
A reabilitação de imóveis públicos para colocar ao serviço da habitação é uma medida consensual entre atores políticos e especialistas em imobiliário. E tanto assim é que este tem sido um caminho trilhado nos últimos anos pelos vários governantes. Primeiro, o Executivo socialista de Costa reforçou a gestão de imóveis públicos pela Estamo em 2023 para dar cartas na habitação (e não só). E, agora, o Governo da AD de Montenegro está a preparar um regime fiscal que prevê a injeção semiautomática de imóveis públicos devolutos no mercado residencial, beneficiando desta herança deixada pelos seus antecessores legislativos. O que é certo é que a gestão do património imobiliário público continua a dar lucros de milhões de euros ao Estado e ganha agora uma relevância extra como solução crítica para ajudar a resolver a crise habitacional que se tem agudizado, nos últimos anos, em Portugal.
Uma das medidas do programa Construir Portugal, que o Governo de Montenegro quer levar avante para criar mais habitação, passa mesmo pelo desenvolvimento de um regime legal que garanta a “injeção semiautomática de imóveis devolutos” públicos no mercado residencial do país, depois de reabilitados. Este regime fiscal está ainda a ser preparado pelo Executivo da AD, mas já se sabe que vão ser os municípios que vão ter de identificar, de forma voluntária (por si ou em conjunto com privados), estes imóveis públicos devolutos. Depois, as autarquias devem apresentar um projeto de utilização dos imóveis ao Estado, através da Estamo.
Está é uma iniciativa aplaudida por vários especialistas da construção e do imobiliário ouvidos pelo idealista/news, que consideram que a disponibilização de imóveis públicos devolutos tem o potencial de aumentar a oferta de habitação, promover a reabilitação dos centros urbanos e até de reduzir o preço das casas. Mas consideram que articulação da medida entre o Estado, as autarquias e os privados afigura-se num grande desafio.
A verdade é que o Executivo de Montenegro vai beneficiar da herança deixada pelo antigo Governo de Costa, no que diz respeito à gestão de imóveis públicos. Admitindo a importância de mobilizar de ativos imobiliários públicos para desenvolver políticas da habitação, o antigo primeiro-ministro António Costa avançou com o Decreto-Lei n.º 60/2023, de 24 de julho, que veio estabelecer o novo modelo de gestão integrada do património imobiliário público da Estamo, uma das empresas do grupo Parpública (a ‘holding’ do Estado). E uma das novas competências da Estamo passa por “avaliar a aptidão habitacional do património imobiliário do Estado e dos institutos públicos, em articulação com o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU)”, lê-se no diploma.
Esta reorganização e reforço de competências da Estamo na gestão de imóveis públicos foi, assim, uma medida avançada por António Costa, que já pretendia colocar mais património do Estado ao serviço da habitação, nomeadamente casas em arrendamento acessível. E, agora, este diploma deverá ajudar Montenegro na implementação e gestão da injeção semiautomática de imóveis devolutos do Estado no mercado residencial, uma vez que o processo terá de passar pela Estamo.

Herança de Costa: como a gestão de imóveis do Estado foi reforçada
Foi com o objetivo de “criar valor na gestão de ativos imobiliários públicos”, que o antigo Governo de António Costa avançou com a “reorganização da gestão empresarial do património imobiliário do Estado e do Grupo Parpública”. Este foi um processo iniciado em 2023 que foi concluído no primeiro trimestre deste ano, quando o governante ainda estava em funções.
“Esta alteração traduz-se na evolução dos modelos de atuação e de organização, com o objetivo de adequá-los às novas necessidades e desafios e, assim, garantir a sua rentabilização económica, bem como um reforço do contributo para as políticas públicas, em particular as da habitação, enquanto condição necessária para a prossecução do interesse público no quadro da gestão de ativos”, lê-se no Relatório e Contas do Exercício de 2023 da Parpública, publicado na semana passada e agora analisado pelo idealista/news.
Ao abrigo do Decreto-Lei n.º 60/2023, a Estamo – que até então se dedicava apenas à rentabilização património imobiliário público, através do arrendamento, venda ou desenvolvimento - passou a ter “novos poderes e competências de gestão do património imobiliário público, em nome e por conta do Estado, anteriormente cometidos à Direção-Geral do Tesouro e Finanças (DGTF)”, pode ler-se no relatório. E, para levar a cabo estas novas funções, a DGTF vai pagar à Estamo 5 milhões de euros (mais IVA) por ano. Uma das suas novas tarefas passa por avaliar se os imóveis do Estado estão ou não aptos para serem convertidos em habitação.
Além disso, este diploma prevê o direito de preferência da Estamo “em caso de alienação ou constituição de outros direitos reais sobre imóveis de entidades públicas pertencentes à administração indireta do Estado e ao setor empresarial do Estado, nomeadamente quando estes não se encontrem sob sua gestão”, destaca ainda o documento.
Outra grande mudança no universo do grupo da Parpública foi a reestruturação societária das empresas de gestão imobiliária, nomeadamente a transição da Consest e da Arco Ribeirinho Sul diretamente para a gestão da Estamo:
- Arco Ribeirinho Sul (ex-Baía do Tejo): inclui um projeto com o mesmo nome que abrange operações de requalificação urbanística e de valorização do solo, com vista à reabilitação urbana de toda a zona normalmente identificada como as antigas instalações da Lisnave, junto a Almada, bem como os territórios geridos pela sociedade Arco Ribeirinho Sul. Além disso, possui ainda os parques empresariais anteriormente geridos pela ex-Baía do Tejo.
- Consest: esta sociedade continua o desenvolvimento imobiliário do seu único ativo que é constituído por dois prédios urbanos, um com 545 mil m2 e uma parcela com 36 mil m2, ambos situados na Amadora (distrito de Lisboa). A ideia é aqui construir habitação acessível e potenciar o valor do ativo.

