BCE deverá cortar juros a maior ritmo que a Fed dos EUA até 2025. Explicamos como impacta habitação e economia nacionais.
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Juros do BCE a descer
Donald Trump, novo presidente dos EUA; Christine Lagarde, presidente do BCE Getty images | Freepik

A fraca economia europeia e os sinais de estabilização da inflação são dois pontos que já estão a pressionar o Banco Central Europeu (BCE) a prosseguir com novos cortes nas taxas de juro diretoras (e de maior dimensão). E há também fatores externos que fazem pressão neste sentido, como a vitória de Donald Trump à presidência dos EUA, que já está a mexer nas taxas de câmbio e nas bolsas internacionais. É neste contexto que vários especialistas antecipam que o BCE vai reduzir as taxas a maior ritmo do que o banco central dos EUA, o que deverá levar a uma descida nas taxas Euribor até 2% no próximo ano, aliviando ainda mais as prestações da casa das famílias em Portugal e na Europa. Descobre neste artigo preparado pelo idealista/news como tudo isto toca a habitação e o imobiliário no nosso país.

É no próximo dia 12 de dezembro que os membros do Conselho do BCE se vão voltar a reunir para tomar mais uma decisão sobre a sua política monetária. Depois de reduzirem as taxas diretoras da zona euro em 75 pontos base desde junho fixando-as abaixo de 3,7% em outubro, o regulador liderado por Christine Largarde está agora pressionado para avançar com um novo corte dos juros no último encontro de 2024. Em cima da mesa, estão duas possibilidades para o guardião da moeda única: ou corta os juros em 25 pontos base (à semelhança do que fez nas últimas reuniões), ou avança com um corte das taxas mais agressivo de 50 pontos, uma hipótese atualmente acolhida por vários analistas de mercado.

Há um conjunto de fatores que estão a pressionar o banco central a avançar com um corte “jumbo” das taxas de juro em dezembro. Desde logo, a economia europeia continua frágil – com o PIB a crescer apenas 0,3% no terceiro trimestre de 2024 -, estando a registar uma contração no setor da indústria transformadora (especialmente na Alemanha), mas também no setor dos serviços.

A este ponto acrescem os efeitos de contágio no mercado europeu derivados da vitória de Donald Trump às eleições presidenciais dos EUA, no passado dia 5 de novembro. Desde então, o euro perdeu mais de 5% do seu valor face ao dólar, o que fixou a taxa de câmbio no nível mais baixo dos últimos 2 anos. Só esta quinta-feira, dia 27 de novembro, é que o euro valorizou, voltando a negociar  acima de 1,05 dólares, depois de a inflação nos EUA ter acelerado em outubro para 2,3%, mais duas décimas do que em setembro.

“A descida das taxas de juro do BCE tem uma forte correlação com os fatores económicos e geopolíticos", Miguel Cabrita, responsável pelo idealista/créditohabitação em Portugal

Além disso, as bolsas europeias estão em terreno negativo numa altura em que o mercado absorve as novidades da política protecionista do presidente dos Estados Unidos e aguardam de ali também por novos dados económicos, que podem influenciar as decisões da Reserva Federal dos EUA (Fed). A moeda única a perder valor e o baixo desempenho dos mercados financeiros podem provocar uma fuga de capital da zona euro para destinos mais rentáveis e seguros, como o norte-americano.

Por outro lado, a inflação na zona euro está a dar sinais de estabilização nos últimos meses – em outubro fixou-se mesmo em 2% (o objetivo do BCE), depois de ter caído para 1,7% no mês anterior. Estas são boas notícias, embora o regulador europeu continue a assumir que este indicador económico determinante para a política monetária ainda não está controlado. Philip Lane, economista-chefe do BCE, assume que o processo desinflacionista na zona euro “tem sido gerido razoavelmente bem”, havendo hoje “menos preocupações” com a taxa face há um ano. “Mas esta luta ainda não terminou, porque precisamos de ver a inflação dos serviços cair”, avisou em entrevista ao jornal francês Les Echos. O desafio agora passa por manter a inflação estável nos 2% e que não fique abaixo desta meta (como aconteceu no mês passado).

“A descida das taxas de juro do BCE tem uma forte correlação com os fatores económicos e geopolíticos", pelo que para estimular a economia europeia é preciso reduzir estas taxas, explica Miguel Cabrita, responsável pelo idealista/créditohabitação em Portugal.

