"País precisa de casas, mas também de boas decisões”, diz ao idealista/news o arquiteto Gonçalo Nobre da Veiga, fundador da SPEISSE.
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Gonçalo Nobre da Veiga
Projeto Surf Living na Ericeira | Gonçalo Nobre da Veiga Créditos: SPEISSE

“É preciso equilíbrio: estimular a construção sem comprometer a qualidade”. Para o arquiteto Gonçalo Nobre da Veiga, que fundou a empresa de engenharia e construção especializada em reabilitação e construção sustentável SPEISSE em 2017 – juntamente com o engenheiro civil Miguel Ferreira –, o setor da construção e do imobiliário em Portugal necessita de “medidas consistentes, que não mudem a cada ciclo político”. “É essencial descomplicar os processos, tornar os licenciamentos mais rápidos e objetivos, e criar incentivos reais para quem quer construir com qualidade”, diz ao idealista/news, deixando um aviso: “O país precisa de casas, mas também de boas decisões”.

Nesta entrevista, Gonçalo Nobre da Veiga leva-nos numa viagem ao passado recente da arquitetura em Portugal, passando nomeadamente pelo impacto de um fenómeno inesperado chamado pandemia. Coloca também o dedo em feridas antigas, salientando que apesar dos padrões arquitetónicos no país terem “um nível altíssimo”, ainda há, “internamente, muito por fazer”. 

“Há uma distância grande entre o projeto e a obra, muitas vezes por culpa dos próprios arquitetos que não defendem a profissão. Muitas vezes, o arquiteto é visto apenas como o ‘autor do desenho’, quando devia ser parte ativa em todo o processo. É crucial reposicionar o arquiteto como figura central na execução – alguém que acompanha, que resolve, que está presente”, desabafa.

Sobre a SPEISSE, revela que nasceu da “junção complementar entre dois mundos que, na verdade, deviam trabalhar sempre em conjunto”, a arquitetura e a engenharia civil. “Percebemos que havia um espaço por preencher: alguém que falasse as duas línguas”, explica.

Construção e reabilitação de casas
Gonçalo Nobre da Veiga, fundador da SPEISSE Créditos: SPEISSE

Disse-nos, em 2020, em plena pandemia, que a fase que se vivia era uma “oportunidade de reinvenção da atividade” da arquitetura. “Existem muitas lições a retirar de uma crise como esta e entre elas está a de perceber como pode ser possível dar resposta ao mercado, clientes e projetos com igual qualidade e eficiência”, referia, na altura. E agora o que mudou? Que ilações é possível retirar?

Cinco anos depois, a palavra-chave continua a ser reinvenção – mas agora com mais maturidade. A pandemia obrigou-nos a parar e repensar tudo: processos, prioridades, relações com clientes. Hoje, percebemos que a exigência do mercado aumentou, mas também a nossa capacidade de resposta. Tornámo-nos mais ágeis, mais estruturados e mais atentos ao detalhe.

A grande lição que levamos é que é possível crescer sem perder a proximidade, e inovar sem complicar. E isso moldou muito daquilo que a SPEISSE é hoje.

“A SPEISSE é fruto da visão de um empreendedor que se juntou ao pragmatismo de um construtor”, lê-se no site da empresa. Conte-nos mais detalhes desta aliança entre dois mundos...

A SPEISSE nasce dessa junção complementar entre dois mundos que, na verdade, deviam trabalhar sempre em conjunto. Eu, vindo da arquitetura, sentia muitas vezes que aquilo que era projetado com intenção e detalhe se perdia na obra. O Miguel, vindo da engenharia e construção, via o outro lado – projetos bem pensados, mas pouco preparados para a realidade do estaleiro.

Percebemos que havia um espaço por preencher: alguém que falasse as duas línguas. E foi isso que construímos. Uma estrutura que junta visão e execução, criatividade e pragmatismo. Onde cada projeto é pensado com liberdade, mas sempre com os pés bem assentes na realidade da obra.

Fale-nos um pouco sobre a SPEISSE. O porquê da escolha do nome e quando, como e porquê nasceu a empresa? E que balanço de atividade é possível fazer? Trata-se de uma empresa de engenharia e construção especializada em reabilitação e construção sustentável, certo? 

A SPEISSE nasce em 2017, num momento em que sentimos que o mercado precisava de uma abordagem diferente – mais integrada, mais próxima e mais responsável. Criámos a empresa com um objetivo simples: fazer bem. E fazer bem, para nós, é fazer com rigor, com clareza e com compromisso desde o primeiro esboço até ao último detalhe da obra.

