António Costa tomou posse como primeiro-ministro dia 26 de novembro de 2015 e demitiu-se do cargo quase oito anos depois, no dia 7 de novembro de 2023, após ter sabido que está a ser investigado no âmbito de um caso de negócios relacionados com lítio e hidrogénio. A governação socialista de Costa deixou marcas, boas e más, nas áreas do imobiliário e habitação. Nomeadamente, foi criado o Ministério da Habitação, no início do ano, e apresentado e aprovado – já entrou em vigor – o polémico programa Mais Habitação para tentar resolver o problema de acesso à habitação e promover a oferta de casas acessíveis. Mas será que o legado de Costa deixa saudades no setor, agora que Portugal está mergulhado numa crise habitacional e também política? Contactados pelo idealista/news, alguns players falam em incerteza, instabilidade e perda de confiança por parte dos investidores, sobretudo na última etapa da era deste Governo de maioria absoluta, quando decidiu acabar com os vistos gold, revogar o regime dos Residentes Não Habituais e penalizar o Alojamento Local, por exemplo.
“No que respeita às políticas de habitação e, mais genericamente, do imobiliário, o Governo do António Costa foi possivelmente o pior das últimas décadas”, começa por dizer Eric van Leuven, Head of Portugal da Cushman & Wakefield (C&W). “A comunidade do imobiliário não vai ter saudades deste Governo”, acrescenta.
"No que respeita às políticas de habitação e, mais genericamente, do imobiliário, o Governo do António Costa foi possivelmente o pior das últimas décadas"
Eric van Leuven, Head of Portugal da Cushman & Wakefield
As críticas não ficam, no entanto, por aqui. “Demonstrou [o Executivo de António Costa] não entender de todo as dinâmicas do mercado e não parecia preocupado em conhecê-las. Com cada medida conseguiu minar a confiança dos intervenientes do mercado”, prossegue o responsável, enumerando algumas das decisões que considera serem desajustadas:
- Implementou um retrocesso na “Lei Cristas” de 2012 (que despoletou a regeneração dos centros urbanos, depois de décadas de abandono);
- Agravou a fiscalidade sobre a promoção e a posse de imóveis (nomeadamente através do AIMI e o agravamento absurdo do IMI sobre imóveis detidos por entidades sediadas em alegados “paraísos fiscais”);
- Não conseguiu ainda aproveitar os fundos do PPR para a criação anunciada de dezenas milhares de fogos de habitação social e acessível;
- Tudo culminando no pacote Mais Habitação que, embora tenha algumas, poucas, medidas positivas (que ainda carecem de regulamentação através de Portaria), representou uma enorme oportunidade perdida, e que arrasou com as réstias de confiança dos investidores privados, certamente resultando em Menos Habitação.
Já Claude Kandiyoti, CEO da promotora imobiliária belga Krest, fala em políticas que “criaram incertezas e confusão no mercado, o que nunca é bom”. “A culpa pelo aumento do preço da habitação foi atribuída aos promotores imobiliários, quando a verdadeira questão é libertar mais terrenos para desenvolver projetos no âmbito de um programa nacional claro de habitação a preços acessíveis. [E foi criada também] confusão sobre a estabilidade orçamental de Portugal”, lamenta.
"A culpa pelo aumento do preço da habitação foi atribuída aos promotores imobiliários, quando a verdadeira questão é libertar mais terrenos para desenvolver projetos no âmbito de um programa nacional claro de habitação a preços acessíveis"
Claude Kandiyoti, CEO da promotora imobiliária Krest
Do lado da mediação imobiliária, Ricardo Sousa, CEO da Century 21 Portugal, elogia a disponibilidade demonstrada pela secretaria de Estado e, mais recentemente, pelo Ministério da Habitação – tutelado por Marina Gonçalves – para trabalhar ativamente com os principais stakeholders do setor imobiliário, mas aponta o dedo, também, à instabilidade causada pelo programa Mais Habitação.
“(…) Reconhecemos o esforço deste Executivo com a definição do Mais Habitação e concordámos com os grandes objetivos gerais do programa, embora tenhamos discordado sobre a forma de os atingir e da implementação de muitas das medidas anunciadas. O programa tem boas intenções, mas gerou muita instabilidade e insegurança no mercado, o que se torna um fator negativo e dificulta o alcance dos objetivos pretendidos. Este conjunto de políticas peca, também, por excesso de intervenção estatal e teme-se que algumas medidas venham a ter um impacto contrário ao desejado”, alerta Ricardo Sousa, em declarações por escrito ao idealista/news.
Um opinião, de certa forma, partilhada por Rui Torgal, CEO da ERA Portugal, que considera que há impactos positivos e negativos a apontar: "O impacto mais positivo surge da criação de um Ministério da Habitação, que veio dar ao setor a devida importância. Por outro lado, e mesmo admitindo a boa intenção de algumas decisões, acredito que o Governo persistiu recorrentemente no erro de apresentar medidas pontuais ou de curto/médio prazo. Nenhuma medida estrutural foi assumida para resolver o problema na sua raiz, estimulando a oferta e a disponibilização de mais casas no mercado".
