
Mais Habitação. Quem não ouviu ou leu em algum momento do ano estas duas palavras? O polémico programa do Governo foi anunciado no início do ano e depois de avanços e recuos foi aprovado e já está em vigor: contempla, por exemplo, o fim dos vistos gold e o início do arrendamento coercivo. Antes, logo a abrir 2023, o Executivo de António Costa anunciou a criação do Ministério da Habitação, mostrando estar atento à crise habitacional na qual se vê mergulhado o país. Na reta final do ano, no entanto, nova polémica: o primeiro-ministro, que tinha tomado posse dia 26 de novembro de 2015, demitiu-se do cargo quase oito anos depois, no dia 7 de novembro de 2023. Caberá agora ao próximo Executivo – as eleições legislativas estão marcadas para dia 10 de março – dar continuidade ao Mais Habitação, uma herança pesada deixada pelo Governo socialista.
Mais Habitação, um programa com avanços e recuos
Foram muitas as vozes que se levantaram contra as medidas do pacote Mais Habitação, que foi proposto pelo Governo e aprovado no Parlamento apenas com os votos do PS, tendo sido publicado em Diário da República dia 6 de outubro e entrado em vigor no dia seguinte. As alterações legislativas decorrentes das medidas propostas entraram em vigor quase oito meses após a apresentação do Mais Habitação pelo Governo, em 16 de fevereiro.
Conforme escrevemos, o programa foi rejeitado por toda a oposição (os deputados únicos de PAN e Livre abstiveram-se), com argumentos distintos.
- À esquerda, exigiu-se um teto às rendas, a descida das prestações do crédito habitação, a suspensão dos despejos, o combate à especulação imobiliária e financeira e a proibição da venda de casas a não-residentes;
- Já à direita, acusou-se o Governo de atacar a propriedade privada e de prejudicar as famílias que dependem do Alojamento Local.
O pacote acabou por ser viabilizado pela maioria socialista no Parlamento dia 19 de julho, mas ainda teve de enfrentar o veto do Presidente da República, que em agosto o devolveu aos deputados, criticando a ausência de consenso político sobre a matéria e exprimindo um "juízo negativo" sobre as medidas propostas.
O PS anunciou então que voltaria a aprovar a proposta, sem qualquer alteração, o que acabou por acontecer, após reapreciação parlamentar, em 22 de setembro.
Em reação ao veto presidencial, a ministra da Habitação, Marina Gonçalves, assinalou que a proposta do Executivo “foi maturada” e teve em atenção as diferentes opiniões.

Raio-x ao Mais Habitação
A verdade é que, após vários avanços e recuos, o polémico Mais Habitação foi aprovado e já entrou em vigor. Trata-se de um decreto que prevê várias mudanças ao nível do arrendamento, do Alojamento Local, dos imóveis devolutos e de impostos.
A confirmação do decreto 81/XV, que aprova medidas no âmbito da habitação, procedendo a diversas alterações legislativas, foi viabilizada pela maioria absoluta do PS, apesar contestação da oposição e de várias associações (empresariais e da sociedade civil) ligadas ao setor.
As medidas mais polémicas e contestadas passam pela suspensão do registo de novos alojamentos locais fora dos territórios de baixa densidade e por uma contribuição extraordinária sobre este negócio, pelo arrendamento forçado de casas devolutas há mais de dois anos e pela imposição de um limite no valor dos novos contratos de arrendamento para casas que já estão no mercado. Neste artigo, recordamos o que vai mudar. E deixamos em baixo algumas das principais medidas previstas no Mais Habitação:
- Limitações à subida da renda dos novos contratos;
- Dedução do IMI familiar aumenta;
- Redução de 28% para 25% da taxa especial de IRS sobre as rendas;
- Arrendamento forçado de casas devolutas;
- Impenhorabilidade do apoio à renda ou juros bonificados;
- Mais-valias de casas vendidas ao Estado e municípios isentas de IRS;
- Benefícios fiscais à reabilitação urbana acabam para fundos de investimento;
- Contribuição extraordinária sobre o Alojamento Local;
- Caducidade e reapreciação dos registos de Alojamento Local;
- Condóminos podem opor-se a novos alojamentos locais;
- Suspensão de novas licenças de Alojamento Local;
- Incentivo à mudança das casas de AL para arrendamento;
- Rendas antigas atualizadas pela inflação;
- Arrendar para subarrendar;
- Balcão do Arrendatário e do Senhorio;
- Estado paga rendas em atraso após três meses de incumprimento;
- Benefícios fiscais para obras de casas do arrendamento acessível;
- Inquilinos podem comunicar contrato de arrendamento ao Fisco;
- Isenção de mais-valias na venda de imóveis para pagar empréstimo;
- Fim dos vistos gold;
- Solos ou edifícios disponibilizados a cooperativas de habitação;
- 250 milhões de euros para habitação a custos controlados;
- Linha de 150 milhões de euros para municípios realizarem obras coercivas.

