BCE subiu juros para travar a alta inflação, encarecendo os créditos da casa. Custo da construção e preço das casas disparam.
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Guerra na Ucrânia
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O ano 2022 prometia ser de recomeços e de recuperação económica depois de o mundo ter sido impactado pelos choques da pandemia da Covid-19. Mas, no dia 24 de fevereiro de 2022, o mundo foi surpreendido pelo eclodir da guerra na Ucrânia em solo europeu. E tudo mudou. As famílias começaram a fugir da guerra – e muitas escolheram Portugal para se refugiar. A inflação começou a escalar ao longo do ano. E os bancos centrais, por sua vez, começaram a subir os juros diretores para tentar travar o ciclo inflacionista. Todo este cenário teve impactos no imobiliário, aumentando os custos da construção, os preços das casas à venda, assim como os custos com o crédito habitação.

Procura de casa em Portugal antes e depois da guerra na Ucrânia

Inflação a subir 2022
GTRES

Antes da guerra eclodir em solo europeu, os cidadãos russos e ucranianos já olhavam para Portugal como um local apetecível para comprar casa. E, segundo a análise do idealista/news aos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), entre 2012 e 2019 os cidadãos residentes em território russo investiram muito mais capital no mercado residencial português do que os habitantes da Ucrânia. Além disso, também ficou claro que os compradores residentes na Rússia adquiram casas mais caras, em termos médios, do que quem mora na Ucrânia.

No início de 2022, as tensões entre a Rússia e a Ucrânia começaram a escalar. E, com um conflito armado em cima da mesa, várias famílias ucranianas começaram a planificar a saída do país antes do início da invasão russa. E muitos escolheram Portugal para se refugiar, segundo mostraram os dados do idealista. As pesquisas de casas para arrendar em Portugal realizadas desde a Ucrânia aumentaram significativamente durante os meses de janeiro e fevereiro de 2022, registando uma subida de 855% em relação às pesquisas registadas durante o mesmo período de 2021.

A verdade é que assim que o conflito eclodiu, no dia 24 de fevereiro de 2022, Portugal abriu a porta de casa para receber famílias ucranianas que procuraram refugiar-se da guerra. Logo se multiplicaram as iniciativas para alojar e acomodar quem foge da guerra na Ucrânia, tanto por privados como pelo Estado português. A onda de solidariedade para com estas famílias que procuram paz e uma vida digna marcou a agenda noticiosa ao longo do ano:

Qual o impacto da guerra na Ucrânia na economia?

Crédito habitação mais caro em Portugal
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Assim que a guerra na Ucrânia eclodiu na Europa começou logo a mexer com as economias dos vários países do mundo. Somaram-se sanções económicas e financeiras à Rússia vindas do Ocidente, principalmente da União Europeia e dos EUA. Uma delas foi logo anunciada pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), que resolveu suspender os vistos gold em Portugal para cidadãos russos. Mas, mesmo assim, os oligarcas russos foram escapando às sanções europeias através de paraísos fiscais e investimentos noutros territórios, por exemplo.

Com os negócios congelados entre os Estados europeus e a Rússia liderada por Vladimir Putin, a Europa e o mundo começaram a sentir graves constrangimentos no abastecimento de gás e outros produtos energéticos, desencadeando a “pior crise energética desde os anos 70", tal como classificou Álvaro Santos Pereira, economista chefe da OCDE. Neste contexto, a produção e distribuição de alimentos, quer pela Rússia, quer pela Ucrânia (considerada o celeiro europeu) também ficou condicionada.

Foram precisamente estas restrições no abastecimento de energia e de alimentos que aceleraram a subida da inflação na Zona Euro ao longo do ano (fixou-se em 10% em novembro) e em Portugal (9,9%). As famílias viram, portanto, o seu poder de compra reduzido ao longo de 2022 e procuraram novas estratégias para poupar na energia e no supermercado, por exemplo. Para ajudar a mitigar o impacto da inflação nos bolsos dos portugueses, o Governo socialista de António Costa desenhou várias medidas de apoio às famílias - à semelhança de outros países europeus. 

Isto quer dizer que enquanto os bancos centrais estão empenhados em subir as taxas de juro para conter a procura e travar a alta inflação que se faz sentir, muitos Governos estão a agir em sentido contrário, dando apoios às famílias para não perderem poder de compra. Mas este cenário foi criticado por muitos por poder alimentar ainda mais o ciclo inflacionista. Foi por isso mesmo que o Fundo Monetário Internacional (FMI) alertou que a política monetária dos bancos centrais e a política orçamental dos governos têm de “demonstrar alinhamento” para reduzir a inflação.

