
Em Portugal, o parque imobiliário está “bastante envelhecido”. São poucos os edifícios novos ou atualizados. E, por outro lado, são muitos aqueles que apresentam baixa eficiência energética. Mas como é que se pode mudar este cenário nacional? Renovando o edificado para melhorar o seu desempenho energético e o conforto das famílias, tal como tem pressionado a Comissão Europeia (CE) através do seu plano “Fit for 55”. E ajudando os arquitetos, construtores e promotores imobiliários a escolher as melhores soluções construtivas, que resultam da “combinação de metas ambientais, económicas e de conforto humano”. Esta é a missão de Mateo Barbero e Adrian Krężlik, que escolheram o Porto para fundar a tecnológica Dosta Tec no final de 2020. Em entrevista ao idealista/news, falam dos desafios que Portugal enfrenta em matéria de descarbonização do edificado e como é que a tecnologia pode ajudar neste caminho.
A ineficiência energética das casas traduz-se na falta de isolamento térmico, que abre a porta ao frio e à humidade, e a contas de energia elevadas. E a verdade é que a maioria dos portugueses (88%) considera a sua casa desconfortável a nível térmico, de acordo com o estudo realizado pelo Portal da Construção Sustentável (PCS) em 2021. Esta é a “questão mais preocupante” no país para os fundadores da Dosta Tec, que assumem mesmo estar em causa “um problema de saúde pública”. Os dados mais recentes do Sistema de Certificação de Edifícios indicam também que quase metade dos edifícios registados desde 2014 até à atualidade têm classe energética D ou inferior.

“Para uma família portuguesa que pretenda melhorar a eficiência da sua casa, o primeiro passo a dar passa por colocar isolamento e vidros duplos. Depois, a instalação de uma bomba de calor para aquecer o ar é, geralmente, a próxima medida a tomar, tendo em conta o custo-benefício”.
É por tudo isto que se têm erguido cada vez mais iniciativas que visam melhorar a eficiência energética do edificado. Portugal nesta matéria está “atrasado” tal como dizem os mesmo responsáveis, mas tem havido um “bom progresso” nos últimos anos:
- Criaram-se apoios para as famílias (como o Vale Eficiência e o Programa Edifícios + Sustentáveis);
- O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) vai destinar 610 milhões de euros para melhorar o desempenho energético do parque edificado português até 2026.
E também na Europa há ventos a soprar no mesmo sentido: a CE desenhou novos padrões mínimos de desempenho energético no âmbito do “Fit for 55”, que vão pressionar os proprietários a tornar os seus imóveis mais eficientes. Isto porque as novas metas até 2030 apontam para que todos os edifícios existentes sejam renovados de forma a apresentarem, pelo menos, o grau F na classificação energética. E no caso dos edifícios novos, a CE propõe que sejam construídos com emissões zero já a partir de 2030.

Como melhorar a eficiência energética dos edifícios? A tecnologia pode ajudar
Estas iniciativas estão no caminho certo. Mas é preciso fazer mais, segundo o arquiteto Adrian Krężlik e o engenheiro industrial Mateo Barbero: “O Fit for 55 está focado na descarbonização, o que é muito importante, mas pode não ser ambicioso o suficiente para o que as mudanças climáticas exigem”. O que é preciso fazer? “É necessária uma renovação mais rápida: hoje, na União Europeia, a renovação energética dos edifícios é inferior a 1% ao ano, o que deve ser acelerado”, defendem.
A solução passa em parte pela reforma fiscal, reduzindo o IVA dos materiais por exemplo. “Podem ser considerados diferentes esquemas fiscais” para “aliviar a pressão negativa sentida pelos proprietários e ser, por si só, uma motivação para investirem em eficiência”, acreditam.
No fundo, há que identificar as soluções construtivas que apresentem a melhor relação entre custos, eficiência energética e benefícios. E é aqui que entra a tecnologia desenvolvida por esta dupla que hoje trabalha na cidade Invicta: “Criamos recomendações para ajudar promotores, construtoras e arquitetos a encontrar as melhores alternativas para as prioridades dos seus projetos. Essas prioridades geralmente são uma combinação de metas ambientais, económicas e de conforto humano”, explicam.
“Com conhecimento de programação e um computador, conseguimos comparar o resultado de milhares de alternativas diferentes antes de o investidor gastar um único euro no projeto de construção real”.
Isto porque, por um lado, “os investidores geralmente querem ter a certeza de que o projeto de construção será adaptado aos novos requisitos de descarbonização, porque isso agrega valor económico concreto aos seus projetos”, esclarecem. E, por outro, “os compradores finais procuram este duplo benefício: económico e ambiental”, concluem. O maior desafio passa mesmo pela "incorporação de soluções passivas nos edifícios", afirmam.
Estas são apenas algumas soluções apresentadas pela dupla para dar gás à renovação dos edifícios em termos energéticos. Neste caminho cheio de desafios a tecnologia é uma aliada, ajudando a avaliar o desempenho energético das casas e a analisar o impacto dos edifícios no meio ambiente. Mas é preciso fazer mais. É isso que explicam na entrevista ao idealista/news – que agora reproduzimos na íntegra - Mateo Barbero e Adrian Krężlik, que iniciaram o seu caminho lá foram (Argentina e Polónia, respetivamente) e que escolheram o Porto para prosseguir estudos e aplicar os seus conhecimentos em construções reais.

