
“O que estamos a ver é que há um comprador mais seletivo, que vem [para Portugal] por razões muito diferentes”. Quem o diz é Mark Harvey, que dirige o negócio residencial internacional da Knight Frank, parceira em Portugal da Quintela e Penalva. O especialista no mercado residencial de luxo – tem mais de 25 anos de experiência no setor em vários mercados internacionais – passou recentemente por Portugal e o idealista/news apanhou-o no aeroporto, já de regresso a casa. Em entrevista telefónica diz, por exemplo, que os cidadãos estrangeiros que fazem mira ao imobiliário nacional “estão à procura de propriedades realmente muito seletivas e especiais”.
Sem rodeios, considera que há no país “uma verdadeira escassez de ‘stock’ disponível nos mercados premium”, à semelhança do que acontece noutros segmentos do setor residencial. E antecipa que na Comporta ou na Quinta do Lago, “onde há [ou haverá] casas realmente únicas, o mercado vai, obviamente, ter maior crescimento e continuar a atrair maior interesse”.
Mark Harvey entrou para a Knight Frank em 2007 e é responsável pelo negócio residencial internacional da empresa imobiliária, sendo responsável pelo bom funcionamento e integração da rede de associados na Europa, Caraíbas e EUA.

O que podemos esperar do mercado imobiliário em Portugal este ano?
Estamos a viver um momento em que as pessoas já “respiram” um pouco. A procura tem estabilizado nos últimos 12 meses, mas o segmento de luxo/premium continua a atrair muita atenção. E estamos a ver os preços continuarem a subir. Falamos de um segmento de mercado acima dos 2,5 milhões de euros.
"(...) Há uma verdadeira escassez de ‘stock’ disponível nos mercados premium. Na Comporta ou na Quinta do Lago, onde há casas realmente únicas, o mercado vai, obviamente, ter maior crescimento e continuar a atrair maior interesse"
À medida que sobe a fasquia de preços, o aumento parece acelerar, porque há uma verdadeira escassez de ‘stock’ disponível nos mercados premium. Na Comporta ou na Quinta do Lago, onde há [ou haverá] casas realmente únicas, o mercado vai, obviamente, ter maior crescimento e continuar a atrair maior interesse.
É comum dizer-se que, nos últimos anos, Portugal tem estado no radar dos investidores estrangeiros. Este continua a ser o sentimento? Os investidores/compradores ainda procuram oportunidades imobiliárias no país?
Acredito que Portugal continua a atrair atenção, acho é que a forma e a natureza do investidor mudaram nos últimos anos. Estamos a ver fundos maiores a entrar no país e não estão necessariamente à procura de grandes unidades no centro das cidades, porque obviamente o planeamento tornou-se muito mais apertado, a disponibilidade de financiamento deteriorou-se e, claro, os custos de construção aumentaram.
O que estamos a ver é que há um comprador mais seletivo, que vem por razões muito diferentes. Diria que 50% dos investidores estão a comprar, porque querem ter as propriedades para uso pessoal ou para criar um legado para a família ao longo do tempo. É um tipo de uso de longo prazo, de dez anos por exemplo, para benefício pessoal. São pessoas que estão à procura de propriedades realmente muito seletivas e especiais. Alguns projetos na Comporta podem ser bons exemplos, onde pode haver uma combinação de licença turística com possibilidade de viver lá todo o ano.
"(...) Há um comprador mais seletivo, que vem por razões muito diferentes. Diria que 50% dos investidores estão a comprar porque querem usar as propriedades para uso pessoal ou para criar um legado para a família ao longo do tempo. (...) São pessoas que estão à procura de propriedades realmente muito seletivas e especiais"
A Comporta está altamente protegida, por isso pode antecipar-se que haverá um limite no número de unidades de luxo construídas ao longo do tempo. Essas são as que vão atrair as atenções, especialmente se estiverem associadas a uma marca: um conceito em que há um imóvel que é gerido num resort, com um elemento de hotel, irá apelar a um público internacional. Estes resorts não impactam negativamente no tecido social, pelo contrário, porque trazem emprego em várias especialidades, como por exemplo em jardinagem. Vejo isso como algo positivo e que os governos apoiarão se a ideia for apostar no turismo e aumentar a oferta de empregos.
Suponho que estejamos a falar das Branded Residences. É o tipo de produto que os investidores/compradores estão a procurar em Portugal?
Exatamente. Na perspetiva de um investidor estrangeiro, e claro que estamos a falar de imóveis exclusivos, há o conforto de saber que é uma propriedade que se pode usar com a família, mas também será cuidada por uma empresa de gestão internacional profissional que garantirá que a piscina, os jardins e a casa sejam mantidos adequadamente, com segurança.
É um lugar muito “sensato” para “estacionar” o dinheiro numa altura em que há incerteza global e “nuvens macroeconómicas”. É algo onde se pode não só investir dinheiro a longo prazo, mas também obter uso pessoal enquanto se geram rendimentos, porque se pode arrendar o imóvel.

