
O ano de 2022 arrancou tal como tinha terminado o de 2021, ou seja, com a sensação de que o setor da promoção imobiliária em Portugal continua a saber como fintar a pandemia. É assim desde março de 2020, quando a Covid-19 se instalou no país, e a verdade é que continua a haver projetos a sair do papel, nomeadamente no segmento residencial, e que o mercado português se mantem no radar dos investidores, nacionais e internacionais. Há, no entanto, desafios a ter em conta, como por exemplo os elevados custos de construção. Eis o que se pode esperar da promoção imobiliária em 2022, segundo especialistas.
O idealista/news quis auscultar o setor da promoção imobiliária em Portugal, para perceber o que se pode esperar do ano de 2022. Será que o setor está de boa saúde? As respostas às perguntas que colocámos aos representantes de algumas das principais promotoras imobiliárias a operar em Portugal permitem antever que este será mais um ano de resiliência. E de investimento, havendo projetos a sair do papel. Os preços das casas, por seu turno, tenderão a manter-se elevados.

O que esperar do segmento residencial em 2022?
Para Aniceto Viegas, CEO da Avenue, "as vendas devem aumentar ligeiramente, impulsionadas pelos compradores estrangeiros", podendo a procura internacional crescer "no segundo semestre". Os preços devem também continuar a subir, um cenário "provocado essencialmente pelo encarecimento dos custos de construção, que deverão ser refletidos no preço de venda final".
O responsável considera que o "número de licenças continua muito abaixo da média das décadas anteriores", o que acontece por dois motivos: "Menor financiamento da banca aos promotores, obrigando a uma maior capitalização dos mesmos, e morosidade das câmaras municipais na aprovação das licenças". Um fenómeno que "favorece essencialmente o preço dos imóveis usados, pela escassez de produto novo".

Segundo Aniceto Viegas, o grande desafio do setor está no "controlo do aumento dos custos de construção, o que pode impedir alguns projetos de sair do papel, principalmente no segmento médio, que tem uma menor capacidade em absorver um consequente aumento do preço de venda".
"O grande desafio está no controlo do aumento dos custos de construção, o que pode impedir alguns projetos de sair do papel, principalmente no segmento médio"
Aniceto Viegas
Gonçalo Cadete, Managing Partner da SOLYD Property Developers, diz não ter dúvidas de que "o setor imobiliário terá um papel relevante na retoma da economia". "Sentimos um acelerar de muitas das tendências, entre elas, a questão em torno das exigências ambientais, das novas necessidades e interesse por espaços residenciais com maior conforto e integração com o meio ambiente (varandas, jardins) e de um maior equilíbrio entre trabalho e lazer, com uma alteração profunda do modo de trabalhar para uma larga percentagem da população", afirma.
Relativamente aos desafios que enfrenta o setor, destaca a "escassez de terrenos, a carga fiscal elevada e a morosidade nos licenciamentos, assim como desafios conjunturais, como o aumento do preço das matérias-primas e défices expressivos de mão de obra".
Também José Cardoso Botelho, CEO da Vanguard Properties, faz um raio-x ao setor: "Vai haver um crescimento da procura, nacional e internacional, e uma redução da oferta. Os preços das casas vão subir, pela escassez da oferta (poucos projetos licenciados) e pelo aumento dos custos. Considerando a escassez de casas novas, irá verificar-se um elevado volume de vendas de casas usadas, especialmente as mais recentes. A maior parte do parque habitacional nacional não tem qualidade e, desta forma, não é opção para muitos. Sobre os principais desafios, diria a escassez de mão de obra, a pressão do PRR, a potencial falta de capacidade de produção e a instabilidade nos preços das matérias-primas. E ainda o eventual descontrolo da inflação".
"Considerando a escassez de casas novas, irá verificar-se um elevado volume de vendas de casas usadas, especialmente as mais recentes. A maior parte do parque habitacional nacional não tem qualidade e, desta forma, não é opção para muitos"
José Cardoso Botelho
Um setor que fintou a pandemia
José Carvalho, CEO do Grupo Omega, enaltece o facto da pandemia não ter levado "o setor a uma situação crítica, como se verificou noutras áreas", e considera que o facto do país estar numa fase em que se percebe melhor o que é a pandemia permite "antecipar um cenário menos favorável".
Os grandes desafios para este ano estão, na sua opinião, à vista: "Prendem-se com a falta de mão de obra, o aumento dos preços de matéria-prima e prazos de fornecimentos. A inflação e o possível agravamento das taxas de juro estão entre as nossas preocupações".

