
A aposta no Build to Rent, ou seja, na construção de casas para arrendar, está cada vez mais no radar da MVGM, empresa de gestão de ativos imobiliários de origem holandesa que “aterrou” em Portugal no final de 2019, meses antes do súbito aparecimento da pandemia da Covid-19. Uma prioridade, de resto, que também não está a passar ao lado do Governo, que lançou recentemente a primeira obra de construção de raiz de habitação para renda acessível dos últimos 40 anos. “A área em que nesta altura estamos a apostar, e na qual estamos a trazer de fora um grande conjunto de conhecimentos e de boas práticas, é no setor residencial”, diz ao idealista/news Miguel Kreiseler, Managing Director da MVGM Portugal.
A MVGM Portugal gere um conjunto de ativos imobiliários que totalizam cerca de 850.000 metros quadrados (m2) e que englobam mais de 30 edifícios de escritórios e multiusos, como por exemplo o edifício Meridiano, em Lisboa, e o Burgo, no Porto, e sete centros comerciais:
- W Shopping (Santarém);
- Forum Barreiro (Barreiro);
- Campera Shopping Village (Carregado);
- Ferrara Plaza (Paços de Ferreira);
- Espaço Mais Grijó (Grijó),
- Évora Retail Park (Évora);
- Lago Discount (Vila Nova de Famalicão).
O foco está atualmente, no entanto, no segmento residencial, onde a MVGM já tem sob gestão mais de 300 apartamentos localizados na região da Grande Lisboa (Lisboa, Amadora, Sintra, Almada, Barreiro, Vila Franca e Setúbal).
“Acreditamos claramente que no curto ou no médio prazo será mesmo necessário construir para arrendar”, conta Miguel Kreiseler, salientando, na mesma entrevista, que uma das vantagens do Build to Rent prende-se com “o facto de as casas serem construídas, desenhadas e organizadas especificamente para o mercado de arrendamento”.

A MVGM entrou em Portugal no final de 2019. Porquê a aposta no país?
Foi em dezembro de 2019. A entrada da MVGM em Portugal, e de alguma forma em outros oito países da Europa, aconteceu através da compra do negócio de Property Asset Management à JLL, ou seja, de uma unidade de negócio da JLL. No fundo, convertemos esta unidade de negócio numa empresa autónoma, prestando serviços de Property Asset Management.
Este portefólio de imóveis adquirido pertence agora apenas à MVGM?
Somos totalmente autónomos, e o que foi adquirido não foi um portefólio de imóveis, mas sim o negócio de gestão de ativos imobiliários. A MVGM é uma empresa de gestão de ativos imobiliários, esse é o nosso foco. Gerimos sete centros comerciais, mais de 30 edifícios de escritórios, ou complexos de escritórios ou de uso misto, duas plataformas logísticas. Gerimos também um setor residencial que conta entre 300 e 400 unidades e que rapidamente pode dar um salto significativo, mas não é construção nova, são casas que já estão no mercado de arrendamento. O que fazemos é a gestão destes ativos imobiliários, ou seja, certificamos que estão a funcionar de forma adequada, que temos os ocupantes certos, faturamos, cobramos, gerimos as áreas comuns, gerimos a satisfação dos inquilinos, dos ocupantes. No fundo, asseguramos que tudo está a funcionar.
"Gerimos sete centros comerciais, mais de 30 edifícios de escritórios, ou complexos de escritórios ou de uso misto, duas plataformas logísticas. Gerimos também um setor residencial que conta entre 300 e 400 unidades e que rapidamente pode dar um salto significativo, mas não é construção nova, são casas que já estão no mercado de arrendamento"
E estão sempre em contacto direto com os proprietários desses imóveis?
Precisamente. O que fazemos é implementar no terreno aqueles que são os planos dos ‘fund managers’ ou dos ‘asset managers’, fazemos essa implementação, essa execução, e desenvolvemos esses planos em conjunto com eles, no sentido de aumentar a rentabilidade dos ativos, de prolongar a sua vida útil e, no fundo, de agregar e gerar valor.
Quem são os proprietários dos imóveis que a MVGM tem sob gestão?
