Fuga das famílias para Portugal continua, mas o acesso à habitação trava integração. Tudo contado nesta análise do idealista/news.
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Procura de casas desde a Ucrânia
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Faz esta sexta-feira, dia 24 de fevereiro de 2023, um ano da guerra na Ucrânia. O cenário bélico estalou em solo europeu e tudo mudou, com efeitos no dia a dia, nomeadamente dos portugueses, que viram baixar o poder de compra e agravar-se o custo de vida. Instalou-se uma crise energética tal que fez disparar a inflação para máximos de 30 anos, levando os bancos centrais a iniciar a subida dos juros de referência mais rápida de sempre e a meter um ponto final na época do dinheiro barato. Os impactos do conflito fazem-se notar a várias escalas, e também no imobiliário, refletindo-se no aumento dos custos da construção, dos preços das casas à venda, assim como do crédito habitação.

Mas quem sentiu mais os efeitos da guerra foram mesmo as famílias ucranianas, que viram os seus lares a serem destruídos e as vidas em perigo. Muitas decidiram fazer-se à estrada para fugir do conflito e escolheram Portugal para se refugiar e viver em paz. Os dados do idealista espelham bem essa realidade: a procura de casa para arrendar desde a Ucrânia em setembro de 2022 foi seis vezes superior à registada no mesmo mês de 2021 (e desde a Rússia triplicou).

No início de 2022, o mundo preparava-se para recuperar do choque económico provocado pela pandemia da Covid-19, quando foi surpreendido pela invasão da Rússia à Ucrânia, no dia 24 de fevereiro de 2022 (há precisamente um ano). Foi neste momento que muitas famílias locais decidiram abandonar as suas casas na Ucrânia e rumar ao Ocidente, com as poucas bagagens que conseguiram levar. Procuravam paz e segurança para si e para os seus. Desde Portugal, multiplicaram-se de imediato as iniciativas para alojar e acomodar quem fugiu da guerra na Ucrânia, tanto por privados como pelo Estado português, que simplificou os mecanismos de proteção temporária e disponibilizou empregos, alojamentos, transportes e acesso à educação, através da plataforma Portugal for Ukraine, tal como o idealista/news foi noticiando.

Este foi apenas o início. Apesar de milhões de pessoas terem fugido da Ucrânia imediatamente após o início do conflito armado, muitas famílias continuaram a viver no país em guerra durante vários meses, começarando entretanto a planear uma vida melhor noutros países, como Portugal. É isso que nos mostram os dados do idealista: em setembro de 2022, sete meses depois do início do conflito, a procura de casas para arrendar em Portugal registou 34 mil visitas desde a Ucrânia, um valor seis vezes superior ao registado um ano antes. Contabilizaram-se ainda quase 13 mil visitas a anúncios de casas à venda em Portugal desde a Ucrânia, mais 58% face a setembro de 2021.Os dados sugerem, assim, que o nosso país continuou na ser considerado um destino seguro para quem procura um novo lar desde o país liderado por Zelensky.

Houve até quem procurasse crédito habitação para comprar casa em Portugal. "Em 2022, sentimos um aumento da procura de crédito habitação por pessoas com origem ucraniana, a maioria numa ótica de imigração", partilha Miguel Cabrita, responsável pelo idealista/créditohabitação em Portugal, apontando, contudo, dificuldades no processo pela questão do vínculo laboral ou antiguidade profissional. "Por outro lado, muita da procura também tem origem em profissões que permitem o desempenho remoto do seu trabalho, facilitando a viabilidade do mesmo", acrescenta.

A verdade é que mês após mês foram saindo cada vez mais famílias de solo ucraniano, procurando refugiar-se da guerra. A invasão russa já causou a fuga de mais de 14 milhões de pessoas - 6,5 milhões de deslocados internos e mais de 7,9 milhões para países europeus -, de acordo com os mais recentes dados da ONU, que classifica esta crise de refugiados como a pior na Europa desde a Segunda Guerra Mundial.

Procura de casa em Portugal desde a Ucrânia
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Casas para arrendar em Portugal: onde mais procuram desde a Ucrânia?

Com Portugal a simplificar os processos de entrada e integração, milhares de cidadãos ucranianos olharam para o país como um refúgio de paz e segurança (até porque também está geograficamente bem longe do conflito). E quais foram as regiões do país que mais atraíram estas famílias para recomeçar as suas vidas?

Os dados do idealista/data indicam que Lisboa foi o distrito mais procurado desde a Ucrânia para arrendar casa, contabilizando mais de 17 mil visitas em setembro de 2022 (+612% do que um ano antes). Logo a seguir está o Porto com 5,3 mil visitas desde a Ucrânia, seguido de Faro, Setúbal e da ilha da Madeira. Já os distritos portugueses menos procurados desde a Ucrânia para arrendar casa são a Guarda, Bragança e Beja.

A verdade é que a procura de casas para arrendar desde a Ucrânia disparou em praticamente todos os distritos entre setembro de 2021 e setembro de 2022 (antes e depois da guerra). Mas os dados analisados pelo idealista/news também revelam que o interesse por arrendar casa em Portugal já vinha a crescer na Ucrânia ao longo de 2021 face a 2020, numa altura em que as tensões entre a Rússia e a Ucrânia já começavam a escalar.

Ao nível dos municípios, salta à vista que arrendar casa em Lisboa, Cascais, Porto, Oeiras e Portimão despertou mais interesse desde a Ucrânia do que nos restantes concelhos no país. Neste top5 a procura em setembro de 2022 foi, pelo menos, 7 vezes superior face ao mesmo mês de 2021.

