habitação e à compra de casa? Porquê?
Se dentro do ambiente económico incluirmos os custos de transação, o custo do crédito habitação, a fiscalidade que incide sobre as casas (e que as oneram), é normal que, de facto, para muitas pessoas não seja o clima ótimo para comprar casa. Porque do ponto de vista daquilo que é a capacidade de compra de boa parte da classe média portuguesa, os preços das casas têm-se tornado cada vez mais distantes daquilo que os portugueses podem comprar. Não obstante, no que diz respeito à vertente das taxas de juro, a expectativa do mercado é que em 2025 haja uma descida de 100 pontos base, o que tornará o crédito habitação mais barato e poderá expandir a possibilidade de compra de casa.
"Historicamente, as medidas têm sido muito mais bem-sucedidas a apoiar a procura e não tanto a oferta, o que resulta numa subida ainda maior dos preços [das casas]".
A procura de casa continua em alta em Portugal, sobretudo nos grandes centros urbanos. Como é que se pode aliviar a pressão imobiliária nestas cidades?
Os preços das casas estão altos, o que é o resultado da oferta e procura. A verdade é que, em termos de oferta, a capacidade construtiva do país afundou-se: estamos a construir hoje um décimo daquilo que construíamos há cerca de 10 ou 15 anos. E, nesse sentido, esta quebra da oferta é um fator que faz subir os preços das casas.
Depois, temos um conjunto de políticas que visa permitir aos portugueses comprar casa num ambiente em que os preços estão cada vez mais elevados. E essas medidas separam-se em duas: por um lado, medidas que apoiam a procura [como a isenção do IMT, garantia pública para jovens] e, por outro lado, medidas que apoiam a oferta [como a nova lei dos solos]. O que é certo é que, historicamente, as medidas têm sido muito mais bem-sucedidas a apoiar a procura e não tanto a oferta, o que resulta numa subida ainda maior dos preços. E esse é um dos problemas essenciais que tornam, de facto, a aquisição de habitação tão difícil.
No que diz respeito à compra, só se resolve este problema com mais casas no mercado. Mas não só. Há também a questão dos transportes. Se temos apenas dois ou três eixos de acesso a Lisboa e temos tudo concentrado no centro, é normal que estes eixos fiquem hipervalorizados. E, depois, há terrenos que poderiam ser urbanizados, que poderiam constituir novos polos da cidade se fosse criada uma política de transportes inclusiva, capaz de trazer e movimentar pessoas e de criar emprego nestas novas manchas urbanas. Se não fizermos isso, também não vamos conseguir resolver o problema da habitação.
A mobilidade também é a chave para aumentar a procura de casa e fixação de residência no interior?
Acima de tudo, temos de perceber que Portugal é mais do que Lisboa e temos de conseguir desconcentrar, tirando muitos dos serviços públicos da capital. Há um conjunto de atividades de baixíssimo valor acrescentado em zonas premium da cidade, cujos imóveis poderiam ser aproveitados, quer para o Governo angariar verba e construir infraestruturas apropriadas para os seus funcionários públicos, quer para criar mais soluções habitacionais aos portugueses em zonas que já estão muito bem servidas do ponto de vista de acessos. Podemos passar os edifícios da Segurança Social para Nisa, no Alentejo, por exemplo, como passámos o Tribunal da Concorrência para Santarém. Esta desconcentração teria vários pontos positivos: o rendimento real dos funcionários públicos seria maior (porque teriam maior poder de compra), além disso permitia a remodelação e modernização das infraestruturas, descongestionando a cidade.
"A questão requer uma abordagem holística numa série de dimensões, nomeadamente que incida sobre a questão dos custos (licenciamentos, terrenos, fiscalidade e construção), para que, de facto, possamos ter casas mais baratas."
O que é necessário para incentivar a construção e a reabilitação de casas?
Porque é que os preços das casas sobem ou o que é que influi a oferta? Temos a questão dos solos custarem muito ou pouco. Temos a questão dos licenciamentos e toda a burocracia que está associada. Temos a questão da tecnologia de construção – aqui há espaço para melhorar a produtividade na capacidade construtiva. E temos a questão da fiscalidade, onde temos IVA a 23% sobre a construção, que é suportado pelo construtor, o que gera um problema enorme de tesouraria, mas também cria uma distorção face a outros mercados.