Estado da habitação em Portugal
Passada a turbulência deixada pelo Mais Habitação, o Governo viu-se envolto em novas polémicas, nomeadamente relacionadas com medidas anunciadas para o setor imobiliário. A proposta de Orçamento do Estado para 2024 (OE2024) prevê o fim do regime dos Residentes Não Habituais (RNH), mantendo-o apenas acessível a pessoas com rendimentos que resultem de carreiras de docentes de ensino superior e de investigação científica ou de postos de trabalho qualificados no âmbito dos benefícios contratuais ao investimento produtivo do Código Fiscal do Investimento.
Seguiu-se, depois, a demissão de António Costa, após ter sabido que está a ser investigado no âmbito de um caso de negócios relacionados com lítio e hidrogénio. Nestes dois artigos fazemos um ponto da situação sobre a crise habitacional em Portugal e a herança deixada pelo Executivo socialista:
- Herança de Costa na habitação: mais instabilidade num setor em crise
- Raio-x à crise da habitação em Portugal no fim da era de António Costa
Que impacto terá o Mais Habitação para resolver a crise
Na reta final do ano, partindo de uma análise realizada pelo Bankinter, escrevemos que o ciclo imobiliário pode estar a mudar em 2024. Depois de os preços das casas em Portugal passarem anos a subir a grande velocidade, a sua evolução começou a abrandar ao longo deste ano, e as expectativas para o próximo ano apontam para uma ligeira correção dos preços das casas em 2%. O banco espanhol admite, de resto, que com a entrada em vigor do Mais Habitação, o imobiliário vai “perder atratividade” aos olhos dos investidores.
No artigo intitulado “Mais Habitação sem impacto: falta de casas e preços altos por resolver” ouvimos a opinião de alguns especialistas do setor sobre o impacto do programa: consideram que os portugueses vão continuar a ter problemas estruturais no acesso à habitação, apesar de enaltecerem alguns dos novos apoios criados. Deixamos, em baixo, outras notícias a não perder sobre o tema:
- Instabilidade política e crise de confiança: o temor das imobiliárias
- Crise na habitação? “Não há uma solução, é uma caixa de ferramentas”
- Estado da nação: crise na habitação já existia, mas piorou
- Há (pelo menos) 77 mil famílias a viver em condições indignas
- Imobiliário não pode ter “constantes alterações das regras do jogo”
- "Mercado intermédio está esquecido e é a solução para a habitação"
- Imobiliário vive "momento estranho" e precisa de mais casas
- Habitação em Portugal: são precisas mais casas, avisam promotoras

Simplex nos licenciamentos e aposta nas cooperativas
“Não se construiu ou reabilitou (o suficiente) nos últimos 12 anos”, dizia, em março, Reis Campos, presidente da Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário (CPCI). Uma mensagem, de resto, deixada por outras personalidades do setor ao longo do ano, que consideraram ser urgente aumentar a oferta de casas em Portugal para gerar habitação a preços acessíveis.
Os atrasos relacionados com os processos de licenciamento são uma das “feridas por sarar”, tendo impacto direto no aumento da oferta de casas e, consequentemente, no custo da habitação. Tendo noção disso mesmo, o Governo aprovou, em outubro, o decreto-lei que procede à reforma e simplificação de licenciamentos, no âmbito do programa Mais Habitação. O Executivo propõe eliminar licenças, autorizações, atos e procedimentos "dispensáveis ou redundantes" em matéria de urbanismo, ordenamento do território e indústria, deixando a porta aberta para futuramente adotar medidas também para os setores da agricultura e do comércio, serviços e turismo.
Em cima da mesa está ainda a aposta, por parte do Estado – através também do programa Mais Habitação – e do setor privado, nas cooperativas de habitação, de forma a conseguir construir mais casas. Sobre este assunto publicámos, por exemplo, os seguintes artigos:
- Crise na habitação: cooperativas querem ser "solução complementar”
- “Cooperativas aumentam a oferta de habitação a preços mais acessíveis”
- Habitação acessível: vem aí uma nova geração de cooperativas
A terminar, e numa altura em que é preciso cada vez mais reabilitar e construir casas novas que possam ser compradas e/ou arrendadas pela generalidade dos portugueses, surge um alerta. “Perdemos boa parte da capacidade de produção que tínhamos, fomos perdendo durante as várias crises, e neste momento mesmo que haja muito capital disponível não há engenheiros, técnicos, máquinas, gruas… suficientes para tudo. Temos boas relações com a generalidade das construtoras, mas sentimos e percebemos as dificuldades que têm para dar resposta ao volume que recebem”, revelou Francisco Sottomayor, CEO da Norfin.
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