Os custos da construção estão a subir vertiginosamente. E esta é uma das preocupações do momento para a fileira da construção e do imobiliário, que vê as suas margens de lucro esmagadas. E, para muitos, está em cima da mesa uma subida dos preços das casas para acomodar este aumento. Como os salários dos portugueses não acompanham este ritmo de evolução, as previsões não são as melhores, sobretudo, para a classe média: “As pessoas vão deixar de conseguir comprar casa”, admitiu Pedro Vicente, administrador da Habitat Invest, na conferência que decorreu na sexta-feira, dia 13 de maio, no Salão Imobiliário de Portugal (SIL).
Este não é, na verdade, um problema novo. “A escassez de materiais e falta de mão de obra não começou agora, já vinha a acontecer nos últimos anos. Isto aconteceu porque o setor estava adormecido e sentiu a pressão de ter uma alta velocidade e isso tem um preço”, explicou João Paulo Sousa, CEO da JPS Group, na ocasião. E a guerra da Ucrânia veio, portanto, agravar a subida dos custos de construção já existente.
A par da subida dos custos de construção, “há [ainda] um problema gravíssimo e transversal a todos nós: a falta de habitação para a classe média portuguesa. Esse eu não vejo maneira de ser ultrapassado. (...) Os preços das casas vão aumentar e as pessoas vão deixar de conseguir comprar casa. Os custos [da construção] estão a aumentar já antes da guerra da Ucrânia e as famílias têm salários ridículos”, sustentou Pedro Vicente na sua intervenção.
Para enfrentar este cenário, João Paulo Sousa referiu que o setor da construção e imobiliário tem duas alternativas em cima da mesa: “Ou param os projetos residenciais, ou nadam contra as ondas gigantes e é isto que o setor está a fazer”, garantiu. Mas como é que isto se faz?
 Há dificuldade de ajustar os preços das empreitadas
A verdade é que a subida de custos na construção sugere, desde logo, uma revisão de preços das obras. Para que isso seja possível, o Conselho de Ministros já aprovou um diploma neste sentido e dedicado somente às obras públicas, que os privados terão a liberdade de aplicar nos seus contratos se considerarem que faz sentido, tal como explicou Marina Gonçalves, secretária de Estado da Habitação, em declarações ao idealista/news à margem do SIL.
A título de exemplo, Pedro Vicente referiu que “na semana passada recebemos o orçamento para um dos nossos projetos, o Copa, que veio 30% acima do business plan”. E admitiu que, neste momento, “não vamos conseguir vender a um preço maior, porque o mercado não está preparado. E ao absorvermos os custos, vamos esmagar as nossas pequenas margens”, referiu ainda.
Também Paula Fernandes, CEO da RAR Imobiliária, salientou que a “maior dificuldade” que sente tem que ver com o ajuste do plano de negócios definido, dada a subida do custo de construção. “Antes era uma preocupação, mas não a este nível”, referiu ainda, adiantando que “estamos a atualizar as tabelas de vendas para tentar ajustar os preços de algum modo”, embora admita que não seja possível passar este aumento dos custos só para o comprador. "Agora queria não conseguir vender tão rapidamente para conseguir ajustar os preços", confessou ainda Paula Fernandes.
A questão é que “há rigidez dos projetos já aprovados e, muitas vezes, não há flexibilidade para ajustar os preços”, disse Cecile Gonçalves, board member do Grupo Libertas, explicando que “no mercado europeu não temos cultura de ajuste de preços”. “Alguns projetos conseguem absorver esse aumento, outros projetos de classe média portuguesa já não conseguimos pensar em aumentar e ajustar os preços”, referiu ainda Celine Gonçalves.
No caso dos projetos habitacionais direcionados para a classe média, Henrique Silva, COO da Norfin, referiu que a estratégia da empresa tem passado por “gerir internamente e ver como ajustar os projetos” à subida dos custos de construção, porque “não podemos de passar este risco para os compradores”.
 Como “nadar contra ondas gigantes” decorrentes da subida dos preços da construção?
“Temos de adotar medidas imediatas para conseguirmos combater os custos de construção, senão não vamos ter casas necessárias para o setor”, defendeu o CEO da JPS Group. E, no seu entendimento, isso passa por:
Diminuir a carga fiscal;
Reduzir a burocracia dos processos;
Agilizar licenciamentos;
Aplicar novas tecnologias;
Fidelizar a mão de obra com incentivos.
Para João Paulo Sousa “estas são medidas que temos que imperativamente de aplicar senão estaremos sempre a falar destas questões”.
Casas pré-fabricadas: uma solução para a classe média?
E no que diz respeito na criação de casas a preços mais ajustados às realidades das famílias foi ainda colocada outra hipótese em cima da mesa: a industrialização da construção de casas, que é “escassa” em Portugal, mas que se “está a tentar adaptar” ao mercado, muito embora “ainda não exista cultura para isso”, esclareceu ainda o CEO da JPS Group.
Também Cecile Gonçalves admitiu que a solução também poderá passar pela construção de casas pré-fabricadas. “A cultura terá de mudar e perceber que um imóvel pré-fabricado não tem má qualidade, há que ultrapassar isso. Temos de nos habituar porque acho que os preços [das casas] não vão baixar”, concluiu.
Cenário atual pede “reinvenção do setor imobiliário”
Para resolver este cenário, “há que puxar pela cabeça e inventar novas soluções diferentes (…) remos de nos reinventar”, disse Paula Fernandes, admitindo que “este é o maior desafio” da fileira da construção e imobiliário.
Também o COO da Norfin reforça que "temas extremos não pedem medidas extremas, mas antes criativas“. E acredita que "só conseguiremos mitigar o problema se trabalharmos em conjunto. Isto tem de ser transversal: tem de incluir financiamento, quem vende, quem constrói, quem investe. Temos trabalhado com as nossas equipas neste sentido”, reforçou Henrique Silva. Isto porque “o risco tem de ser repartido não pode estar só num lado”.
 E se o mercado imobiliário não se souber adaptar ao aumento dos preços da construção?
Se o mercado não se souber adaptar à subida dos preços da construção e se não houver uma resposta por parte do Governo, os investimentos futuros em habitação para a classe média poderão mesmo ficar comprometidos, já que, por um lado, as promotoras poderão não estar disponíveis em esmagar as margens de lucro e, por outro, as famílias não terão capacidade financeira de comprar casas com preços superiores decorrentes dos ajustes.
“Lançámos um projeto de casas para a classe média em Loures, mas deveremos abrandar este tipo investimento e voltar ao nicho do mercado de boutique que funciona muito bem. Aquilo que vamos assistir é que os promotores em geral vão desviar-se para este segmento [de luxo]”, antecipa o administrador da Habitat Invest. “O Governo precisa de idealizar e resolver o impacto dos preços na vida das pessoas”, concluiu Pedro Vicente.
 
 
 
 
 
 
 
 
Para poder comentar deves entrar na tua conta