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Quanto vão descer os juros do BCE em dezembro? 

A economia europeia necessita, portanto, de novos estímulos ao consumo e investimento, para recuperar e tornar-se mais forte. E é preciso também atenuar os efeitos da vitória de Trump no mercado de capitais europeu. É por isso que vários analistas antecipam que o BCE deverá avançar com um corte dos juros mais agressivo no próximo mês, na ordem dos 50 pontos base, o que colocaria a taxa dos depósitos – a principal referência – nos 2,75% no final de 2024.

O próprio economista-chefe do BCE assume que “a política monetária não deve permanecer demasiado restritiva por muito tempo. Caso contrário, a economia não crescerá o suficiente e a inflação cairá abaixo da meta" (de 2%). Na mesma linha que Philip Lane, o governador do Banco de Portugal (BdP), Mário Centeno, tem defendido que o regulador europeu tem margem para reduzir mais as taxas de juro: “Não precisamos de nos restringir a uma métrica de descer apenas de 25 em 25 pontos base”, tal como disse no final de outubro em entrevista à Bloomberg.

Assim, a queda acentuada da economia na zona euro está a aumentar as probabilidades de haver uma redução de 50 pontos na próxima reunião do BCE, segundo dizem os analistas ouvidos pelo Financial Times. A mesma hipótese é defendida pelo JPMorgan Private Bank, tendo em conta que os dados económicos “colocam em cima da mesa um corte de 50 pontos base para dezembro, uma vez que “é difícil oferecer um argumento positivo para o otimismo sobre o crescimento europeu neste momento”. 

"Uma economia fraca na zona euro e um contexto de inflação menos preocupante não deixam dúvidas de que o BCE continuará a reduzir as taxas de juro”, Ebury Portugal

Mas há também quem antecipe que os juros do BCE vão descer menos, na ordem dos 25 pontos base no próximo mês, ficando a taxa dos depósitos nos 3%. Isto porque consideram que a tímida recuperação da inflação em outubro e a escalada dos salários na zona euro (que registou no terceiro trimestre o seu maior aumento em três décadas) são fatores que poderão levar o BCE a não aplicar um corte de mair dimensão nas suas taxas de juro.

Esta é uma hipótese defendida por Cyrus de la Rubia, economista-chefe do Hamburg Commercial Bank, que estima que a maioria dos membros do BCE "provavelmente manterá um corte de 25 pontos base nas taxas de juro". O mesmo diz Paolo Grignani, economista sénior da Oxford Economics, prevendo um corte de 25 pontos na reunião de dezembro, porque “a fasquia continua alta para um corte de 50 pontos base nas taxas”.

Os analistas da Ebury Portugal admitem que os mercados antecipavam um corte dos juros do BCE em 50 pontos base em dezembro, mas que, entretanto, “os mercados tornaram-se mais céticos quanto a essa possibilidade”. Por isso, os mesmos especialistas falam agora um corte de 25 pontos base em dezembro e uma nova flexibilização da política em 2025. “Dadas as suas ameaças tarifárias, Trump é uma preocupação para os decisores políticos em Frankfurt, mas duvidamos que a sua eleição tenha um impacto significativo na trajetória das taxas de juro a curto prazo na zona euro”, comentam ainda em declarações ao idealista/news.

BCE desce juros em 2024
Christine Lagarde, presidente do BCE Getty images

Juros do BCE deverão descer a maior ritmo que taxas nos EUA em 2025

Tudo indica que o BCE vai voltar a reduzir os juros na reunião de dezembro, embora haja dúvidas quanto à dimensão do novo corte. O que também é esperado é que o regulador europeu continue a aliviar a sua política monetária no próximo ano, fazendo-o a um ritmo mais acelerado do que a Fed dos EUA.

“Caso o controlo da inflação se mantenha, perspetiva-se a continuação do ciclo de descida das taxas de política monetária e do processo de normalização do balanço dos bancos centrais das maiores economias avançadas”, nomeadamente na área euro e nos EUA, revela o BdP no Relatório de Estabilidade Financeira de novembro. Mas alerta que “permanecem riscos quanto à evolução da inflação num contexto de possíveis políticas protecionistas e de expansão fiscal norte-americanas ou de materialização de outros riscos geopolíticos que poderão colocar em causa a magnitude do ciclo previsto de menor restritividade da política monetária”.