Uma sentimento, de resto, partilhado pelos vários players do mercado consultados pelo idealista/news. Paulo Loureiro, CEO da Bondstone, adianta que os "grandes desafios do setor mantêm-se, como os longos períodos de licenciamento e o aumento dos custos de construção (cerca de 8% em 2021)". "Por outro lado, o expectável aumento das taxas de juro e o fim dos vistos gold trarão um abrandamento ao crescimento sentido nos últimos anos e uma estabilização dos preços", acrescenta.
O responsável considera, no entanto, que a elevada liquidez existente no mercado, que as baixas taxas de juro e que a facilidade de crédito habitação justificam a dinâmica sentida no segmento residencial.
Uma das tendência de mercado, num cenário pós-pandemia, é a "procura de espaços amplos, com ambientes separados de trabalho e lazer e generosas áreas exteriores", aponta Paulo Loureiro, frisando que "a troca dos centros de cidade por zonas periféricas com relativa proximidade ao centro é uma tendência que continuará a dinamizar o mercado no curto/médio prazo".
Também Pedro Vicente, Board Member da Habitat Invest, diz estar confiante, antevendo que "o setor vai registar um bom ano, de retoma lenta, mas sólida". "O preço das casas vai continuar a subir, não por causa do efeito Golden Visa, que teve sempre um efeito marginal neste aspeto, mas por causa de uma conjuntura de aumento do custo das matérias-primas e da falta de mão de obra", comenta, alertando para a necessidade de haver novidades relativamente às "políticas públicas, nomeadamente fiscais ao nível do IVA".
"Estimamos que, apesar de tudo, se vendam muitas casas, mais construção nova que usada. O grande desafio do setor para 2022 vai passar por tentar controlar-se o acréscimo de custo das casas", acrescenta.

Portugal continuará na mira dos investidores?
Uma coisa é inegável: com ou sem pandemia, Portugal tem estado no radar dos investidores estrangeiros. Será que a tendência irá manter-se em 2022 e nos próximos anos? "Portugal conquistou definitivamente um lugar nas preferências dos investidores internacionais, pelas suas qualidades intrínsecas e pela estabilidade que oferece", aponta Aniceto Viegas.
Uma opinião partilhada pelos restantes gestores. "Portugal continua no radar dos investidores e isso é bastante animador para o setor, mas também para a recuperação da nossa economia em geral", sublinha Gonçalo Cadete, dando nota de que Portugal "tem caraterísticas únicas e que impulsionam a boa performance do setor imobiliário e a captação de investimento estrangeiro".

"O segmento residencial foi, durante a pandemia, e continuará a ser uma área bastante resiliente e atrativa para os investidores. Continua a haver liquidez para investir em imobiliário e Portugal continua na mira dos principais fundos internacionais, bem como de investidores privados", assegura o Managing Partner da SOLYD Property Developers.
"O segmento residencial foi, durante a pandemia, e continuará a ser uma área bastante resiliente e atrativa para os investidores"
Gonçalo Cadete
José Cardoso Botelho vai mais longe nos elogios a Portugal, salientando que o país "até sairá beneficiado", da atual conjuntura, visto que os fatores que o diferenciam "foram potenciados". "É um país seguro, com excelente qualidade de vida e binómio preço-qualidade e, sendo de alguma forma periférico, mas situado a curta distância de países relevantes, considerando as novas formas de trabalhar, poderá beneficiar muito dos nómadas, nomeadamente os tecnológicos", prevê.
Sobre a origem dos investidores, o CEO da Vanguard Properties responde de forma clara: "Poderá dizer-se que o crescimento se fará com mais investimento nacional e naturalmente internacional. O residencial, que em 2021 terá atingido 30 mil milhões de euros, continuará a crescer com a retoma no investimento turístico de lazer e porventura na área dos escritórios e certamente manterá elevada procura no segmento da logística".
Um mercado ativo e um país "apetecível"
Para José Carvalho não há dúvidas: "No mercado imobiliário, depois dos projetos estarem em marcha, é difícil pará-los". O CEO do Grupo Omega considera, por isso, que "os dados estão em grande medida lançados". "Na região Norte, onde estamos focados, o setor tem estado genericamente ativo, proporcionalmente ao fluxo de investimento que para ele se dirige. O setor do turismo continua um pouco na expectativa da retoma pós pandemia".
O mesmo sentimento tem Paulo Loureiro, que adianta que "Portugal continuará a ser um mercado muito apetecível para investidores internacionais em vários segmentos". E sim, há oportunidades no mercado por explorar: "O setor residencial será sempre um dos mais procurados, pela estruturante desproporção existente entre oferta e procura. Porém, dentro do segmento residencial é espectável que a curto/médio prazo exista uma maior apetência por produto Build to Rent (BTR), gerado pelo aumento da procura de casas para arrendar, devido a fatores como o aumento das taxas de juro e aos nómadas digitais e profissionais deslocados, que vêm em Portugal um país com excelentes condições de vida, baixo custo, segurança e com cerca de nove meses de sol por ano".