Fale-nos um pouco sobre a vossa história. Onde é que nasceu a Dosta Tec? Quando aterrou em Portugal? Qual é o vosso propósito?
O projeto nasceu no Porto no final de 2020, depois de uma conversa entre dois amigos com objetivos profissionais semelhantes. Enquanto investigadores em Portugal, notámos que existia um desfasamento entre o universo académico e a industrial no que diz respeito à tecnologia voltada para avaliar o desempenho dos edifícios e analisar o impacto dos edifícios no meio ambiente. Depois de desenvolver uma forte base de pesquisa e testar modelos internamente, decidimos que era a hora de entrar no mercado e fazer parte de projetos reais. Estamos muito motivados em encontrar soluções para a crise climática, tendo em conta que o uso de energia é uma das suas maiores causas.
"A questão mais preocupante é mesmo o conforto térmico das famílias que é muito baixo, o que causa, a nosso ver, um problema de saúde pública".
Como avalia a eficiência energética dos edifícios em Portugal? E na Europa?
O parque imobiliário em Portugal é bastante envelhecido, com materiais antigos e uma proporção muito pequena de edifícios renovados, o que significa que a eficiência energética é muito baixa. O isolamento é raro, o que quer dizer que o frio e a humidade entram facilmente nos edifícios. Para piorar a situação, os poucos edifícios que têm aquecimento geralmente usam equipamentos individuais que são muito ineficientes e a sua manutenção torna-se dispendiosa (por exemplo, aquecedores ventilados, pequenos aquecedores a gás).
A questão mais preocupante é mesmo o conforto térmico das famílias que é muito baixo, o que causa, a nosso ver, um problema de saúde pública. O excesso de mortalidade em Portugal no inverno é 3 vezes superior ao da Finlândia. E isto é bastante chocante, porque significa que os idosos e outras pessoas vulneráveis não conseguem aquecer-se o suficiente nesta estação, mesmo vivendo num país com um clima muito mais quente.
Na Europa, a eficiência dos edifícios é muito variada. E há grandes avanços a serem feitos em todo o lado e recursos a serem investidos em planos de renovação (por exemplo, Renovation Wave e EPBD). Mas, neste cenário, Portugal está atrasado. Isto porque o primeiro código energético de construção foi introduzido em 1991, enquanto na Suécia foi em 1944 e na Alemanha em 1977. Ainda assim, há um bom progresso nesta matéria em Portugal, sendo levado a através de políticas, novas fontes de financiamento e regulamentações.