Por exemplo, na Área Metropolitana de Lisboa, o preço da construção está nos 1.600 euros/m2, ao qual temos de somar 1.000 euros/m2 do valor do terreno, o custo dos juros para financiar o projeto, a fiscalidade e ainda 20% da margem da promoção (porque é um negócio arriscado e tem de ser remunerado de acordo com o risco). Contas feitas, o preço de construir uma casa na zona de Lisboa chega facilmente aos 4.000 ou aos 5.000 euros/m2.
Por isso, temos de cortar em alguns destes custos. O preço do terreno não é fácil de mexer. Aliás, um dos objetivos da lei dos solos passa por aumentar a oferta de terrenos para que o preço possa baixar. Acho que a medida tem uma boa intenção, mas precisa de ser limada, porque tem algumas deficiências técnicas, que podem ser corrigidas a curto prazo. Também não é fácil baixar o custo da construção, porque cerca de 30% deste custo é mão de obra e boa parte tem salários mais baixos, que são pressionados pelas subidas do salário mínimo muito acima do crescimento da produtividade do país e até mesmo acima da inflação. Depois, naquilo que tem que ver com a tecnologia da construção, há aqui um passo grande a dar na industrialização, da melhoria da produtividade do setor. E há ainda a questão dos licenciamentos, porque não podemos ficar anos à espera de licença.
Não há uma medida que resolva o problema. A questão requer uma abordagem holística numa série de dimensões, nomeadamente que incida sobre a questão dos custos (licenciamentos, terrenos, fiscalidade e construção), para que, de facto, nós possamos ter casas mais baratas e que os portugueses possam comprar.
Considera que ainda há possibilidade de baixar o IVA na construção para 6%?
No que diz respeito à descida do IVA na construção, aquilo que me parece é que é um problema, acima de tudo político. Um Governo em minoria, não creio que tenha a capacidade de o fazer.
"É preciso ter transportes para aceder a novas urbanidades e é preciso construção em altura".
Como avalia as alternativas à criação de oferta de habitação que têm surgido (a lei dos solos, à reconversão de lojas em casas, cooperativas de habitação, construção industrializada…)? Qual será o seu impacto no parque de habitação português no curto e médio prazo?
Todas estas medidas vão ajudar à tal abordagem sistémica e holística que é preciso fazer para, de facto, permitir aos portugueses maior capacidade de adquirir habitação, seja a questão dos transportes, a industrialização, os licenciamentos, seja a questão dos solos. Outra questão que é muito falada - e que historicamente nunca podemos agir, em boa parte, por causa do aeroporto de Lisboa -, é a construção em altura. Em Lisboa não há arranha céus a perder de vista, como em São Paulo ou em Tóquio. Não faltam espaços para construir. Agora, é preciso ter transportes para aceder a essas novas urbanidades e é preciso construção em altura. E tudo isso obviamente é importante para ter mais oferta, preços mais baixos e maior capacidade de poder de compra.
Como é que se pode reanimar o mercado de arrendamento em Portugal? Como está o build to rent?
Não existe build to rent em Portugal. Ninguém constrói para arrendar em Portugal, apesar de as rendas estarem a subir e haver falta de oferta. Isto acontece porque o ambiente económico não permite, porque se permitisse, toda a gente queria ganhar dinheiro com o seu património. De facto, há muitas casas devolutas e as pessoas não as colocam para arrendar – o que, em parte, pode ser explicado pelos problemas nas heranças indivisas. Mas a grande maioria são pessoas não tem confiança no mercado de arrendamento.
Quem investiu numa casa para arrendar em 2019 com financiamento bancário acabou por ver um travão ao aumento das rendas de 2% quatro anos depois, o qual foi imposto pelo Governo, que desrespeitou a lei e pôs-se a fazer política social com o dinheiro dos senhorios (que também tiveram de enfrentar o aumento dos juros no crédito habitação). Em Portugal, só 13% das famílias com segundas habitações é que as colocam no mercado de arrendamento (enquanto na União Europeia são 43%). Isto é um profundo sinal de desconfiança dos portugueses no arrendamento e na sua capacidade de proteger o investimento.
