Carga fiscal e custos da construção são dois travões ao investimento em habitação acessível, avisam líderes do setor imobiliário.
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Impostos pesam 40% nos custos da casa – como atrair investidores?
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O acesso à habitação é um direito fundamental. Mas é no imobiliário residencial onde incide a maior fatia de impostos. E é precisamente a carga fiscal sobre o setor que tem impedido que haja mais investimento privado em habitação acessível e em casas para a classe média. Este é um tema que gerou consenso entre os especialistas presentes na Conferência SIL Pro Powered by APPII, que decorreu na manhã desta sexta-feira, dia 8 de outubro de 2021. O que mudar no futuro para atrair os investidores?

Este não é um tema novo. Gilberto Jordan, CEO da Planbelas (André Jordan Group), disse mesmo que “há 30 anos que sofremos do mesmo mal: os impostos nunca diminuem, só aumentam”. E foram subindo de tal forma que segundo as contas de José Cardoso Botelho, CEO da Vanguard Properties, “40% do custo de uma casa são impostos”, tornando-se um “tema, de facto, preocupante”.

“Aquilo que pagamos de impostos é uma brutalidade”, resume, por outro lado, Miguel Cabrita Matias, board member da Mexto Property Investment. Mas porque é que isto acontece? Na visão de José Botelho, há uma explicação simples: “Quando se quer aumentar a receita do Estado, é mais fácil incidir no setor onde há maior volume de investimento”, disse. E também Manuel Reis Campos, presidente da Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário (CPCI) criticou o facto do Estado central só “olhar para o imobiliário unicamente como uma forma de ganhar dinheiro”.

Impostos na construção residencial
idealista/news
O facto de o IVA na construção não ser dedutível – como acontece, por exemplo, em Espanha -, é uma das críticas apontadas pelo CEO da Vanguard Properties ao nível fiscal. E depois há ainda a questão da duplicação de impostos, como é o caso do AIMI (Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis) que, na opinião de Ricardo Sousa, CEO da Century21 Ibéria, “deve ser repensado”, e na visão de Reis Campos teria ser mesmo “eliminado”.

Outro caso é ainda o do IMT (Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis) e do imposto do selo que, segundo Miguel Matias, é pago pelos promotores no momento da aquisição de terrenos e, depois, “estes impostos são novamente pagos pelo comprador”. A somar a estas questões, Gilberto Jordan lança ainda outro tema que considera que deve ser analisado: “Se a mais-valia é resultado da boa da gestão e de boas decisões, porque é que o Estado tem de taxar sobre ela?”

Porque é tão difícil construir e promover habitação acessível em Portugal?

Esta carga fiscal funciona como um travão na hora de investir em segmentos residenciais que têm elevada procura, como é o caso da habitação acessível. E este é outro ponto que gera consenso entre especialistas. Miguel Cabrita Matias, da Mexto afirmou que “se construir casas para a classe média é difícil, fazer habitação acessível é quase impossível”.

“Há uma falta de conexão entre o que o Governo acha que é acessível e o que realmente é”, apontou Nicolas Goffin, head of Portugal da Besix Red. E o CEO da Vanguard Properties vai mais longe explicando que “não é possível construir habitação acessível” em Portugal, dado que “o custo de construção é superior ao de venda”. Por este motivo, “pura e simplesmente não é possível, não é falta de vontade das promotoras”, acrescentou.

Para que os investidores privados apostem neste segmento há que criar incentivos. João Paula Santos, managing Partner da Solyd Property Developers, reforçou no evento que “se torna difícil, com os custos de estrutura que temos, dar habitação tão barata”. Mas há soluções no horizonte, como ter o IVA a 6%, desagravar o IMT para este tipo de soluções e enquadrar margens de lucro com os custos de construção mais controlados, apontou.

Impostos na construção residencial
FIL

Soluções à vista

A chave para o setor estará no equilíbrio fiscal. Gilberto Jordan defendeu na ocasião que “temos de fazer estudos e encontrar um ponto de equilíbrio na fiscalidade” para encontrar um “nível razoável” de impostos no residencial. E Ricardo Sousa defende que essa análise deve ser feita “de forma integrada e não isolada”.

E o primeiro passo já foi dado. Reis Campos sublinhou que a primeira reunião que juntou na mesma sala o Estado central e todas as associações e confederações do setor ocorreu em setembro de 2021 no âmbito de apresentação de propostas para o Orçamento de Estado de 2022 (OE2022). E nela foram apresentadas as 20 medidas para relançar a fileira do imobiliário e construção já no próximo ano. Entre elas, avança, estão:

  • Promoção do investimento privado através de linhas de crédito específicas;
  • Aplicação de taxa de IVA a 6% geral e não apenas a reabilitação urbana;
  • Incentivos a habitação acessível;
  • Maior celeridade dos procedimentos administrativos para fazer avançar os projetos;
  • Eliminar o AIMI, já que é uma “duplicação do imposto que potencialmente recai sobre todo os tipos de casas”;
  • Assegurar competitividade, através eliminando as restrições geográficas dos vistos gold;

Além disso, frisou a importância de haver estabilidade jurídica e fiscal para assegurar a confiança dos investidores internacionais. “2022 tem de ser o ano da economia portuguesa e o imobiliário tem um papel decisivo. Precisamos de políticas públicas que geram as condições necessárias para criar um tecido empresarial mais forte e competitivo”, rematou o presidente da CPCI.

Impostos na construção residencial
FIL

Competitividade do setor imobiliário em risco

Os impostos existem – e vão continuar a existir - e os custos de construção também. Mas ainda há players que conseguem contornar o sistema pondo em risco a competitividade do setor. Sobre este ponto, o CEO da Century21 Ibéria considera que “se há regras do jogo, temos de jogar todos com as mesmas regras para haver competitividade”. E neste campo de batalha, “os mediadores imobiliários têm um papel determinante para controlar e promover a transparência nas transações imobiliárias”, acrescentou.

“Hoje, a mediação imobiliária é regulada e está sob o olhar atento do Banco de Portugal (BdP). A mediação tem um papel determinante para a profissionalização do setor imobiliário residencial, já que temos de cumprir todos os requisitos legais”, continuou Ricardo Sousa.

E para que este legado da mediação continue a dar frutos, Paulo Caiado, presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP), considera que é “indispensável a formação na mediação imobiliária”. Neste sentido, a APEMIP vai lançar uma formação de acesso a mediação imobiliária. “Temos a expectativa que venha a ter uma boa adesão”, acrescentou.

A aposta na formação pode não ser a única via para profissionalizar a mediação. Francisco Bacelar, presidente da Associação dos Mediadores do Imobiliário de Portugal (ASMIP), acredita que é necessária uma legislação para regular a contratação de profissionais na mediação imobiliária. A proposta da ASMIP está sob análise do Executivo e se for aprovada vai “restringir o acesso à profissão”, mas irá promover a contratação de profissionais “mais capazes” e de “qualidade”.

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