Acontece que com o cenário de alta inflação com pano de fundo - e ainda muito acima dos 2% - e a subida dos juros pelos bancos centrais, há sinais de que a economia mundial poderá entrar em recessão já no próximo ano. Este é também um panorama desenhado para o espaço europeu por várias instituições internacionais. Já Portugal deverá esquivar-se à recessão económica em 2023.

Efeitos da guerra no imobiliário e na construção

Como os níveis de inflação estão muito acima do que é recomendável para garantir a estabilidade de preços (os 2%), os bancos centrais de todo o mundo começaram a subir as taxas de juro diretoras. E um deles foi mesmo o Banco Central Europeu (BCE), que só entre julho e dezembro, elevou a taxa de refinanciamento para os 2,5%. Este cenário macroeconómico marcado pela alta inflação e pela subida dos juros diretores acabou por impactar - e muito - os mercados imobiliários de vários países. E o mercado imobiliário português não foi exceção. 

Preços da construção a subir a pique ao longo de 2022

Custos da construção a subir
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A guerra na Ucrânia acabou por dar ainda mais gás à subida dos custos da construção (por via dos materiais), que já estava a aumentar desde a pandemia. Este fator acabou por encarecer ainda mais as casas à venda: o preço das casas compradas em Portugal deu o salto de 13,1% no terceiro trimestre do ano face ao mesmo período do ano passado, revelou o INE. Neste contexto, vários promotores imobiliários admitiram rever os preços das habitações à venda no mercado.

Com os custos de construção mais caros, os investidores sentiram vários pedidos de revisão em alta dos orçamentos dos empreendimentos. E a justificação principal foi a subida dos custos dos materiais de construção, bem como o encarecimento da mão de obra. Os projetos imobiliários que não conseguiram adaptar os seus orçamentos ao novo contexto de inflação ficaram mesmo pelo caminho.

Créditos habitação com juros mais elevados em 2022

Preços da energia em 2022
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O mercado hipotecário português começou a ficar mais caro desde o início do ano. Isto porque as taxas Euribor começaram a subir assim que o BCE anunciou que iria subir as taxas de juros diretoras pela primeira vez em 11 anos. Foi assim que a Euribor deixou os terrenos negativos (onde passou os últimos seis anos) e recentemente alcançou patamares dos 2% e 3%.

Este cenário acabou por ter impacto nos créditos habitação novos e existentes de taxa variável. Estando indexados à Euribor, as prestações da casa começaram a subir – e muito – ao longo de 2022 assim que foram atualizadas a 3, 6 ou 12 meses. E este cenário acabou também por influenciar as ofertas de crédito habitação de taxa fixa, já que os bancos acabaram por ajustar as taxas ao preço do dinheiro.

Investimento imobiliário via vistos gold continuou a crescer apesar da guerra

Investidores estrangeiros em Portugal
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A Rússia teve um papel importante no investimento imobiliário em Portugal nos últimos três anos. Através dos vistos gold, os investidores russos foram responsáveis por aplicar no país mais de 35 milhões de euros em 2019, mais de 37 milhões em 2020 e quase 34 milhões em 2021. Segundo os dados do SEF analisados pelo idealista/news, a Rússia foi mesmo um dos cinco países que mais investiram em Portugal através dos golden visa neste período. E a aquisição dos bens imóveis representou a maioria da finalidade deste investimento russo.

Mas com o início da invasão da Ucrânia pelas tropas russas, os investidores residentes no país liderado por Vladimir Putin deixaram de puder usufruir do programa golden visa, já que dois dias depois do início da guerra o SEF suspendeu a emissão de novas Autorizações de Residência por Investimento (ARI) para cidadãos russos. Ainda assim, meses mais tarde, o SEF deu conta que recebeu 10 candidaturas por parte de investidores russos.

Além de as sanções à Rússia aplicadas ao longo do ano terem influenciado o investimento imobiliário russo em Portugal e no espaço europeu, os profissionais do setor imobiliário logo alertaram para as repercussões na captação de investimento estrangeiro vindo de outros países, já que a Europa passou a ser o palco da guerra e o epicentro da instabilidade. Mas este cenário não se verificou, pelo menos em Portugal, já que o investimento imobiliário via golden visa subiu 24% entre os primeiros nove meses de 2021 e 2022.

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