Portanto, deveria haver um ambiente económico mais propício a que haja mais pessoas a querer arrendar casa. Os impostos que incidem sobre os rendimentos prediais baixaram de 28% para 25%, o que pode incentivar a colocação de mais casas para arrendar no curto prazo. Mas não podemos pensar apenas em políticas de curto prazo. Temos de pensar em políticas de longo prazo, porque o longo prazo de hoje e o curto prazo de amanhã. E se estamos constantemente a adiar as políticas de longo prazo, nunca vamos a lado nenhum. Temos de expandir as redes de transporte; temos que de aumentar a quantidade de solo disponível; temos de conseguir tornar mais atrativo todo o ambiente económico à volta da construção e do arrendamento, para pôr mais casas no mercado de forma sustentada. Assim, havendo mais oferta, haverá preços mais baixos.
"O AL está longe de ser o problema da habitação mesmo em Lisboa. E se sairmos do centro histórico, não tem expressão nenhuma"
Quanto ao tema do Alojamento Local, como vê as mudanças que estão a ser introduzidas? Qual será o impacto na habitação em Portugal?
O Alojamento Local (AL) - e não só - teve um grande impacto na reabilitação do centro histórico de Lisboa. Um estudo recente concluiu que o impacto do AL nos preços da habitação nas freguesias centrais de Lisboa é de 9 euros em cada 100 euros de aumento. Ou seja, o AL está longe de ser o problema da habitação mesmo em Lisboa. E se sairmos do centro histórico, não tem expressão nenhuma. Por isso, não podemos demonizar o AL, porque é o rendimento de muitas famílias que investiram as suas poupanças e exploram essa atividade, que traz turistas e fomenta o comércio local.
Esta gestão do território devia ser naturalmente uma competência dos municípios, porque são eles que melhor conhecem os seus territórios. Por exemplo, no centro histórico de Lisboa pode haver esta discussão. Mas no interior do país, não deverá haver um único autarca a querer limitar o AL, reduzindo o rendimento dos seus munícipes, bem como o número de turistas.
O que esperar da habitação em 2025 em termos de procura, oferta e preços?
Aquilo que me parece é que os preços vão continuar a aumentar. Por um lado, é preciso ter consciência de que os custos da mão de obra têm um impacto grande naquilo que é o custo da construção. E, como tal, é preciso desenhar políticas para acomodar estes custos, caso contrário, estes preços vão continuar a aumentar.
Por outro lado, o conjunto de medidas que têm sido tomadas e que têm tido mais adesão (como a isenção do IMT para jovens), são estímulos à procura. Se as medidas da oferta não forem bem sucedidas, o problema vai agravar-se, tornando a habitação mais acessível para um conjunto de pessoas, mas vai ficar muito mais inacessível para todas as outras classes que não foram abrangidas por esta medida. Por isso, estou um pouco pessimista relativamente à dinâmica dos preços da habitação. Agora, também depende do clima económico e como a economia se vai desenvolver. Se por acaso entrarmos numa nova fase de abrandamento económico, naturalmente os preços também podem moderar.
"Há muita gente a olhar para o mercado imobiliário como uma fonte mais segura de investimento".
As políticas de Trump e os vários focos de guerra, como na Ucrânia ou Meio Oriente, podem ter impacto no imobiliário europeu e português este ano? De que forma?
Estes problemas trazem incerteza e a incerteza traz volatilidade. Com a volatilidade, as pessoas tentam procurar investimentos mais seguros. Dentro de um conjunto de bens de investimento, a habitação até nem é daqueles que apresenta maior risco, por isso há muita gente a olhar para o mercado imobiliário como uma fonte mais segura de investimento. Por outro lado, também há a questão da deslocalização. Se tivermos uma guerra em larga escala no Médio Oriente, podemos ter fenómenos de refugiados de migração mais acentuados para a Europa, que precisam de casa.
Não estou muito preocupado sobre como a política de Trump afetará comércio na Europa. Mas obviamente que o clima de grande volatilidade internacional pode levar também a uma volatilidade nos fluxos de investimento e na confiança que as pessoas têm em gastar o seu dinheiro e, com isso, levar a alguma instabilidade num setor que precisa de estabilidade para construir e aumentar a oferta.
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