Temos um pouco de tudo. Como o portefólio é muito diversificado, temos desde fundos internacionais, fundos institucionais, entidades bancárias, fundos nacionais, family offices. Temos uma série de investidores distintos, portugueses e estrangeiros, temos investidores de menor dimensão e grandes investidores institucionais, trabalhamos com um conjunto grande de bancos nacionais e também alguns internacionais. Fazemos, por exemplo, a gestão para um fundo internacional extremamente grande, que tem em carteira um edifício de escritórios e um conjunto significativo de hipermercados.
Qual é o valor estimado da carteira de imóveis sob gestão da MVGM?
São cerca de 1.100 milhões de euros e são cerca de 75 imóveis, num total de 850.000 m2, aproximadamente. Os números mantém-se face aos divulgados aquando da entrada em Portugal, vamos tendo sempre oscilações, acontece entrarem e saírem ativos, mas este valor mantém-se mais ou menos estável e de alguma forma alinhado com as nossas expetativas, considerando todo o enquadramento que tivemos oportunidade de viver durante este período.

Escritórios, centros comerciais, residencial, logística… Em que segmento está o maior foco?
O foco maior é o segmento de retalho, de centros comerciais, onde temos o peso maior. Imediatamente a seguir estão os escritórios. A área em que nesta altura estamos a apostar, e na qual estamos a trazer de fora um grande conjunto de conhecimentos e de boas práticas, é no setor residencial. Se por um lado, quando olhamos para o setor dos centros comerciais ou edifícios de escritórios somos nós, a partir de Portugal, que estamos a partilhar a nossa experiência com os outros países, no caso do setor residencial, onde a MVGM na Holanda é extremamente forte, quer na Holanda quer na Alemanha, estamos a importar esse 'know how' e a fazer crescer este negócio. O que estamos a fazer também é o Property Management, a gestão dos projetos que estão a aparecer de Build to Rent ou de Multifamily.
"A área em que nesta altura estamos a apostar, e na qual estamos a trazer de fora um grande conjunto de conhecimentos e de boas práticas, é no setor residencial. (...) O que estamos a fazer é o Property Management, a gestão dos projetos que estão a aparecer de Build to Rent ou de Multifamily"
É algo que na Holanda já é muito comum?
Na Holanda gerimos praticamente 100.000 unidades residenciais, é um negócio completamente maduro e muito importante para grande parte dos investidores. Por isso, até com a chegada da MVGM a um conjunto mais alargado de países, uma série de investidores que estão na Holanda estão connosco à procura de oportunidades noutros países, porque acreditam que o setor residencial, mesmo em tempos de dificuldade, acaba por ser um setor de refúgio e importante para se investir.
O segmento residencial e o mercado de arrendamento é um dos desafios e uma das dificuldades que todos os países enfrentam, não é só Portugal, por isso a importância de conseguirmos ajudar estes investidores a virem também para Portugal para fazer crescer este negócio.
"(...) Acreditamos que será altamente provável que no futuro, mais a curto ou a médio prazo, o Build to Rent e o arrendamento voltem. (...) Naturalmente que as questões relacionadas com as mudanças legislativas trazem algumas dificuldades, no entanto, esta é claramente uma área onde é preciso haver oferta. Uma das grandes vantagens, quando olhamos aos projetos de Build to Rent, é o facto de as casas serem construídas, desenhadas e organizadas especificamente para o mercado de arrendamento"
Há muito que se fala na aposta no Build to Rent, mas muitos players referem que ainda há em Portugal algumas barreiras a este tipo de negócios. Partilha desta opinião?
No setor residencial, se olharmos para Portugal nos anos 50 e 60, o setor de arrendamento era extremamente forte, depois houve um conjunto de alterações, mas acreditamos que será altamente provável que no futuro, mais a curto ou a médio prazo, o Build to Rent e o arrendamento voltem. Já existe arrendamento, mas está muitas vezes disperso por um grande conjunto de pequenos investidores. Ou seja, temos um conjunto significativo de pessoas que acabam por dispor as poupanças na compra de mais um ou dois apartamentos para rendimento. Também há family offices que fazem a mesma coisa. Uma das dificuldades é que o portefólio de edifícios inteiros para arrendamento é relativamente baixo. Naturalmente que as questões relacionadas com as mudanças legislativas trazem algumas dificuldades, no entanto, esta é claramente uma área onde é preciso haver oferta. Uma das grandes vantagens, quando olhamos aos projetos de Build to Rent, é o facto de as casas serem construídas, desenhadas e organizadas especificamente para o mercado de arrendamento.
