
Dois anos após o início da pandemia, o mercado imobiliário continua vivo e de “boa saúde”, e as expectativas são de que 2022 venha a ser um ano de consolidação da recuperação transversal do setor em Portugal. O segmento residencial irá continuar a desempenhar um papel importante na economia, alavancado pelo crescente interesse dos investidores nacionais e estrangeiros, no país. Os especialistas antecipam um ano dinâmico e positivo, suportado, também, pela retoma económica mundial, mas com vários desafios pela frente.
Depois de ouvir os promotores, o idealista/news quis saber o que é que as principais consultoras imobiliárias a operar em Portugal esperam de 2022. Como antecipam a evolução dos preços das casas? Há risco de bolha imobiliária? E quais são os grandes desafios do setor? Portugal vai manter-se no radar do investimento? Quais são as áreas e oportunidades de crescimento? Adiantamos as principais tendências para este ano.
Comprar casa em 2022: os preços vão continuar a subir?
Comprar casa é, para a maioria das pessoas, a grande decisão de uma vida. Seja primeira ou segunda habitação, ou como alternativa de investimento. E há uma pergunta que, de há alguns anos para cá, se repete: os preços das casas vão continuar a subir? A resposta reúne unanimidade dos especialistas: o ritmo de crescimento dos preços de venda de habitação deve manter-se, uma vez que a procura continua a ser muito superior à oferta. Além disso, a escassez de mão de obra, o aumento dos custos dos materiais de construção e as ruturas na cadeia de abastecimento, a par da persistente demora nos processos de licenciamento urbanísticos, poderão atrasar as obras e sustentar a continuação da subida dos preços das casas.
Cristina Arouca, diretora de research da CBRE Portugal, relembra que o mercado residencial atingiu um recorde em 2021, estimando-se à data que tenham sido vendidas aproximadamente 200 mil casas, mais 16% que no ano anterior e 10% acima de 2019. A responsável acredita que o número de casas vendidas vai continuar a aumentar em 2022, “pois não só se verificou um aumento nos licenciamentos em 2021 (com um acréscimo superior a 10% face a 2020) como ainda há uma elevada procura de imóveis não satisfeita em todo o país”. A CBRE prevê um acréscimo de vendas na ordem dos 10%, a aproximar-se dos níveis do início do século.

“Os preços das casas vão continuar a crescer, sobretudo em zonas de maior procura e nas quais existe maior escassez de produto capaz de satisfazer as exigências de qualidade de um novo perfil de clientes que é cada vez mais frequente no mercado nacional”, explica David Moura-George, diretor geral da Athena Advisers em Portugal. Mas que novo perfil é esse? O responsável aponta, por exemplo, “uma vaga de clientes norte-americanos com budgets a que o mercado não estava habituado, normalmente entre os 3 a 6 milhões de euros, e com requisitos a nível de qualidade e de layout das casas que também não estávamos habituados”.
Ricardo Garcia, residential director da Savills Portugal, confirma que os preços tenderão a subir, “mas de uma forma marginal”. A procura irá continuar a ser grande, diz, “principalmente na gama média-alta”, resultado do crescente interesse pelo nosso país e do aumento da cultura de ‘working from home’. “O nosso país beneficiará desta tendência, sendo uma trend para segunda habitação para cidadãos do mundo. Aqui destacam-se os norte-americanos e ingleses”, indica. Ao nível de preferência do tipo de imóvel, o responsável adianta que, tanto o mercado de casas usadas como o mercado de casas novas, continuarão a ter grande procura. “Existe ainda baixo stock de casas novas para a procura, o que leva a que o preço das casas usadas continue a subir”, refere.
O problema da oferta e da procura: há risco de bolha?
A subida de preços em Portugal explica-se pelo desequilíbrio entre a oferta e a procura, "numa conjuntura em que a procura está muito elevada face à oferta, pois a construção nova tem sido bastante residual", refere Patrícia Barão, head of residential da JLL. A responsável aponta para as conclusões do estudo Living Destination, lançado pela consultora no final do ano passado, que revelou que oferta de casas estagnou na última década, apresentando um aumento residual - de apenas 1,9% - entre 2011 e 2021.
"Sabe-se ainda que apenas cerca de 1/3 deste stock tem menos de 20 anos e que a necessidade de reabilitação é ainda evidente, apesar da dinâmica dos últimos anos. Daí o comportamento dos preços das casas", explica. Contudo, na sua perspetiva, "não temos quaisquer indícios de bolha imobiliária".