O que é importante pedir ao próximo Governo?
Depois de ouvir os oito partidos com assento parlamentar e estar reunido com o Conselho de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa decidiu aceitar formalmente a demissão de Costa e dissolver a Assembleia da República no início de dezembro, de forma a garantir a aprovação do Orçamento de Estado para 2024 (OE2024), que reforça as verbas das medidas do Mais Habitação. E convocou eleições Legislativas antecipadas para dia 10 de março de 2024. Portanto, só depois dessa data é que se vai conhecer quem fará parte do novo Governo de Portugal. E o que poderá o novo Executivo fazer diferente no que diz respeito às medidas que tocam a habitação e o imobiliário?
“Que faça um esforço para entender o funcionamento do mercado, regulando-o, mas não o estrangulando. E que alivie a carga fiscal, sobretudo na construção e posse de habitação”, responde Eric van Leuven.
Segundo o Head of Portugal da C&W, “qualquer atividade económica valoriza a estabilidade e a previsibilidade, e o imobiliário mais ainda, pois o ciclo de planeamento, construção e comercialização é longo”. E Portugal é, “infelizmente, conhecido pela ausência dessa estabilidade, nomeadamente em matéria legal e fiscal”, frisa, sublinhando que a “instabilidade criada pela queda do Executivo, a juntar às guerras na Ucrânia e Palestina, fará com que os investidores, nacionais e estrangeiros, fiquem ainda mais retraídos”.
Confrontado com a mesma questão, Claude Kandiyoti considera ser importante que o próximo Governo possa “articular uma política clara para resolver o problema da habitação, criando leis abrangentes através de um diálogo aprofundado com todos os atores do mercado”.
E centra atenções, também, na necessidade de “aumentar a estabilidade fiscal, que foi um dos alicerces de Portugal”. “Sem ela, os investidores estrangeiros e as instituições acharão Portugal menos atrativo para investimentos”, diz, enaltecendo que o impacto da crise política que vive o país deixará marcas: “Mais incerteza para os investidores”.
Ricardo Sousa, da Century 21 Portugal, é da opinião que o próximo Governo deve, a curto prazo, focar-se na criação de condições e apoios aos jovens para o acesso à habitação, no aumento substancial de habitação pública e nos incentivos à construção de habitação nova para a classe média.
"É absolutamente necessário repensar as políticas de habitação com base numa visão estratégica, de longo prazo, para começar a lançar agora as bases para construir as cidades do futuro, mais sustentáveis, inclusivas e acessíveis. Igualmente pertinente é manter um grande foco na atração e retenção de talento para o país"
Ricardo Sousa, CEO da Century 21 Portugal
“Também achamos muito importante que o próximo Governo mantenha uma lógica de proximidade com os vários atores do mercado. É absolutamente necessário repensar as políticas de habitação com base numa visão estratégica, de longo prazo, para começar a lançar agora as bases para construir as cidades do futuro, mais sustentáveis, inclusivas e acessíveis. Igualmente pertinente é manter um grande foco na atração e retenção de talento para o país”, destaca.
Estabilidade é, também para Ricardo Sousa, palavra de ordem. “Para o bom funcionamento do mercado imobiliário é fundamental haver um clima de estabilidade, confiança e previsibilidade. O atual contexto socioeconómico já é bastante desafiante, pelo que somar-lhe um momento de instabilidade política não deixa de causar uma preocupação acrescida, em várias dimensões”, conclui.
"Pedimos [ao próximo Governo] solução para o início do problema e não apenas medidas paliativas para mitigar consequências"
Rui Torgal, CEO da ERA Portugal
Do lado da ERA, espera-se que haja uma estratégia a longo prazo que se reflita em medidas estruturais. "Pedimos solução para o início do problema e não apenas medidas paliativas para mitigar consequências", sustenta Rui Torgal, dando alguns exemplos:
- Processos de licenciamento mais céleres;
- Desagravamento da carga fiscal para construção, recuperação e aquisição de imóveis;
- Incentivos à aquisição de casas por parte de investidores privados para arrendamento (mais oferta traduzir-se-á num equilíbrio dos preços) - é necessário erradicar o estigma de que os investidores privados prejudicam o mercado, porque quem constrói para vender ou recuperar assume muito risco;
- Medidas de apoio à compra da primeira casa por parte dos jovens;
- Mais investimento público em habitação destinada às famílias mais carenciadas ou a jovens em idade escolar;
- Alteração ao PDM por forma a criar mais zonas urbanas.
E será que esta crise política terá impacto nos negócios imobiliários no país? "Creio que não será assim tão significativo, sobretudo se tivermos em conta a volatilidade legal dos últimos tempos", responde Rui Torgal, criticando, sim, "a facilidade com que se fizeram alterações às leis e se mudavam as 'regras do jogo', [o que] criou uma incerteza tal que afastou investidores, promotores e até clientes". "Estas é que foram medias que impactaram diretamente nos negócios imobiliários. Continuo a afirmar que o ideal para o setor é ter menos Estado e mais mercado, salvaguardando naturalmente as situações de fragilidade social", remata.
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