Recentemente, a Comissão Europeia fez uma revisão da Diretiva de Desempenho Energético dos Edifícios, inserida no plano “Fit for 55”, o que veio pressionar os proprietários para melhorar a eficiência energética dos seus imóveis. Como avaliam estas mudanças? Este é o caminho certo?
O Fit for 55 está focado na descarbonização, o que é muito importante, mas pode não ser ambicioso o suficiente para o que as mudanças climáticas exigem. É necessária uma renovação mais rápida: hoje, na UE, a renovação energética dos edifícios é inferior a 1% ao ano, o que deve ser acelerado. Além disso, através do Fit for 55, poderia ter sido introduzido um orçamento de carbono com um grau de importância igual ao do orçamento económico.
Podem ser considerados diferentes esquemas fiscais. Por exemplo, hoje o cimento e a madeira laminada cruzada têm o mesmo valor de IVA. Este tipo de medidas podem aliviar a pressão negativa sentida pelos proprietários e ser, por si só, uma motivação para investirem em eficiência. De salientar que há também a iniciativa ‘New European Bauhaus’ que pode canalizar a inovação e acelerar esta transformação.
Um dos principais desafios que identificamos é a incorporação de soluções passivas nos edifícios. São soluções que não precisam de energia para funcionar.
Em Portugal, quais são os principais desafios que o imobiliário e a construção enfrentam para alcançar as metas definidas até 2030 neste âmbito (todos os edifícios novos com emissões zero e reabilitar os edifícios para terem, pelo menos, o grau F na classificação energética)? E a neutralidade carbónica até 2050?
Um dos principais desafios que identificamos é a incorporação de soluções passivas nos edifícios. São soluções que não precisam de energia para funcionar. Ou seja, usa-se a engenharia e design para aumentar a eficiência do edifício sem criar novas fontes de uso de energia. Por exemplo, métodos de arrefecimento evaporativo. Acontece que muitas soluções passivas estão familiarizadas com a região e o clima local e aplicam métodos de conhecimento popular que caíram em desuso. Mas, ainda assim, são muitas vezes soluções muito boas.
Outro desafio é a coordenação das partes interessadas. Os avanços tecnológicos e as mudanças na matriz energética são essenciais (por exemplo, introdução de sistemas fotovoltaicos residenciais), mas podem não ser suficientes. O que precisamos é articular todas as áreas associadas à eficiência, o que significa coordenar muitos atores diferentes e trazer benefícios a todos eles tanto quanto possível.

De que forma é que a atividade da Dosta Tec vem ajudar o setor do imobiliário e construção neste sentido?
Criamos recomendações para ajudar promotores, construtoras e arquitetos a encontrar as melhores alternativas para as prioridades dos seus projetos. Essas prioridades geralmente são uma combinação de metas ambientais, económicas e de conforto humano, e nós ajudamos a traduzi-las em decisões de projeto. Por exemplo: quanto é que estás disposto a pagar por um biomaterial de isolamento que reduz significativamente as emissões de carbono do projeto?
É claro que tentamos influenciar os proprietários dos projetos a trabalhar com essas compensações e evitar que procurem simplesmente olhar para o valor económico das soluções que trazem consigo algumas restrições ambientais.
"O custo-benefício mostra quanto é que vais receber e quando verás os benefícios, para cada euro investido numa determinada parte da tua casa".
Qual é o custo-benefício de tornar as casas mais eficientes? Por onde se deve começar? Quais são os materiais mais ‘ecofriendly’ para renovar a casa?
A relação entre o custo e a eficácia das soluções é uma forma de medir o “custo-benefício” de investir numa casa ou edifício. O resultado indica quão bem as decisões do projeto estão a ser executadas. Basicamente mostra quanto é que vais receber e quando verás os benefícios para cada euro investido numa determinada parte da tua casa. Por exemplo, isolar o telhado com espuma XPS padrão geralmente é mais económico do que isolar as paredes, porque o telhado fica mais exposto ao calor e ao frio.
Para uma família portuguesa que pretenda melhorar a eficiência da sua casa, o primeiro passo a dar passa por colocar isolamento e vidros duplos. Depois, a instalação de uma bomba de calor para aquecer o ar é, geralmente, a próxima medida a tomar, tendo em conta o custo-benefício.
Existem muitos materiais ecológicos que funcionam razoavelmente bem. Em Portugal, usar a cortiça para o isolamento é um bom exemplo, pois tem um impacto global positivo no seu ciclo de vida. Nem todos os fornecedores de materiais são igualmente amigos do ambiente e na Dosta Tec avaliamos isso em específico.