"Portugal surge em 13º lugar do ranking num estudo promovido pela Bloomberg Economics, que avalia o risco dos 23 países membros da OCDE atingirem a bolha. Se a Nova Zelândia, Canadá e Suécia são os países que apresentam os índices de risco de bolha imobiliária mais preocupantes, Portugal está muito distante desse cenário. A existência de uma bolha imobiliária pressupunha um aumento exacerbado no preços dos imóveis, cujo valor não corresponde ao real, e uma concessão de crédito habitação desadequada", considera.
Dicas para quem vai comprar casa
Comprar casa exige muita ponderação para evitar precipitações, até porque há vários fatores a considerar. E é por isso que, antes de dar esse passo, é importante estar bem informado sobre tudo aquilo que este processo envolve. Segundo Ricardo Garcia, da Savills Portugal, “as pessoas compram casa essencialmente para responderem a uma necessidade (aumento da família, mudança de escola de um filho, mudança de local de trabalho, etc) ou, caso não seja por necessidade, para cumprirem um sonho (casa com piscina, com vista para o mar, maior área, etc.)”, e é por isso que devem avaliar, perante o seu budget, “qual ou quais casas que cumprem a maior parte dos seus requisitos”, tendo sempre presente que “dificilmente alguma casa cumpre todos os requisitos”.
Na opinião deste responsável, e em termos de real estate value, a localização continua a ser o fator determinante na escolha de um imóvel. “Location, Location Location”, diz.

“O conselho que dou é que procurem bairros em desenvolvimento perto do centro e que ainda não estejam completamente valorizados. Desta forma conseguem comprar por um valor mais acessível e com um potencial de valorização mais elevado”, acrescenta David Moura-George, da Athena Advisers. Na cidade de Lisboa, aponta os bairros do Intendente e da Penha de França, por exemplo, que “são boas opções”. Já fora da cidade, a linha de Cascais, como Oeiras, Estoril ou Carcavelos, “são igualmente excelentes oportunidades, que oferecem um estilo de vida único junto à praia e com valores muito competitivos face ao centro de Lisboa”.
Patrícia Barão, da JLL, considera fundamental "definir bem as prioridades, tendo em conta a motivação da compra e definir o timing certo para a aquisição, estudando a oferta existente que cumpra com os critérios definidos". Igualmente importante, diz, é analisar as melhores soluções de financiamento do mercado tendo como expectável uma possível subida das taxas de juro.
Os grandes desafios do imobiliário para 2022
Apesar das boas perspetivas, o mercado imobiliário continuará a enfrentar grandes desafios em 2022 – alguns, já antigos. A falta de stock, atrasos nos licenciamentos, a elevada carga fiscal, a imprevisibilidade dos custos de construção e o potencial aumento das taxas de juro são alguns deles, segundo os especialistas ouvidos.
“A construção sempre foi um medidor de crise, e desta vez, passamos por um processo de crise sem que a construção fosse afetada, muito pelo contrário. Acabou por ter um papel fundamental na performance do mercado imobiliário e na confiança que assegurou aos diversos players com que atua. Num contexto onde um dos maiores desafios que estes irão enfrentar está relacionado com a escalada dos custos de construção, que traz um elevado grau de imprevisibilidade da margem de lucro aos promotores/investidores, ainda mais revelante é a carga fiscal”, refere Silvia Dragomir, head of research da Worx. Uma das formas de estimular o setor da construção e permitir que este continue a contribuir para o crescimento económico do país, defende, é atribuir benefícios fiscais específicos a cada segmento imobiliário ou generalizados.