As pessoas não têm essa noção, mas é ligeiramente diferente construir para arrendar que construir para vender. Se vou construir para vender, se calhar vou preocupar-me mais com a questão estética, mas se estou a construir para arrendar preocupo-me também com a questão funcional e com a própria durabilidade.

No caso do Build to Rent, estamos a falar de projetos mais afastados do centro de Lisboa, por exemplo? Como funciona na Holanda?
Na Holanda é muito curioso, porque acaba por estar espalhado, quer nos centros das cidades, quer nas periferias, quer em zonas nobres. Na Holanda, tal como em Portugal, houve a conversão, por exemplo, de alguns edifícios de escritórios para zonas residenciais. Esta renovação acaba por existir, o que vai dificultar é a equação entre os custos de aquisição do terreno, os custos de construção e depois, no fundo, aquilo que faz sentido poder ser pago pelos futuros arrendatários dos imóveis. Quando temos alterações legislativas e alterações do ponto de vista fiscal com grande regularidade, torna-se mais difícil, e alguns investidores têm algum receio. Se calhar temos investidores internacionais que poderiam estar a investir e a construir de raiz para arrendamento em Portugal e hoje são um pouco mais cautelosos, porque têm algum receio.
"Se calhar temos investidores internacionais que poderiam estar a investir e a construir de raiz para arrendamento em Portugal e hoje são um pouco mais cautelosos, porque têm algum receio [das constantes alterações legislativas]"
O cenário atual de inflação alta, custos de construção a subir, crise energética, etc. pode de certa forma afastar os investidores de Portugal?
Quando olhamos ao tema da pandemia e da guerra, acaba por ser transversal em toda a Europa. Diria até que Portugal acaba por estar um pouco mais afastado da zona de conflito, e sentimos que a procura em Portugal por arrendamento tem aumentado. Há um conjunto grande de pessoas, os chamados nómadas digitais, que acabam por escolher Portugal para viver e para trabalhar. Muitas vezes, estes profissionais têm uma vantagem: ao trabalharem para empresas de outros países, acabam por fazer quase arbitragem, ganham os salários de quem está lá fora, mas vivem com o custo de vida de quem está em Portugal. Nessa medida, acabamos por ter bastante procura e acreditamos claramente que no curto ou no médio prazo será mesmo necessário construir para arrendar.
A aposta no Build to Rent é, então, uma aposta clara da MVGM Portugal?
É claramente uma aposta por um efeito de necessidade. Em Portugal, com a chegada destas novas pessoas e com o nosso modelo de organização, vamos precisar de mais casas no mercado de arrendamento. Podemos continuar como estamos hoje, com esta oferta completamente dispersa, ou então, havendo maior estabilidade legislativa e fiscal e capacidade de atrair investidores, podemos ganhar também aqui alguma escala.
"Podemos continuar como estamos hoje, com esta oferta completamente dispersa, ou então, havendo maior estabilidade legislativa e fiscal e capacidade de atrair investidores, podemos ganhar também aqui alguma escala"
Quando chegarem ao mercado, que rendas poderão ser praticadas nestas casas? Pode haver uma correção de preços?
A vantagem de construir de raiz para arrendamento é claramente conseguir estimar e ajustar os custos. O preço final de arrendamento estará sempre dependente de várias questões: o investimento com o custo do terreno, com o custo de construção, com a carga fiscal, etc. O que nos parece é que se as autarquias e o Estado olharem para as entidades privadas e para estes investidores como oportunidade, podem ajudar a resolver este problema difícil que é o problema do mercado habitacional.
Continua a haver interesse dos investidores em investir em Portugal, nomeadamente no Build to Rent?
Trabalhamos com grande proximidade com Espanha, onde há um conjunto muito grande de investidores a investir de forma significativa na construção nova para o mercado de arrendamento, que nós queremos também trazer para Portugal. Tem havido várias tentativas de promotores de construir para arrendar, mas muitas vezes o que acontece é que quando se aproxima a fase final de tomada de decisão verificam que vendendo as casas, à unidade, conseguem ter um retorno maior que vender em conjunto no mercado de arrendamento.

