
Em 2024, a crise na habitação continuou a ser um tema central nas políticas públicas em Portugal, refletindo a urgência de dar resposta à escassez de casas para comprar ou arrendar que afeta cada vez mais famílias em todo o país. Nos últimos anos, diferentes governos têm procurado implementar medidas para mitigar os problemas existentes e promover uma maior oferta de habitação acessível, mas, entre avanços e recuos, continua muito por fazer. E os desafios continuam.
O ano ficou marcado por uma fase de reavaliação de diferentes programas herdados do antigo governo socialista de António Costa, como o Mais Habitação e o Simplex. Mas não só. O novo Executivo da Aliança Democrática (AD), liderado por Luís Montenegro, apresentou uma nova estratégia para a habitação – o Construir Portugal –, destinada a estimular a construção, reabilitação e revitalização das cidades, bem como a disponibilização de solos e o reforço da capacidade de investimento. O Governo garante vai duplicar a construção de habitação pública prevista. Em vez das 26 mil casas prometidas no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), vão passar a ser construídas 59 mil habitações, que deverão estar concluídas até 2030.
Além disso, houve ainda novidades no IMT e Imposto do Selo para os jovens e incentivos anunciados para dar impulso às cooperativas de habitação. 2024 revelou-se como um ano de transição, com várias iniciativas em andamento, novos apoios, passos atrás e desafios que persistem. Eis um resumo do ano.

Programa Mais Habitação: medidas revogadas
O legado do programa Mais Habitação, lançado pelo anterior governo, continuou a estar no centro do debate. Concebido para enfrentar a crescente crise da habitação, o programa incluía uma série de medidas destinadas a aumentar a oferta de habitação acessível e a regular o mercado de arrendamento. Contudo, a chegada ao poder do governo de Luís Montenegro trouxe mudanças significativas, resultando na revogação de algumas dessas iniciativas.
As principais medidas revogadas:
- Arrendamento forçado de casas devolutas: Esta medida permitia ao Estado arrendar imóveis desocupados sem o consentimento dos proprietários, visando aumentar a oferta habitacional. O atual Governo considerou-a ineficaz e uma violação do direito de propriedade, optando pela sua revogação.
- Revogação da Contribuição Extraordinária sobre o Alojamento Local (CEAL): Esta contribuição, que impunha uma taxa adicional de 15% sobre os rendimentos de imóveis afetos ao AL, foi eliminada.
- Eliminação do Coeficiente de Vetustez no IMI para AL: O coeficiente de vetustez, que aumentava o valor do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) para propriedades utilizadas em AL, foi suprimido, resultando numa tributação mais favorável para os proprietários.
- Alterações no Regime Jurídico do AL: O Governo ajustou o regime jurídico da exploração dos estabelecimentos de AL, descentralizando competências para os municípios e eliminando restrições consideradas desproporcionadas à iniciativa privada no setor.
Vale a pena ler: Alojamento Local tem novas regras

Revisão do simplex à vista
A entrada em vigor do simplex dos licenciamentos urbanísticos - outra herança de António Costa -, através do Decreto-Lei n.º 10/2024, gerou grande controvérsia no setor imobiliário e da construção em 2024, destacando-se como uma das medidas mais discutidas no campo da gestão urbana e da administração pública.
A iniciativa tinha como objetivo simplificar os processos urbanísticos e permitir uma maior agilidade na aprovação de projetos, reduzindo a burocracia e promovendo o desenvolvimento de obras de construção e reabilitação. No entanto, o programa encontrou forte oposição, especialmente de municípios, profissionais do setor da construção, arquitetos, engenheiros ou notários, entre outros.

Com medidas implementadas em janeiro e março, o governo da AD anunciou que realizará uma revisão profunda da lei para corrigir falhas, tal como explicou o presidente da Ordem dos Arquitetos (OA), Avelino Oliveira, ao idealista/news, que acompanhou o tema de perto ao longo do ano:
- “Simplex veio introduzir alguma incerteza e provocar muitas dúvidas”
- Como resolver a crise na habitação? Com mais construção e reabilitação
- Lei dos solos e simplex revistos nas "próximas semanas" — idealista/news
- Governo quer que promotores voltem a poder pedir licenciamentos
- Casas licenciadas sobe 6% recuperando de queda gerada por simplex
- Licenças de casas novas descem por simplex, incerteza e menos construção
- Notários defendem licença de utilização obrigatória
- Arquitetos querem "alteração rápida e assertiva" ao simplex urbanístico
Construir Portugal: a estratégia do Governo para a habitação
Pouco mais de um mês após tomar posse, em maio, o Governo liderado por Luís Montenegro apresentava um “plano de choque”, isto é, a sua estratégia de habitação, batizada de Construir Portugal, com 30 medidas destinadas a enfrentar a crise habitacional do país. O plano contemplava ações que deveriam ser implementadas entre 10 dias e três meses, com foco no incentivo à oferta de habitação, promoção da habitação pública, estímulo à habitação jovem, simplificação legislativa e acessibilidade habitacional.
Entre as principais iniciativas estava o desbloqueio de 25.000 casas do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e a alteração da Lei dos Solos para permitir o uso de terrenos rústicos em soluções habitacionais sustentáveis, incluindo arrendamento acessível e habitação a custos controlados. O plano deu destaque especial à habitação jovem, com medidas como a isenção de IMT e Imposto do Selo ou a garantia pública