Um dos maiores desafios para 2022, segundo David Moura-George, da Athena Advisers, continuará a ser o prazo de licenciamento de novos empreendimentos, “que pode demorar dois anos e meio”. “É preciso acelerar a aprovação dos projetos, pois a dilatação dos prazos é usada como forma de conter a construção, mas é evidente que o mercado não precisa desse mecanismo para limitar a nova oferta. Prova disso é a forte escassez de casas face à procura existente”, defende.
Para Paulo Sarmento, partner e head of Capital Markets da Cushman & Wakefield, os maiores desafios do mercado passarão, igualmente, pela “adaptação eficaz da oferta aos novos critérios da procura, por influência de alterações consolidadas pela pandemia, como é o caso do comércio online em retalho e logística, as novas formas de ocupação dos espaços de escritórios por via da maior importância do teletrabalho, e a maior importância dos critérios de ESG (Environmental, Social and Governance) nas decisões de ocupação ou investimento”.

Um aspeto também referido por Cristina Arouca, da CBRE. A responsável indica que as preocupações com as questões ambientais começam a ser cada vez mais evidentes, e a sustentabilidade “um tema transversal a todas as classes de ativos”. Na habitação, diz, o foco incide desde há muitos anos sobre as certificações energéticas, mas começa-se a ver em Portugal um interesse pelas certificações ambientais, nomeadamente em ativos de arrendamento como as residências de estudantes. “A pandemia veio acentuar diversas preocupações sociais dando maior enfase ao “S” do ESG e, neste sentido, deveremos observar um maior interesse por parte de fundos imobiliários com critérios de sustentabilidade em investir em projetos de habitação acessível”, garante.
De acordo com Ricardo Garcia da Savills, ainda há um longo caminho a percorrer no que ao desenvolvimento do mercado residencial diz respeito, “o que dá perspetivas de oportunidades e crescimento e não de risco e “bolha imobiliária””.
Portugal no radar dos investidores: onde estão as oportunidades?
Portugal está e vai continuar no radar dos investidores, até porque o país “oferece rentabilidades ligeiramente mais elevadas do que outros países europeus de risco comparável”, na opinião de Paulo Sarmento, da Cushman & Wakefield. “Os investidores portugueses (muitas vezes com associação a capital estrangeiro) continuarão muito dinâmicos, bem como os players internacionais – em todas as classes de ativos e em todos os perfis de risco/retorno”, indica o responsável.
E há muitos fatores a contribuir para o sucesso de Portugal enquanto destino atrativo de investimento. Para David Moura-George, da Athena Advisers, a essência do nosso país mantém-se, e todos os fatores que fazem de Portugal um dos melhores destinos para viver e trabalhar continuam bem vivos. “As pessoas preferem morar e trabalhar em Portugal, mesmo mantendo os seus empregos no país de origem e viajando para lá algumas vezes por ano, pois aqui têm mais qualidade de vida a preços mais acessíveis”, explica.
Patrícia Barão, da JLL, considera que o mercado internacional continua bastante ativo na procura de casa - só na JLL, venderam imóveis a 47 nacionalidades diferentes -, mas destaca a força do mercado interno que responde a 89% das vendas. "Por um lado, o perfil familiar e os padrões de vida estão a mudar; o crescimento dos agregados familiares tem sido acompanhado pela diminuição do tamanho das famílias e a diversificação do perfil de família tem impacto na habitação. Por outro lado, tem havido uma canalização da poupança para o imobiliário como alternativa a outras alternativas financeiras como ações e obrigações devido ao desempenho do mercado, disponibilidade de hipotecas e baixas taxas de juro", defende.
Arrendamento (build to rent)
O mercado de habitação para arrendamento continua a ser simultaneamente uma oportunidade e um desafio, na opinião de Cristina Arouca, da CBRE. “Já há alguns anos que anunciamos que o mercado de habitação para arrendamento vai arrancar, o que ainda não aconteceu. É um mercado embrionário em Portugal, apesar da elevada atividade que observa na América do Norte e na Europa. Efetivamente, o tempo tem demonstrado que ainda não estão reunidas as condições de mercado nomeadamente em termos e legislação e fiscalidade”, explica a responsável.

