Jorge Bota, presidente da Associação de Empresas de Consultoria e Avaliação Imobiliária (ACAI), em entrevista ao idealista/news.
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Investimento imobiliário em Portugal
Jorge Bota, presidente da Associação de Empresas de Consultoria e Avaliação Imobiliária (ACAI) Créditos: Freepik | ACAI

Cautela e esperar para ver. Este é o sentimento que partilham vários players do setor imobiliário em Portugal, que está a passar por momentos desafiantes. Em causa estão, por exemplo, as alterações legislativas inseridas no programa Mais Habitação e as medidas previstas na proposta de Orçamento do Estado para 2024 (OE2024), às quais se junta a atual conjuntura económica, marcada por alta inflação e constantes subidas das taxas de juro. Por tudo isto, vive-se “um momento de muita prudência de todos os atores”, revela ao idealista/news Jorge Bota, presidente da Associação de Empresas de Consultoria e Avaliação Imobiliária (ACAI).

Segundo o responsável, “há projetos que há dois anos eram viáveis e que só pelo efeito da subida das taxas de juro deixaram de o ser”. “E, no caso de Portugal, o problema dos atrasos nos processos de licenciamento e da alta carga fiscal, por exemplo, acrescenta ainda mais incerteza”, salienta. 

Para o presidente da ACAI – que é também managing partner da consultora B. Prime –, “o problema da habitação não é exclusivo de Portugal”, sendo que o Estado nunca o vai “conseguir resolver sozinho”. Uma das soluções para aumentar a oferta, e que tarda em sair do papel, passa pela aposta no Build to Rent (BtR), ou seja, na construção de casas destinadas ao mercado de arrendamento. “Há alguns projetos, mas sempre para gamas muito altas que dão maior segurança jurídica aos investidores”, adianta.

A ACAI, recorde-se, tem como associadas as consultoras B. Prime, CBRE, Cushman & Wakefield, JLL, Savills e Worx, que são responsáveis por cerca de 95% dos negócios imobiliários envolvendo a propriedade comercial, através da sua prestação de serviços de avaliação, consultoria e/ou mediação. 

Prudência é palavra de ordem no imobiliário
Foto de Eduardo Goody na Unsplash

Fale-nos um pouco sobre atividade da ACAI este ano?

Tem sido um ano bastante animado, porque tem havido muitas iniciativas por parte do Governo e da Assembleia da República relativamente a nova legislação que impacta no setor imobiliário. E apesar da ACAI representar empresas de consultoria que estão mais dedicadas ao imobiliário comercial, a habitação é um setor que nos afeta e diz bastante, até porque muitos dos clientes dos nossos associados acabam por ser coincidentes com os de habitação. Uma das áreas que sempre defendemos de forma veemente, e que era uma pena que Portugal não investisse mais, está relacionada com a criação de condições para algo que está a funcionar muito bem em toda a Europa, o BtR

"Uma das áreas que sempre defendemos de forma veemente, e que era uma pena que Portugal não investisse mais, está relacionada com a criação de condições para algo que está a funcionar muito bem em toda a Europa, o Build to Rent"

Todos nós, associados da ACAI, temos recebido muitos contactos. E Espanha, por exemplo, deu um passo nesse sentido, tendo sido criadas condições muito atrativas para desafiar muitos desses investidores a investir fortemente nesse setor, porque o problema da habitação não é exclusivo de Portugal. Todos os países estão, de alguma forma, a tentar encontrar soluções que tornem o BtR atrativo e que seja canalizado o dinheiro que existe disponível em termos de investimento para esse segmento.

Que opinião lhe merece o programa Mais Habitação? Alguns players temem que os investidores comecem a olhar cada vez mais para outras geografias, devido a algumas das medidas contempladas, como por exemplo o fim dos vistos gold…

O Mais Habitação obrigou-nos a um envolvimento mais intensivo no processo todo que o projeto de lei teve desde a apresentação inicial até à sua conclusão, com a aprovação na AR e, agora, reaprovação. Tem sido, de facto, desafiante para a ACAI. 