Assim, “com vista a dotar a Estamo dos recursos necessários para dar resposta às novas exigências que lhe foram atribuídas, a Parpública subscreveu um aumento de capital da Estamo, no final do ano de 2023, no valor global de 212 milhões de euros, na sua maioria (196 milhões de euros) concretizado através da entrada em espécie da totalidade das participações detidas nas sociedades Arco Ribeirinho Sul e Consest, sendo o restante (16 milhões de euros) realizado ao longo do corrente ano através de entradas de numerário”, explicam ainda.
Claro está que estas mudanças na Estamo acabaram por se refletir na demonstração de resultados no ano passado. Por um lado, a remuneração de gestão de 5 milhões de euros ajudou a atenuar a queda de 10% volume de negócios de 2023 face ao ano anterior (fixou-se em 55,9 milhões de euros), “quase totalmente relacionada com o decréscimo das vendas” (que foi residual, de apenas 0,8 milhões de euros). E, por outro, o aumento de capital com a transferência das sociedades Arco Ribeirinho Sul e Consest justifica, em grande parte, o aumento anual do ativo da Estamo em 24%. Contas feitas, a gestora imobiliária do Estado terminou o ano com lucros de 43 milhões de euros (ligeiramente abaixo do ano passado).
Em 2024, além de assumir novas funções, a Estamo está a preparar vendas de imóveis na ordem dos 14,5 milhões de euros, que não foram realizadas no ano passado por “razões alheias” à sociedade.

Imobiliário público continua a dar lucro ao Estado em 2023
O que a demonstração de resultados do grupo Parpública também mostra é que a gestão de imóveis públicos continua a ser lucrativa e, portanto, a engordar os cofres do Estado. Os lucros do património imobiliário gerido pela Estamo, Fundiestamo e pelo subfundo “Cabeço da Bola” (este último com peso mais residual) ascenderam a 55,65 milhões de euros em 2023, mais 3% face a 2022. Este lucro foi gerado, sobretudo, pela “valorização dos ativos da Consest e da Arco Ribeirinho Sul”, agora sob gestão direta da Estamo.
Em concreto, os imóveis do Estado saíram valorizados no final de 2023 em 1.391 milhões de euros (descontando o efeito do aumento de capital na Estamo), apresentando um crescimento de cerca de 52,2 milhões de euros (+4%) em relação ao ano anterior, “salientando-se o acréscimo dos ativos da Estamo e da Arco Ribeirinho Sul, em cerca de 41,8 milhões de euros e 8,7 milhões de euros, respetivamente”, destaca o relatório.
Por outro lado, a menor contribuição das vendas de imóveis da Estamo - que atingiram 15 milhões de euros em 2022 com a venda do antigo Quartel do Cabeço da Bola (que será convertido em habitação), mas que, em 2023, apenas se situaram nos 786 mil euros – acabaram por impactar negativamente o volume de negócios no segmento imobiliário da Parpública, que foi de 68 milhões de euros no final do ano passado (-8%).
Note-se, ainda assim, o crescimento de 6% no volume de negócios de 2023 da Fundiestamo e da Arco Ribeirinho Sul face ao ano de 2022, “devido a uma maior dimensão dos ativos sob gestão (no caso da Fundiestamo) e ao incremento das rendas e taxas de cedência cobradas (no caso da Arco Ribeirinho Sul) principalmente no Parque Empresarial do Barreiro. A sociedade Consest e o subfundo 'Cabeço da Bola' não apresentam ainda rendimentos tratando-se de atividades imobiliárias em curso”, conclui.
A par de tudo isto, o ano de 2023 foi também marcado pela redução da dívida global no imobiliário do Estado para um milhão de euros, quando em 2022 ascendia a 12 milhões de euros. Este alívio da dívida deveu-se, "em grande parte, às operações de conversão de suprimentos e juros para os aumentos de capital social das participadas Arco Ribeirinho Sul (3,49 milhões de euros) e Consest (9,58 milhões de euros) realizados em 2023”, explicam.
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