O maior contributo para estimular o interesse neste mercado, diz, advém da publicação, no final de 2021, de um diploma que estabelece a redução do IVA de 23% para 6% na construção ou reabilitação de habitações para arrendamento acessível, algo que se espera que venha a dinamizar o arranque dos primeiros projetos.
E apesar de em Portugal o investimento em imóveis desenvolvidos propositadamente para o mercado de arrendamento ser pouco expressivo (o denominado setor de build to rent), a head of research da CBRE refere que “têm sido transacionados alguns portefólios de habitação de montante significativo”. Em 2021, o volume destes negócios excedeu os 400 milhões de euros, mas em 2022, ainda assim, a “sua expressão deverá ser muito mais reduzida”.
"A recente extensão do regime de IVA a 6% da habitação a custos controlados à construção de habitação para arrendamento acessível vem incentivar o desenvolvimento de projetos residenciais BTR (build to rent) que irá beneficiar particularmente o segmento residencial ao longo de 2022. No entanto, esta medida por si só não é suficiente para manter os níveis de construção em Portugal, sendo urgente a revisão dos incentivos fiscais neste setor", defende Silvia Dragomir, head of research da Worx.
Vistos gold
Ao que tudo indica, o fim da atribuição dos vistos gold nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto irá abrir a porta a novos negócios e oportunidades para outras geografias. Apesar das alterações ao programa impactarem os projetos de reabilitação urbana no centro das cidades, com uma redução no volume de vendas e estabilização ou mesmo quebra nos preços, para Cristina Arouca o novo regime de golden visa “irá estimular o crescimento de oportunidades de desenvolvimento de projetos em zonas especificas de baixa densidade populacional como a Comporta, o Douro e o Alqueva, entre outras, e a reabilitação dos centros históricos no interior do país”.
David Moura-George partilha desta opinião e salienta, aliás, que a procura por produtos comerciais para obtenção de vistos gold está a crescer, e que “o desenvolvimento em localizações de baixa densidade, como a Costa Vicentina ou as Ilhas, está a acontecer porque há procura”. Já nas zonas com restrições, como Lisboa e Porto, “as pessoas procuram produtos com retorno, e os apartamentos turísticos são uma boa opção”.
Segmentos alternativos
De acordo com Alberto Henriques, investment associate director da Savills Portugal, as previsões apontam para que os setores alternativos e de logística continuem a captar uma porção significativa do interesse dos investidores em 2022. “Este comportamento justifica-se com o aumento do comércio eletrónico, que exige maiores espaços de armazenamento, e com a relativa estabilidade e resiliência do segmento habitacional”.
Estas duas áreas imobiliárias, explica, têm em comum uma procura que supera a oferta disponível, o que cria oportunidades de investimento. Assim, espera-se um aumento robusto dos níveis de renda em ambos os setores nos próximos 12 meses.

“O ano 2022, poderá, desta forma, ditar um novo começo para o segmento do retalho, que está agora mais bem preparado para se adaptar a novos padrões de consumo. Os investidores mostram-se cada vez mais cientes desta reconfiguração, pelo que se poderá afirmar, com alguma confiança, que o volume de investimento em retalho venha a aumentar nos próximos anos, com especial destaque para supermercados e instalações de armazenamento de alto rendimento”, refere.
Além disso, para 2022 e em linha com o que foi observado em 2021, prevê-se também algum crescimento dos segmentos alternativos, como build to rent, residências para estudantes, senior living, hospitais, data centres e ciências da vida. “É expectável o crescimento desta classe de ativos nos próximos cinco anos”, afiança.
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