No caso dos EUA, os membros do Comité Federal da Fed mostram-se favoráveis a ajustes "graduais" nas futuras decisões sobre a taxa de juro de referência da instituição, dado a redução de riscos para inflação, aumento dos riscos no mercado de trabalho e ligeiro abrandamento do crescimento económico (para 2,8% entre julho e setembro). Depois da Fed ter voltado a reduzir a taxa de referência para o intervalo entre 4,5%–4,75% a 7 de novembro (depois da vitória de Trump), os analistas acreditam que haverá um novo corte dos juros na ordem dos 25 pontos no próximo encontro marcado para 18 de dezembro.

Caso a Fed corte os juros em dezembro, os analistas reconhecem que poderá haver uma pausa no alívio da política monetária dos EUA no início de 2025 (a 29 de janeiro e 19 de março), com uma nova redução só em maio. Isto porque as primeiras reuniões da Fed vão seguir-se à tomada de posse de Trump, devendo haver um período de ajustamento, muito embora o novo presidente dos EUA possa fazer pressão para baixar os juros de forma a dinamizar o mercado acionista. Ainda assim, Jerome Powell, presidente da Reserva Federal, já avisou que “a economia não está a dar sinais de que precisemos de andar depressa na descida de juros”, pelo que deverá resistir à eventual pressão política.

É neste palco internacional que vários analistas (como o banco suíço UBS) apontam que o BCE vai descer os juros a um ritmo mais rápido do que a Fed nos EUA no próximo ano. Em concreto, estima-se que as taxas do BCE deverão reduzir-se para 2% até ao final de 2025, prevendo-se um corte de 100 pontos base face ao nível atual – e este pode ser o terminal do atual ciclo de alívio da política monetária europeia. Para os EUA, admitem-se cortes de 100 pontos base pela Fed, colocando os juros em 4% no final do próximo ano.

Estas projeções dos juros da Fed para níveis ainda elevados para o final de 2025 é justificada não só pela pausa no alívio da política monetária no início do ano, mas também pela hipótese de haver um aumento da inflação nos EUA com a aplicação de várias medidas anunciadas por Trump. É o caso das tarifas implementadas sobre produtos importados da China, México e Canadá, das deportações de imigrantes que têm impacto nos custos do trabalho, as borlas fiscais que aumentam o défice orçamental e ainda a política industrial apoiada. 

Se no final de 2025 se verificar que há uma diferença dos juros de referência entre o BCE e a Fed de 200 pontos base, como agora se antecipa, haverá consequências ao nível dos negócios internacionais, uma vez que poderá acentuar a desvalorização do euro face ao dólar, tornando as importações mais caras para a Europa. Mas, por outro lado, a descida dos juros do BCE, apesar de penalizar a remuneração da poupança, trará um grande alívio a quem está a pagar créditos habitação ou outros empréstimos, e ainda incentiva o investimento imobiliário por via do financiamento bancário, além de atrair mais compradores e exportadores para a Europa por ficar mais “barata”.

Juros nos EUA
Donald Trump, novo presidente dos EUA Getty images

Descida dos juros do BCE com impacto no crédito habitação e imobiliário em Portugal

As expectativas de descida dos juros do BCE até ao final do próximo ano são bem-vindas para o mercado residencial e para o imobiliário em geral. Isto porque não só reduz os custos de crédito habitação, aliviando a taxa de esforço das famílias e estimulando a compra de casa, como também favorece a construção de mais casas perante o financiamento bancário mais acessível a investidores e promotores imobiliários.

Com as descidas da Euribor mês após mês (e a oferta de taxas mistas mais baratas), já se observa em Portugal um novo dinamismo da contratação de crédito habitação, um movimento também influenciado por medidas recentes, como a isenção do IMT e Imposto de Selo na compra da primeira casa por jovens até aos 35 anos. “A descida das taxas de juro recoloca várias famílias na possibilidade de acesso a crédito habitação e consequentemente aquisição de imóvel”, assume Miguel Cabrita.

Ao que tudo indica, as taxas Euribor vão continuar a cair e a pressionar os bancos a rever as suas ofertas de crédito da casa, hoje muito focadas na taxa mista, tal como avisam vários especialistas ouvidos pelo idealista/news. Segundo as previsões do BdP, as taxas Euribor deverão descer para todos os prazos para cerca de 2% até ao final de 2025, uma tendência que “vai continuar a refletir-se numa redução das prestações nos contratos de crédito à habitação indexados à Euribor a todos os prazos”. 