O primeiro-ministro comprometeu-se, na altura, a "restabelecer a confiança" dos portugueses no setor habitacional, sublinhando que a concretização da estratégia exigia um compromisso coletivo e colaboração com municípios, associações e cooperativas.
Aumentar o parque público em 59 mil casas
No âmbito público, o Executivo deixou claro na proposta de Orçamento do Estado para 2025 (OE2025) que pretende reforçar a execução das 26 mil habitações previstas no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). A estas juntará mais 33 mil, que já definiu como prioritárias e cujo financiamento será assegurado via Orçamento do Estado. No total, o Governo espera aumentar o parque público em 59 mil habitações, com um investimento anual médio de 665 milhões de euros.
Fomentar a habitação jovem
Em 2024, foram postas em marcha um conjunto de medidas para fomentar a habitação jovem, facilitando o acesso à primeira casa e promovendo a estabilidade económica das gerações mais novas, que enfrentam desafios relacionados com salários baixos e a escalada dos preços no mercado imobiliário. Entre as principais iniciativas destacam-se:
Isenção de IMT e Imposto do Selo: Jovens até aos 35 anos passaram a beneficiar da isenção do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e do Imposto do Selo na aquisição de habitação própria e permanente. A isenção total de IMT e de IS é para casas de valor até ao quarto escalão do IMT, isto é, até aos 316.772 euros e parcial para imóveis até aos 633.453 euros, aplicando-se a estes a taxa correspondente a este escalão (8%).
Isenção de IMT e IS na compra da casa: guia com perguntas e respostas
Garantia Pública para crédito habitação até 2026: Os jovens entre 18 e 35 anos de idade que queiram comprar a primeira casa já vão poder usufruir de uma garantia pública no crédito habitação até 15% do valor do valor do imóvel, se este não ultrapassar os 450.000 euros. Além disso, é preciso cumprir alguns critérios de elegibilidade, como rendimentos compatíveis e inexistência de propriedade anterior.
Garantia pública no crédito habitação entra em vigor sábado – até 2026
Alterações à lei dos solos para construir casas em terrenos rústicos
Recentemente, o Governo aprovou alterações significativas à lei dos solos, para aumentar a oferta de habitação acessível. Estas mudanças permitem a construção de casas em terrenos rústicos, com o objetivo de disponibilizar habitações a preços mais acessíveis.
A reclassificação de terrenos rústicos para urbanos será conduzida pelos municípios através de um processo simplificado de alteração dos Planos Diretores Municipais (PDM). Este procedimento inclui uma fase de consulta pública e requer a aprovação final pelas Assembleias Municipais.

Contudo, esta medida tem gerado grande debate. Alguns especialistas argumentam que a escassez de solo para construção não é a principal causa dos elevados preços da habitação, sugerindo que a solução deveria passar pela reabilitação de edifícios subutilizados e pela otimização dos espaços urbanos existentes.
Além disso, a Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN) alerta que, sem incentivos fiscais adequados, esta alteração legislativa poderá não ter o impacto desejado no aumento da oferta de habitação acessível.
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- Habitação acessível: nova lei dos solos com impacto limitado sem IVA a 6%
Outras medidas em destaque:
- Reforço da oferta de habitação acessível: O Executivo pretende promover parcerias público-privadas focadas no arrendamento acessível e na construção de habitações a custos controlados, além de identificar e libertar imóveis públicos para projetos residenciais, em colaboração com entidades locais.
- Linhas de financiamento para cooperativas e promotores: O Governo propõe linhas de financiamento para cooperativas e promotores que desejem construir habitação para arrendar a preços acessíveis, atraindo tanto fundos públicos como privados.
- Resposta de emergência para alojamento estudantil: O Executivo considera urgente resolver a falta de alojamento para estudantes, comprometendo-se a executar o Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior (PNAES), com a disponibilização de 13.300 camas até 2025.
- Entrega de 10 mil casas a famílias desfavorecidas: O Governo pretende entregar 10 mil casas a famílias em situação de vulnerabilidade, como uma das principais metas do PRR para 2025, visando aumentar a oferta de habitação social e assegurar o direito à habitação digna.
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