As pessoas às vezes esquecem-se que o imobiliário é um produto de ciclo longo, ou seja, desde o momento em que se toma a decisão de fazer um determinado investimento até à sua conclusão já passaram três, quatro, cinco anos… Essa é a realidade do setor imobiliário. Portanto, quando mais precisávamos de intensificar o investimento no setor, e até estava a ir no caminho certo, porque muitos players já estavam a apostar noutros segmentos, os de gama media/alta e alguns de gama média, surge esta turbulência e incerteza: a falta de um mínimo de consistência do que iriam ser as condições do mercado. Não vou dizer que [as medidas do Mais Habitação] afugentaram totalmente os investidores, mas criaram uma situação de esperar para ver. 

"Não vou dizer que [as medidas do Mais Habitação] afugentaram totalmente os investidores, mas criaram uma situação de esperar para ver"

É verdade que o imobiliário é um produto de ciclo longo, mas também é um produto com capital intensivo. E as circunstâncias atuais, ainda por cima, não são as mais atrativas, nomeadamente devido às taxas de juro, porque o imobiliário também exige a necessidade de financiamento por parte dos bancos. Houve uma série de circunstâncias que fizeram abrandar os números. Houve, portanto, claramente uma redução do plano que havia de investimento de novos projetos. O que me preocupa é que depois o retomar não é carregar num botão e começar no dia a seguir, há uma certa inércia que é preciso vencer e recomeçar novamente todo o ciclo. 

A imagem que Portugal passa neste momento para o exterior, com constantes alterações legislativas, por exemplo, gera preocupação?

Se fosse só neste momento não estava muito preocupado, o problema é que Portugal é conhecido por isso. Somos reconhecidos negativamente por sermos um país com muita incerteza e instabilidade quer legislativa quer fiscal. 

Ainda assim, e apesar dessa imagem, os investidores continuaram a olhar para Portugal nos últimos anos…

Mas não é suficiente, porque o mercado tem crescido a um ritmo muito mais acelerado e vínhamos com um défice anterior, e falo de habitação, mas podia estar a falar de outros segmentos. O mercado da construção de escritórios e de logística, por exemplo, entre 2013 e 2017/2018 praticamente parou. Retomou a partir de 2018 gradualmente, mas há um défice de cinco anos de não construção, que é o que se passa na habitação, não há muita diferença.

"Estávamos habituados a fazer 100.000 casas por ano e passámos a fazer 10.000, e até temos mais necessidades, mas não conseguimos dar resposta a isto. Nem vamos conseguir rapidamente, porque isto demora tempo. É um problema que não se resolve de um dia para o outro"

Estávamos habituados a fazer 100.000 casas por ano e passámos a fazer 10.000, e até temos mais necessidades, mas não conseguimos dar resposta a isto. Nem vamos conseguir rapidamente, porque isto demora tempo. É um problema que não se resolve de um dia para o outro. 

Sobre o BtR, que mencionou em cima, é uma solução que tarda em ganhar expressão em Portugal. Porquê?

Há alguns projetos, mas sempre para gamas muito altas que dão maior segurança jurídica aos investidores. O que precisávamos era de ter condições para construir nos próximos três anos 200.000 casas, e não faço ideia se seriam suficientes. Mas era preciso uma intervenção. 

No passado, vimos que a cidade de Lisboa estava completamente degradada, mas foram tomadas algumas medidas/ações para facilitar esse investimento. Mesmo ao nível dos regulamentos construtivos foram dados incentivos a nível fiscal, e funcionou. Hoje as pessoas reconhecem que Lisboa, ou Porto, que é a mesma coisa, comparativamente com 2010 ou 2011, não tem nada a ver. Devíamos ter aprendido com essa experiência. O Estado nunca vai conseguir resolver este problema sozinho. Se temos um problema difícil, grave, temos de encontrar soluções que mobilizem não só o Estado, mas também os privados para mais rapidamente atuarmos, mesmo que seja algo temporário. 