O interesse por viver em Portugal existe desde a Ucrânia. E também existem várias iniciativas privadas e públicas para alojar estas famílias que se refugiam da guerra, tal como noticiou o idealista/news. Mas, mesmo assim, o acesso à habitação tem sido considerado um dos maiores desafios dos refugiados ucranianos que chegam ao nosso país.

Foi isso mesmo que disse o Afonso Nogueira, coordenador de um espaço em Lisboa criado em conjunto com a autarquia lisboeta e com a Associação dos Ucranianos em Portugal: encontrar casa em Portugal para os cidadãos ucranianos é a “barreira que mais temos tido”, começa por explicar à Antena 1. “As pessoas para concorrer ao programa público de habitação, através do Porta de Entrada, precisam ter um contrato de arrendamento feito no mercado livre (…) e depois submeter esse contrato através da Câmara de Lisboa ao IHRU”, esclareceu Afonso Nogueira. O processo é complexo, mas, ainda assim, este voluntário português já prestou apoio a mais de 2.000 pessoas refugiadas, que identificam as dificuldades no alojamento como o grande travão à integração no país.

Os desafios de encontrar casa para viver em Portugal são transversais à própria sociedade portuguesa, que também vê a falta de oferta de habitação no mercado de arrendamento a fazer subir a pique as rendas das casas. Entretanto, o Governo de António Costa apresentou o plano “Mais Habitação” (que está em discussão pública e a gerar uma chuva de reações), para intervir no mercado com o objetivo de aumentar a oferta de casas para arrendar no país.

Ucranianos a viver em Portugal
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Cidadãos russos continuam interessados em viver em Portugal?

O interesse vindo da Rússia por viver em Portugal manteve-se mesmo superior ao observado desde a Ucrânia, apesar das sanções económicas e financeiras desenhadas pelo Ocidente para penalizar os oligarcas ligados ao Kremlin pela invasão militar à Ucrânia. Segundo os dados do idealista/data, observou-se uma ligeira descida (-1%) das casas para comprar em Portugal procuradas desde a Rússia entre setembro de 2022 e o mesmo mês de 2021. Mas, ainda assim, as casas à venda no nosso país atraíram mais de 20 mil visitas desde a Rússia só em setembro do ano passado (um valor superior às quase 13 mil visitas registadas desde a Ucrânia).

Até à invasão militar, os russos muito investiram em Portugal, nomeadamente através dos vistos gold. Só entre 2019 e janeiro de 2022, os investidores russos foram responsáveis por aplicar no país mais de 110 milhões de euros no país (sobretudo em imobiliário), tendo sido concedidas um total de 187 autorizações de residência por investimento. Mas dois dias depois do início da guerra na Ucrânia, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) decidiu suspender os vistos gold em Portugal para cidadãos russos – note-se que, entretanto, o Governo socialista de António Costa anunciou que quer acabar com o programa de vistos gold. Mas, mesmo assim, continuaram a ser submetidos novos pedidos aos vistos gold em Portugal por parte de investidores russos, que acabaram chumbados pelo SEF.

Além disso, os cidadãos russos, segundo se pode concluir pela análise realizada pelo idealista/news, continuaram a ter interesse em arrendar casa em Portugal, apesar da Comissão Europeia (CE) ter colocado, em setembro passado, novas exigências na emissão de vistos a cidadãos russos que dão acesso ao espaço europeu. Segundo os dados do idealista/data, a procura de casas para arrendar em Portugal registou quase 36 mil visitas desde a Rússia em setembro de 2022, três vezes mais do que no mesmo mês de 2021. Foi precisamente neste mês que Vladimir Putin decretou a mobilização militar parcial de cidadãos que se encontravam na reserva, o que gerou a fuga de milhares de civis russos para outros países.

Quais os efeitos da guerra no mercado residencial português?

A verdade é que a invasão da Rússia à Ucrânia teve consequências para todas as famílias que pretendem comprar casa em Portugal, sobretudo para as portuguesas, que têm menores rendimentos face às estrangeiras. Ou seja, o conflito armado tornou o acesso à habitação ainda mais difícil, devido a vários fatores:

  • o poder de compra das famílias viu-se diminuído com o aumento da inflação catalisada pelo conflito, uma vez que gerou uma crise energética sem precedentes e fez subir os preços dos alimentos. Por outro lado, abriu os olhos da Europa para agilizar a independência energética da Rússia através de energia renováveis;
  • as casas à venda ficaram mais caras por via da subida dos custos da construção;
  • os créditos habitação passaram a ter os juros mais elevados das últimas décadas, depois do Banco Central Europeu (BCE) ter subido as taxas de juros diretoras em 300 pontos base desde julho até fevereiro deste ano, uma política monetária que procura travar a alta inflação que se faz sentir na Zona Euro.

As consequências da guerra no mercado residencial só começaram a ser sentidas no final de 2022 e no início de 2023, através da contração da procura de casas para comprar e a desaceleração do montante concedido em créditos habitação, por exemplo. Mas qual será a verdadeira dimensão dos efeitos da guerra na Ucrânia nas economias? É esperado um abrandamento do crescimento económico na Europa, embora um cenário de recessão esteja, para já, afastado. Resta agora saber quando a inflação vai baixar para os níveis estáveis de (2%), já que é esse movimento que irá ditar o fim da política monetária mais restritiva dos bancos centrais, que tem efeitos na economia real e no sistema financeiro. Tudo depende de como evoluirá a guerra na Ucrânia, quanto dure o conflito e como a Europa (e o mundo, desde os EUA à China) vai responder aos seus impactos.

Impactos da guerra na economia
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*Notícia atualizada dia 24 de fevereiro, às 15h51, com declaração do responsável do idealista/créditohabitação em Portugal

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