As regras nas concessões de vistos gold em Portugal mudaram. Foi uma boa decisão?
Foi uma boa decisão pôr um travão, por agora. O problema é que [o Golden Visa] permitiu o acesso de um número significativo de estrangeiros à Lisboa central, às áreas urbanas. Mas o facto de haver mais estrangeiros a “competir”, talvez nem todos no mesmo nível económico, distorceu a forma do tecido social e, em muitos casos, trouxe mais problemas [na sociedade]. É uma questão muito sensível e os governos perceberam que talvez os benefícios não superem os pontos negativos. Sinto que foi a decisão certa a tomar, fazer o Governo parar e olhar para o planeamento e para a escassez de imóveis residenciais, tanto no segmento das habitações acessíveis para comprar como para o mercado de arrendamento. Esta é a próxima etapa que o Governo precisa de abordar.
Vai haver de novo eleições legislativas em Portugal. Acredita que a instabilidade política e legislativa é um problema para o país, nomeadamente para a atração de investidores?
A correlação entre instabilidade política e legislativa e confiança no investimento imobiliário nunca foi tão sentida, isto com toda a miríade de desafios e dinâmicas em jogo, como por exemplo a possibilidade de aumentar impostos sobre segundas habitações ou sobre a riqueza. As mudanças e desafios políticos e ambientais globais que enfrentamos estão a contribuir para enormes quantidades de incerteza, e as pessoas estão a lutar para “sobreviver” nesta paisagem tortuosa.
"O quadro em Portugal ainda é muito atrativo fiscalmente, muito apelativo. Ou seja, as pessoas estão bastante confortáveis, digamos, a investir, colocando dinheiro no setor imobiliário, e isso vai continuar, mesmo que haja pequenos contratempos, como novas eleições"
Em Portugal, repito, as pessoas [estrangeiras] que se estão a mudar não é em tempo integral: 50% dos compradores estão a comprar por estilo de vida a longo prazo, não estão a procurar mudar-se para cá. O quadro em Portugal ainda é muito atrativo fiscalmente, muito apelativo. Ou seja, as pessoas estão bastante confortáveis, digamos, a investir, colocando dinheiro no setor imobiliário, e isso vai continuar, mesmo que haja pequenos contratempos, como novas eleições.
Nos últimos anos, os investidores dos EUA têm apostado forte no imobiliário português. Que impacto pode ter a eleição de Donald Trump?
Houve muito otimismo quando Trump foi declarado vitorioso, assistimos àquilo a que se chama o “efeito trampolim” no mercado de ações, nos mercados imobiliários, no mercado das criptomoedas, etc. Mas o problema é que as suas verdadeiras intenções começaram a surgir e isso está a causar calafrios e incertezas em muitas pessoas, causando uma espécie de imprevisibilidade.
Sempre houve um fluxo constante de norte-americanos a mudar-se para a Europa, a desistir da cidadania, do passaporte etc., mas acho que isso definitivamente acelerou em 2024. E temos visto um aumento não só em Portugal como também na Irlanda, em Inglaterra, em Itália, locais onde há uma afinidade, algum tipo de conexão. Portugal foi muito rápido a garantir voos para, creio, sete cidades-chave dos EUA, o que foi fenomenal, tornou o país incrivelmente acessível.
"Não quero ser depreciativo, mas há uma adorável inocência e simplicidade em Portugal. Um lugar como Portugal é altamente apelativo e continuará a sê-lo, por isso acho que os norte-americanos vão continuar a vir"
Não quero ser depreciativo, mas há uma adorável inocência e simplicidade em Portugal. Um lugar como Portugal é altamente apelativo e continuará a sê-lo, por isso acho que os norte-americanos vão continuar a vir. Não vão fazer de Portugal a sua casa, mas vão investir, vão comprar casas em resorts e em locais onde há licenças turísticas. Espero que o Governo entenda isso e planeie [os temas do imobiliário] em conformidade, não destruindo o tecido social. E mais: não serão só os norte-americanos, acredito que muitas outras nacionalidades continuarão a vir para Portugal para desfrutar do país maravilhoso que é.

Mencionou a Comporta e a Quinta do Lago. Há mais localizações a ter em conta no mercado imobiliário de luxo?
A Comporta tem um estilo ligeiramente boémio, o ‘Hippie Chic’, uma espécie de luxo simples. Tem restaurantes, bares, simplicidade... E se se pensar assim: o que é o luxo para uma pessoa que já tem tudo, mas que tem pouco tempo, paz, vive rodeada de funcionários e com um horário realmente ocupado? Provavelmente é chegar a um lugar como a Comporta, que ainda é relativamente intocado e tem uma beleza natural absoluta, sendo selvagem, simples, calmo e… ao mesmo perto de Lisboa. Há poucos lugares na Europa que permanecem tão intocados e acessíveis. Mas é preciso, claro, ter cuidado. Os urbanistas têm uma responsabilidade enorme, porque pode-se destruir a beleza natural de uma área se não se for cuidadoso e não pensar a longo prazo.
Há em Portugal, tal como noutros países, uma crise na habitação, sendo urgente aumentar a oferta de casas para a generalidade dos portugueses, e a preços que possam estar ao seu alcance. Estes dois segmentos do mercado residencial podem coexistir, o luxo e o da chamada classe média?
Sim, mas são precisos governos progressistas que empreguem os especialistas certos e que haja uma visão a longo prazo e planeamento. Não se pode ser empurrar os trabalhadores para fora dos centros urbanos, em que demoram, depois, duas horas para chegar à cidade. É preciso pensar a longo prazo, mas acho que os urbanistas estão a começar a fazer isso, acho que há uma vontade. É preciso voltar ao conceito da cidade dos 15 minutos, onde se pode deixar as crianças na escola, ir às compras, ver os pais na casa de repouso, trabalhar, voltar do trabalho, ir buscar as crianças etc., tudo numa curta distância a pé ou de bicicleta. Ou seja, os dois “mundos” podem casar muito bem, mas é preciso ter definições muito claras e precisas de um Governo forte, corajoso e com pensamento avançado e moderno, e políticas para fazer as coisas acontecer.

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