O nome SPEISSE vem da palavra “space”, mas foi reinventado – tal como reinventámos a nossa forma de trabalhar e reinventamos os espaços que tocamos. Queríamos um nome que fosse forte, internacional e que refletisse esta ideia de transformação, porque no fundo é isso que fazemos: transformamos espaços e a experiência de quem constrói connosco.

(...) Fazer bem, para nós, é fazer com rigor, com clareza e com compromisso desde o primeiro esboço até ao último detalhe da obra. (...) Transformamos espaços e a experiência de quem constrói connosco. (...) Pegamos na complexidade de um projeto e tornamo-la exequível, sem perder o detalhe, o cuidado e a identidade"

Somos uma empresa de construção e reabilitação, sim, mas mais do que isso: somos um estúdio de execução. Trabalhamos com equipas multidisciplinares, em projetos que vão da habitação à hotelaria, da restauração a espaços comerciais. O que fazemos em concreto? Pegamos na complexidade de um projeto e tornamo-la exequível, sem perder o detalhe, o cuidado e a identidade.

Surf Living na Ericeira
Projeto Surf Living, na Ericeira Créditos: SPEISSE

A empresa tem escritórios em Portugal e Angola, certo? Está prevista a expansão para outras geografias? 

A SPEISSE teve a sua génese em Angola num momento de grande atividade no país e no rescaldo da crise mundial que também afetou Portugal e travou a construção a fundo. Mais tarde abriu em Portugal, tendo mantido o grosso da sua atividade na região da Grande Lisboa. Recentemente abrimos um novo polo na zona da Comporta, onde criámos condições locais para dar resposta àquele mercado. Temos sido abordados para nos aventurarmos para outras regiões, tanto em Portugal como no estrangeiro, mas o ritmo de crescimento nas nossas áreas de atuação tem sido muito grande e é preciso saber avançar com solidez e não dar passos maiores que a perna.

A empresa realizou recentemente um ‘rebranding’ estratégico, tendo agora uma nova identidade visual que marca “uma nova fase de crescimento e inovação”, refere em comunicado. Que fase é esta? Em que consistiu a “mudança”?

Esta nova fase reflete quem já somos há algum tempo, mas que ainda não estava espelhado na nossa imagem. Crescemos, ganhámos estrutura, afinámos processos e sentíamos que a marca precisava de acompanhar essa evolução.

O ‘rebranding’ não foi apenas estético – foi estratégico. Redefinimos a forma como comunicamos, como nos posicionamos e como queremos ser percebidos. A SPEISSE de hoje é mais madura, mais clara e mais preparada para continuar a crescer com consistência. Esta mudança foi uma espécie de alinhamento entre o que fazemos, o que somos e o que mostramos ao mercado.

Sustentabilidade, eficiência energética, descarbonização, construção industrializada, tecnologia BIM. Há muita coisa a mudar – e ao mesmo tempo – no setor da construção, certo? Como dar resposta a todas estas necessidades/exigências?

É verdade, está tudo a mudar – e depressa. Mas nem tudo pode ser feito ao mesmo tempo, nem por uma só empresa. O que fazemos é sermos muito claros na forma como integramos estas exigências nos nossos projetos: com critério, com foco e com os parceiros certos.

Trabalhamos com especialistas em cada uma destas áreas e sabemos quando os envolver. Não tentamos ser tudo, tentamos ser ponte. Porque no fim do dia o que importa é entregar obras bem feitas, com decisões conscientes e com visão de futuro. E isso só acontece quando há colaboração e quando se sabe escutar quem sabe mais do que nós em determinadas frentes.

Projetos imobiliários na Ericeira
Projeto Surf Living, na Ericeira Créditos: SPEISSE

Quem são os clientes-tipo da SPEISSE? São sobretudo de que segmentos: residencial, escritórios, logística, etc? 

Os nossos clientes são, acima de tudo, pessoas e marcas que valorizam qualidade, transparência e compromisso. Trabalhamos com clientes exigentes, que não procuram apenas um empreiteiro, procuram um parceiro.

Atuamos sobretudo nos segmentos residencial, hotelaria, restauração e espaços comerciais. Entre os projetos mais emblemáticos destacamos a construção de raiz das casas Surf Living na Ericeira, os escritórios da Better Collective, as constantes remodelações de apartamentos, ou intervenções em restaurantes e hotéis como o The Vintage Hotel & SPA, The Lumiares e o restaurante BouBou’s. Cada projeto tem a sua escala e identidade, mas todos pedem o mesmo: rigor na execução e atenção ao detalhe.