O CEO da Bondstone considera que outro dos segmentos que tende a crescer em Portugal e a entrar na mira dos investidores é a "logística, que tem falta de produto novo que respeite os requisitos dos potenciais ocupantes". "O aumento do consumo via digital veio testar a capacidade de resposta e adaptação das empresas: quer retalhistas, quer operadores logísticos. É um setor que continuará debaixo de olho de investidores, quer para desenvolvimento, quer como produto de rendimento", refere.
"Portugal continuará a ser um mercado muito apetecível para investidores internacionais em vários segmentos"
Paulo Loureiro
Sobre este tema, e quando questionado sobre a existência de novos players estrangeiros a investir no país, Pedro Vicente responde que se tem assistido "a uma grande pressão de entrada de capital internacional". Sublinha, no entanto, que Portugal é um "mercado pequeno e que as limitações burocráticas dificultam que esse processo se dê com maior expressão".

O que se deve ter em conta antes de comprar casa?
O que devem ter em conta as pessoas que querem ou ambicionam comprar casa em 2022? Entre as preocupações está, conforme já mencionado, a eventual subida da taxa de juro diretora por parte do Banco Central Europeu (BCE), que por sua vez fará aumentar as taxas Euribor e consequentemente o crédito habitação. Também o aumento dos custos de construção deixa apreensivos os promotores imobiliários. Mas há outros detalhes a não perder de vista.
"Quem pretende comprar casa em 2022 deve privilegiar a localização – as localizações mais centrais e mais urbanas são menos sensíveis a eventuais variações de preço e são uma boa reserva de valor, com potencial de valorização a prazo", aconselha Aniceto Viegas.
Pedro Vicente considera, por sua vez, que as pessoas constatarão, em 2022, "que a oferta para o mercado nacional vai crescer, diversificando as possibilidades de escolha e, com isso, enriquecendo o mercado".
"A oferta para o mercado nacional vai crescer, diversificando as possibilidades de escolha e, com isso, enriquecendo o mercado"
Pedro Vicente
De acordo com Gonçalo Cadete, "apesar dos desafios colocados à sociedade e à economia no geral, a pandemia veio oferecer novas oportunidades ao mercado imobiliário e reforçou o conceito da casa enquanto local de vivência, trabalho e lazer". "Fala-se bastante da questão da “homification” – pelo facto de a casa passar a ser o centro da nossa vida –, e isso, claro, teve e tem um grande impacto no nosso negócio", aponta, salientando que a aposta da Solyd passa pelo desenvolvimento de "projetos imobiliários residenciais em total simbiose com este novo paradigma, com generosos espaços exteriores e assentes num maior equilíbrio entre lazer e trabalho e por preocupações com a sustentabilidade, resposta aos desafios climáticos e eficiência energética".

Também José Cardoso Botelho aponta baterias para a aposta na eficiência energética: "Além do habitual, como a localização, vistas, qualidade do promotor e do construtor, as pessoas que querem ou ambicionam comprar casa em 2022 deverão optar por casas com elevada eficiência energética e térmica, com bons espaços comuns (incluindo ‘amenities’) e varandas amplas, pois serão elementos que permitirão valorizar o ativo".
"Se o agravamento dos custos da mão de obra já se fazia sentir de alguns anos a esta parte por razões mais ou menos identificadas, o mesmo se está agora a verificar com os materiais de construção civil em geral, seja ao nível das madeiras, dos metais, dos materiais para isolamento e de revestimento e muitos outros"
José Carvalho
José Carvalho alerta para os perigos do "agravamento dos custos da mão de obra", que já existiam, mas que agora se estão a verificar também "com os materiais de construção civil em geral, seja ao nível das madeiras, dos metais, dos materiais para isolamento e de revestimento e muitos outros". "Estas subidas têm consequências para as empreitadas de construção civil, para a promoção imobiliária e em última análise para os consumidores finais", avisa.
O CEO do Grupo Omega considera que, não havendo uma desaceleração dos preços, "haverá uma repercussão nos preços de vendas ao consumidor final", sendo "esta a maior preocupação para quem anda à procura de casa em 2022".
Já Paulo Loureiro centra atenções na "esperada subida das taxas de juro do crédito habitação". "Embora a Euribor se mantenha em valores negativos, é esperada a subida das taxas de juro, ainda que seja gradual e de pouca magnitude. Aliado ao facto anterior está ainda o prazo dos contratos de crédito, que atualmente se situa num máximo de 40 anos e que o Banco de Portugal pretende diminuir para 30 (mais em linha com os 20/25 anos praticados na UE). Os dois fatores associados traduzem-se na prática numa maior taxa de esforço das famílias e numa maior dificuldade no acesso ao crédito, desviando a procura para outras soluções de habitação (arrendamento)", justifica.
Também o expectável aumento da inflação é motivo de preocupação para os consumidores, alerta o CEO da Bondstone, frisando que o mesmo pode conduzir a um crescimento "generalizado dos preços de construção (matérias-primas, mão de obra e energia) e, por conseguinte, a um aumento dos preços de imóveis de nova construção num mercado muito quente, onde os preços não têm parado de subir". Nesse sentido, conclui, "a decisão de compra de casa nova ou usada será também um dos pontos a ter em atenção".
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