Já há em Portugal projetos de Build to Rent em funcionamento?
Existem bastantes edifícios que estão no mercado de Build to Rent. Nos anos 50, se olharmos, por exemplo, para a zona da Almirante Reis (Lisboa), todos aqueles edifícios eram construídos para o mercado de arrendamento. Há muitos que continuam a funcionar dessa forma. Existem algumas carteiras de imóveis no mercado de arrendamento que estão organizadas dessa maneira. Um dos nossos clientes, a quem gerimos um portefólio de casas de arrendamento, acaba por ter um misto: em alguns casos tem vários edifícios que estão todos arrendados e noutros acaba por ter casas avulsas que vai comprando, em função da disponibilidade do mercado.
A cultura dos portugueses de preferirem ser proprietários em vez de inquilinos não ajudará, de certa forma, a contribuir para que o mercado de arrendamento perca força?
Um dos motivos pelos quais os portugueses compram casa é porque a própria oferta do mercado de arrendamento não é significativa. Se calhar, o mercado de arrendamento não é mais florescente porque não há oferta.
Considera que havendo uma correção de preços e aumentando a oferta, o mercado de arrendamento poderá ganhar força face ao de compra e venda, tendo em conta o atual contexto que se vive de elevadas taxas de juro, por exemplo?
Sim, principalmente para as pessoas que querem entrar neste novo mercado. Acreditamos que na situação atual, e tendo uma expetativa pela positiva, os bancos vão ajudar as famílias no sentido de lidar com o crescimento da taxa de juro. Mas diria que a dificuldade vai ser para as pessoas que queiram comprar novas casas, aí pode ser um pouco mais desafiante, e nessa medida o mercado de arrendamento será claramente uma oportunidade.
O segmento residencial é, como disse em cima, uma aposta clara da MVGM em Portugal. Porquê?
O residencial acaba por ser quase um desígnio nacional, ou seja, se não houver sítios onde as pessoas consigam viver em condições, isso pode hipotecar o resto. Posso ter escritórios espetaculares, mas se não houver sítios para as pessoas que vão trabalhar nesses escritórios viverem é mais difícil. Queremos estar cá e estamos cá para ajudar os investidores, os promotores, as autarquias.
Vou contar um caso curioso: alguns municípios holandeses definiram que em determinadas zonas da cidade e nos centros tem de haver pessoas a viver que tenham profissões necessárias e importantes, como lhes chamam. Definiram determinadas zonas, onde vão construir 100 ou 150 apartamentos, e têm de ser destinadas a pessoas com determinadas profissões, como médicos, bombeiros, polícias, professores etc. E contrataram a MVGM para ajudar na redistribuição destas casas por pessoas com estas profissões. Depois, todos os anos, uma das nossas obrigações é verificar que os pressupostos se mantêm, ou seja, se a pessoa que recebeu a casa e era bombeiro, e viva no centro da cidade por determinado valor, continua a ser bombeiro.
"O residencial acaba por ser quase um desígnio nacional, ou seja, se não houver sítios onde as pessoas consigam viver em condições, isso pode hipotecar o resto. (...) Acreditamos que do trabalho em conjunto entre o setor público, o setor privado e as organizações de várias áreas conseguimos fazer um trabalho melhor. Acreditamos no trabalho colaborativo"
Temos uma empresa ligada à gestão de dados de informação e trabalhamos com as autarquias e com o Estado no desenvolvimento da procura, dando conta que, com base nos dados que recolhemos, se calhar são precisas mais casas em determinada zona, ou que numa zona em específico há população mais envelhecida e é preciso haver mais centros de dia, por exemplo. Acabamos por estar ao serviço e a trabalhar em conjunto com o setor público, o que é muito importante.
Em Portugal, colaboramos de forma ativa com várias entidades no setor residencial, como a APPII, a APEMIP e a Urban Land Institute, e temos estado a colaborar, a produzir informação para podermos ajudar o setor público a ser mais eficiente e mais eficaz. Continuamos sempre disponíveis para ajudar nesta área, porque acreditamos que do trabalho em conjunto entre o setor público, o setor privado e as organizações de várias áreas conseguimos fazer um trabalho melhor. Acreditamos no trabalho colaborativo.
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