O setor imobiliário e da construção vive momentos atribulados e é unânime entre os vários players que há necessidade de construir mais casas, de forma a dar resposta à enorme procura. Paralelamente, o país vai de novo a eleições. O que espera do próximo Governo, no que diz respeito a medidas relacionadas com o setor do imobiliário e da construção?

Não querendo ser demasiado político, acho que o que o país espera dos Governos é clareza, estabilidade, visão a longo prazo e a coragem de tomar decisões. O setor precisa de medidas consistentes, que não mudem a cada ciclo político. É essencial descomplicar os processos, tornar os licenciamentos mais rápidos e objetivos, e criar incentivos reais para quem quer construir com qualidade.

"O que o país espera dos Governos é clareza, estabilidade, visão a longo prazo e a coragem de tomar decisões. O setor precisa de medidas consistentes, que não mudem a cada ciclo político. É essencial descomplicar os processos, tornar os licenciamentos mais rápidos e objetivos, e criar incentivos reais para quem quer construir com qualidade"

O Governo tem um papel central: não só no estímulo à construção de habitação acessível, mas também na criação de condições para que isso aconteça com critério, com responsabilidade, e sem sacrificar a qualidade da arquitetura e da engenharia. O país precisa de casas, sim, mas também precisa de boas decisões. Um dos temas que tem sido bastante abordado é a descida do IVA, que seria uma forma que nos parece acertada de baixar o custo global da construção.

Como analisa a crise na habitação na qual se encontra Portugal e que medidas são cruciais, a seu ver, para aumentar a oferta de casas à venda ou para arrendar?

A crise da habitação é real e tem várias camadas. Há falta de oferta, há morosidade nos processos e há uma enorme distância entre aquilo que o mercado precisa e o que efetivamente se consegue construir. Mas apesar de termos investidores nacionais e estrangeiros a querer investir, há muita resistência e uma grande dificuldade de implementar projetos.

Para mudar este cenário, é essencial simplificar os licenciamentos, reduzir a carga burocrática e acelerar a tomada de decisão por parte das entidades públicas. Também seria importante rever questões fiscais – como o IVA na construção, que é parte muito relevante dos elevados custos da habitação –, que continuam a ser um entrave. Mas acima de tudo é preciso criar confiança. Confiança para quem quer investir, construir e habitar, para se poder aumentar o ‘pipeline’ de habitação, o que por sua vez também ajudaria a baixar custos.

Projetos imobiliários em Lisboa
Projeto residencial na Avenida Infante Santo, em Lisboa Créditos: SPEISSE

Lei dos solos, simplex urbanístico, redução do IVA na construção… Foram assuntos muito debatidos nos últimos tempos, em prol da construção de mais casas e do aumento da oferta, mas são também temas polémicos. Sendo arquiteto de formação, e o Miguel Ferreira engenheiro, o que tem a dizer (de forma sucinta) sobre cada uma destas iniciativas?

Todas estas iniciativas apontam na direção certa, mas o diabo está nos detalhes. A lei dos solos precisa de ser clarificada para evitar interpretações contraditórias que atrasam processos. O simplex urbanístico é promissor, mas só irá funcionar a 100% com o complemento da nova legislação sobre a construção e se for acompanhado por reforço técnico nas autarquias – caso contrário, cria mais problemas do que resolve. E a redução do IVA pode, de facto, ser um estímulo importante para destravar projetos, especialmente na habitação. Mas é preciso equilíbrio: estimular a construção sem comprometer a qualidade.

Qual é o estado da nação da arquitetura? O que há ainda a fazer e o que é crucial mudar? Porquê?

A arquitetura em Portugal tem um nível altíssimo: temos escolas de referência, profissionais talentosos e uma identidade própria que é reconhecida lá fora. Mas internamente ainda há muito por fazer.

"A arquitetura em Portugal tem um nível altíssimo: temos escolas de referência, profissionais talentosos e uma identidade própria que é reconhecida lá fora. Mas internamente ainda há muito por fazer. (...) É crucial reposicionar o arquiteto como figura central na execução – alguém que acompanha, que resolve, que está presente"

Há uma distância grande entre o projeto e a obra, muitas vezes por culpa dos próprios arquitetos que não defendem a profissão. Muitas vezes, o arquiteto é visto apenas como o “autor do desenho”, quando devia ser parte ativa em todo o processo. É crucial reposicionar o arquiteto como figura central na execução – alguém que acompanha, que resolve, que está presente. E entender que o projeto não é apenas um desenho simples para entregar na Câmara Municipal, mas uma ferramenta de trabalho muito importante na definição do que irá ser construído. Só assim conseguimos garantir que a qualidade do projeto chega, de facto, ao resultado final.

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