Conjugada esta descida da Euribor com o “esperado aumento do rendimento” e a resiliência do mercado de trabalho, o supervisor bancário admite que haverá “uma melhoria na capacidade de serviço de dívida” e “contenção do incumprimento das famílias”. “Esta trajetória de redução beneficiará também os devedores com empréstimos a taxa mista (novos, transferidos ou renegociados) dado que a fixação da taxa de juro ocorreu por períodos relativamente curtos, tipicamente até 2 anos”, acrescenta ainda o BdP no relatório, onde se projeta, contudo, que haverá um “ligeiro aumento” das taxas Euribor em 2026 e 2027.

Além disso, esta alívio da política monetária europeia também deverá estimular o imobiliário e a construção, uma vez que as empresas nestes setores poderão aceder a financiamentos bancários mais acessíveis e poderá ainda a haver mais investidores a procurar rentabilidades estáveis em imóveis. É neste contexto que os indicadores de confiança aumentaram na Construção e Obras Públicas entre setembro e novembro, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística.

“As perspetivas para investimentos imobiliários residenciais e comerciais são promissoras”, refere o outlook para 2025 da UBS, indicando que “com uma oferta limitada e uma procura crescente, há oportunidades em setores como a logística, data centers e moradias multifamiliares.”

Nos últimos meses, já se tem sentido um “aumento na construção residencial” no nosso país, tal como notou a Comissão Europeia num parecer sobre o Orçamento do Estado para 2025 (OE2025) e do novo plano orçamental de médio prazo. Mas logo assinalou que a “oferta habitacional ainda é insuficiente” para fazer face à procura, um desequilíbrio que continua a aumentar os preços das casas a elevado ritmo. Além disso, Bruxelas avisou que mercado imobiliário em Portugal é “vulnerável a flutuações económicas que podem impactar os preços”, nomeadamente a variações das taxas de juro e mudanças no emprego, embora considere que os bancos que operam no nosso país estão “bem posicionados para absorver potenciais descidas nos preços do imobiliário”.

Comprar casa em Portugal
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Riscos geopolíticos estão na mira do BCE e do BdP

Além dos indicadores económicos e as pressões vindas dos EUA, o BCE também tem outros fatores debaixo de olho, como a escalada da guerra na Ucrânia, o conflito no Médio Oriente e ainda as alterações climáticas, que podem aumentar os preços da energia e dos alimentos impactando a inflação em alta. 

Desde logo, Miguel Cabrita, do idealista/créditohabitação, admite que “incerteza provocada pelos cenários geopolíticos obriga a uma maior cautela por parte do BCE, dado que existe mais pressão por via da inflação”. Também os analistas da Ebury Portugal dizem que “o BCE reconhece que a situação geopolítica é uma das fontes de risco. Esta situação pode atenuar a atividade económica e fazer subir a inflação, complicando a tomada de decisões”. Mas especialistas dizem que se trata de "um fator secundário há algum tempo e é pouco provável que tenha um impacto demasiado significativo na tomada de decisões a curto prazo”.

Guerra na Ucrânia afeta inflação
Guerra na Ucrânia Getty images

Neste sentido, o banco suíço UBS alerta que os investidores têm de estar preparados para diversos cenários, perante as incertezas que persistem na economia global, particularmente numa altura em que se assiste ao escalar das tensões geopolíticas na Europa. Também o BdP alerta que “um abrandamento económico na Europa e na China, no quadro dos crescentes riscos geopolíticos e de políticas protecionistas, [que] colocará mais incerteza na condução da política económica e monetária”. E acrescenta que “a persistência e a possibilidade de agudização das tensões geopolíticas, a par de maiores tensões internacionais por via de aumentos de tarifas aduaneiras e políticas protecionistas, podem impactar o comércio internacional, originando pressões inflacionistas e afetar a atividade económica a nível internacional”.

E tudo isto pode impactar também a economia portuguesa. O supervisor bancário já avisou que “os conflitos militares em curso, um aumento do protecionismo global e um abrandamento nas principais economias do mundo podem condicionar a atividade económica nacional”, considerando mesmo que incerteza geopolítica é o principal risco para a estabilidade financeira do nosso país. A nível interno, o BdP diz que há riscos relacionados “uma política orçamental de orientação expansionista no quadro de um novo modelo de regras orçamentais europeias e [com] possíveis atrasos na implementação do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência]”.

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