Imobiliário em Portugal
Foto de Tomas Halajcik na Unsplash


A atratividade de Portugal está de certa forma ameaçada? O país ainda se mantém no radar dos investidores?

Portugal está ainda no radar, continuamos [as consultoras associadas da ACAI] a ser muito contactados. O problema é que… se as pessoas, os investidores, não tiverem garantias mínimas de que o investimento que estão a fazer tem um determinado resultado, não investem. E neste setor, como em outros, há também concorrência. E mais, o dinheiro é limitado. 

Ou seja, há capital e continua a haver investidores a querer apostar o país. Mas problemas como os atrasos nos processos de licenciamento, por exemplo, são um entrave, é isso? 

Sim, há interesse, dinheiro e vontade. Mas quando um investidor pergunta quando é que conseguirá obter uma licença de construção, não consigo responder. Pode demorar um ano, dois, três… não sabemos. Isso faz toda a diferença, porque o dinheiro que está imobilizado não tem o mesmo custo se for num projeto pensado para ano ou para três. E tudo isto onera o produto final. 

"O Estado nunca vai conseguir resolver este problema sozinho. Se temos um problema difícil, grave, temos de encontrar soluções que mobilizem não só o Estado, mas também os privados para mais rapidamente atuarmos, mesmo que seja algo temporário"

Há clientes à espera há mais de seis meses por uma licença de utilização, que decorre da entrega de todos os projetos finais, da forma como foi construído o edifício, termos de responsabilidade dos técnicos que assinaram esses projetos e que confirmam que está de acordo com o construído. E este número é uma média, porque é mais de seis meses. São pessoas que pagaram quase a totalidade do preço da casa, mas que não a podem habitar, porque não podem fazer a escritura. São promotores que têm um prédio vazio à espera de fazer escrituras para o entregar. O desperdício de recursos que existe numa coisa que é meramente burocrática. 

Houve a Troika, a pandemia e agora vivem-se momentos de alta inflação e subidas constantes das taxas de juro, sendo esta uma conjuntura geral e não nacional. Como definiria o atual momento que se vive no setor imobiliário? 

É um momento de muita prudência de todos os atores. É estranho, porque existe muita liquidez nos mercados. Não como anteriormente, em 2018, 2019, 2020, mas há ainda bons níveis de liquidez. Existe apetite pelo imobiliário, que é um ativo de investimento muito interessante, mas há muita prudência, porque os tempos que vivemos, não só em Portugal como na Europa, são de bastante incerteza. A questão da guerra, por exemplo… em qualquer momento as coisas podem mudar, tal como começaram de forma inesperada. Existe muita prudência e isso sente-se, ou seja, os mercados mantêm-se ativos, com uma boa dinâmica e positiva, mas claramente com um ritmo muito mais lento que o que vinha detrás. 

Há projetos que há dois anos eram viáveis e que só pelo efeito da subida das taxas de juro deixaram de o ser. E, no caso de Portugal, o problema dos atrasos nos processos de licenciamento e da alta carga fiscal, por exemplo, acrescenta ainda mais incerteza.       

"Existe apetite pelo imobiliário, que é um ativo de investimento muito interessante, mas há muita prudência, porque os tempos que vivemos, não só em Portugal como na Europa, são de bastante incerteza"

A principal falha, em Portugal, é a estratégia de aglutinar todas as partes, que falhou. O mais importante agora é que quem criou a solução [o programa Mais Habitação] a execute e demonstre que é eficaz. Este é o grande desafio. Se calhar estamos todos enganados e o Governo é que está a ver além do óbvio. O que desejamos é estar enganados. Temos é dúvidas disso, porque conhecemos bem o mercado. 

Considero que alguma forma as câmaras foram afastadas do processo, e elas são um participante essencial para que as coisas funcionem. E o que foi sendo sentido é que nem sempre elas estavam alinhadas e sintonizadas com o Governo

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