Fazem a preparação dos projetos dos edifícios para a avaliação e posterior certificação da sua sustentabilidade. Há muita procura neste sentido? Esta é uma questão cada vez mais relevante no mundo imobiliário? Porquê?
Sim, a procura pelo serviço de suporte à certificação cresceu significativamente. Os investidores geralmente querem ter a certeza de que o projeto de construção será adaptado aos novos requisitos de descarbonização, porque isso agrega valor económico concreto aos seus projetos. Os compradores finais procuram este duplo benefício: económico e ambiental.
Assumem um compromisso com a descarbonização de todo o ciclo de vida do edifício. Como é que isso se faz?
Em primeiro lugar, é essencial ter uma metodologia sólida para quantificar o impacto do carbono em cada fase do ciclo de vida do edifício. Sem isso, é muito difícil tomar decisões eficazes sobre o projeto.
As fases mais importantes são as operacionais (por exemplo, o uso de energia anual para aquecimento), fornecedores (procurar materiais), a fabricação (processamento dos materiais) e o transporte. Cada uma dessas áreas deve ser otimizada por meio da análise de alternativas que se adequem à realidade do projeto. Por exemplo, a eletricidade produzida em Portugal é cerca de 50% mais limpa do que a da Alemanha, então a eletrificação das instalações traz resultados muito melhores aqui do que na Alemanha. Também temos cuidado para não cair na “armadilha do biomaterial”: um material pode ser ótimo para o meio ambiente ao nível do fornecedor, mas se tivermos de voar pela Europa para obtê-lo vai adicionar emissões de carbono ao projeto ao nível do transporte.
"Podemos fazer várias simulações com materiais, design e sistemas de aquecimento para ver como cada decisão do projeto afeta a eficiência do edifício".
O que é o 'Building Energy Modelling'? De que forma é aplicado? Quais os seus benefícios?
O 'Building Energy Modeling' trata-se basicamente de criar uma representação digital de um edifício num computador. Com isso, podemos fazer simulações e prever muitas situações, como por exemplo:
- Qual é a temperatura que cada espaço da casa terá ao longo do ano;
- Quanto custará a conta de luz;
- Quantas emissões de carbono o edifício vai ser responsável;
- …
Podemos fazer várias simulações com materiais, design e sistemas de aquecimento para ver como cada decisão do projeto afeta a eficiência do edifício.
Um modelo é, por definição, uma simplificação do edifício real. Mas isso não tem de ser mau. Pelo contrário: com conhecimento de programação e um computador, conseguimos comparar o resultado de milhares de alternativas diferentes antes de o investidor gastar um único euro no projeto de construção real. Não é exato, mas a precisão é muito alta.
Estas ferramentas de simulação têm tido uma ampla validação por parte da comunidade científica e de engenharia, como é o caso do National Renewable Energy Laboratory dos EUA.

Agora há uma nova tendência: as casas passivas. Como surgiu? E porque é que se tem tornado um tema relevante no mercado imobiliário?
A “Passive House” foi desenvolvida na Alemanha e é uma ótima solução para climas amenos. Aqui no sul da Europa, o estilo de vida e a forma como as casas são construídas é diferente. Uma casa passiva é uma estrutura selada e está preparada para invernos frios (muito frios) e verões moderados. Houve várias iniciativas que procuraram alternativas para o modelo nórdico, como MedZeb, ou mais recentemente, o “New European Bauhaus Goes South”. A “Passive House” é um investimento demasiado grande para Portugal e o custo-benefício desta solução é duvidoso.
"A 'Passive House' é um investimento demasiado grande para Portugal e o custo-benefício desta solução é duvidoso".
A sustentabilidade dos edifícios é um tema na ordem do dia e assim vai continuar. O que ainda falta fazer no futuro? Devem ser colocadas medidas mais apertadas? Como é que a Dosta Tec pretende contribuir para a mudança?
A sustentabilidade é um conceito antropocêntrico adotado no final dos anos oitenta. Procura o melhor futuro para as gerações seguintes. Foi cunhado antes das Fronteiras Planetárias terem sido ultrapassadas, isto é, antes de levarmos o clima longe demais. Hoje, sabemos que precisamos de ir além da sustentabilidade e assumir uma postura biocêntrica. A sustentabilidade simplesmente não é suficiente para combater a crise planetária em que vivemos nas últimas décadas.
Desde o início da nossa empresa, procurámos trabalhar numa abordagem regenerativa, ou seja, criar um impacto positivo em vez de equilibrar o negativo com o positivo. Por exemplo, quando selecionamos materiais para um projeto, procuramos aqueles que apresentam uma Declaração Ambiental de Produto transparente e priorizamos os materiais locais de base biológica. E não paramos de calcular o carbono incorporado. Analisamos o porquê de esse carbono ser tão alto em cada fase do ciclo de vida do material. Adicionalmente, verificamos outros impactos, como o potencial de eutrofização ou o potencial de acidificação.

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