Nuno Antunes, presidente da Associação dos Industriais da Construção de Edifícios, fala sobre como resolver a crise da habitação.
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Construção e reabilitação de casas em Portugal
Nuno Antunes, presidente da AICE | Vista panorâmica de Lisboa Créditos: AICE | Freepik

“A crise da habitação só se resolve com mais investimento na construção e na compra para arrendamento, mais construção e reabilitação, mais habitações para venda e para arrendamento. Só medidas claramente direcionadas para esses fins e que deem confiança aos particulares poderão mostrar-se eficazes”. Quem o diz, em entrevista ao idealista/news, é Nuno Antunes, presidente da Associação dos Industriais da Construção de Edifícios (AICE), associação sem fins lucrativos fundada a 7 de novembro de 1975 “por um grupo de empresários empenhados em juntar esforços para profissionalizar o setor”, segundo é possível ler no site da entidade.

Trata-se de uma associação que “representa pessoas singulares ou coletivas, titulares de empresas ligadas à área da construção ou que que exerçam funções que promovem os interesses do setor, a nível nacional e internacional”, adianta a AICE. 

Na mesma entrevista, Nuno Antunes faz uma viagem ao passado do setor da construção e da reabilitação em Portugal e aborda, também, alguns dos assuntos mais polémicos da atualidade, como o chamado simplex dos licenciamentos. A propósito da entrada em vigor do (Decreto-Lei n.º 10/2024), considera ser cedo para fazer avaliações, mas salienta que algumas normas agora publicadas eram “reclamadas há muito pela AICE e contribuirão seguramente para a simplificação da atividade”. No entanto, alerta, “há contradições legislativas que criam insegurança e sinais que vão chegando (…) fazem crer que no final a simplificação poderá ser mais aparente do que real”. 

Construção de casas
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Fale-nos um pouco sobre o seu legado enquanto presidente da AICE. Desde quando é presidente? Que balanço faz do mandato? O que esperar do ano de 2024? 

A atual direção e demais órgãos sociais da AICE tomaram posse em maio de 2023. As perspetivas para o ano de 2024 são de crescimento do setor da construção, designadamente no respeita à construção nova e reabilitação de edifícios habitacionais.

Para tanto é necessário que a conjuntura se mostre propícia ao aumento da oferta, com melhores condições de investimento e de realização de obras e, por outro lado, que existam condições sociais, económicas e legais que fomentem a procura, quer para habitação própria, quer para investimento.

“A AICE integra associados de todas e quaisquer empresas de promoção, construção, reconstrução, reabilitação de edifícios e demais atividades conexas com as operações imobiliárias que, com princípios de lealdade e ética, contribuem para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos e para o futuro das novas gerações”, lê-se no site da AICE. Tem sido uma missão fácil de concretizar?

As empresas do setor não têm tido uma vida fácil: depois do ‘boom’ da construção que se verificou no final do século XX, início do século XXI, o país mergulhou na maior crise económica de que há memória, provocada pela crise da dívida soberana, que levou ao desaparecimento de milhares de empresas de promoção e construção. Depois disso a pandemia, a instabilidade económica provocada mormente pela guerra na Ucrânia, a instabilidade política, continuam a condicionar o desempenho da economia portuguesa e, necessariamente, o desempenho das empresas que se dedicam à promoção e construção para venda, para cuja atividade é essencial um ambiente de estabilidade e confiança sem o qual não há investimento.

"(...) A pandemia, a instabilidade económica provocada mormente pela guerra na Ucrânia, a instabilidade política, continuam a condicionar o desempenho da economia portuguesa e, necessariamente, o desempenho das empresas que se dedicam à promoção e construção para venda, para cuja atividade é essencial um ambiente de estabilidade e confiança sem o qual não há investimento"

O setor da construção foi dos que se mostrou mais resiliente nos últimos anos, nomeadamente durante a pandemia. Volta agora a estar no centro das atenções, devido ao simplex dos licenciamentos. Que mensagem gostaria de deixar sobre este tema? 

Ainda é cedo para avaliar o simplex dos licenciamentos. Algumas normas agora publicadas há muito que vinham sendo reclamadas pela AICE e contribuirão seguramente para a simplificação da atividade. No entanto há contradições legislativas que criam insegurança e sinais que vão chegando, nomeadamente os que decorrem de regulamentação entretanto publicada, fazem crer que no final a simplificação poderá ser mais aparente do que real. É disso exemplo o facto da regulamentação prever a obrigatoriedade de comunicar às câmaras o início de obras não sujeitas a controlo prévio, quando tal obrigação não consta nem nunca constou do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) ou da sua anterior regulamentação.

O que mais preocupa a AICE neste contexto, de entrada em vigor de novas regras/medidas relacionadas com o setor da construção?

As novas regras têm sobretudo a ver com a redução do controlo prévio das obras por parte das câmaras e com a uniformização dos procedimentos, o que é bom, mas a complexidade do processo construtivo não tem qualquer alteração e cada vez é maior. 

"Ainda é cedo para avaliar o simplex dos licenciamentos. Algumas normas agora publicadas há muito que vinham sendo reclamadas pela AICE e contribuirão seguramente para a simplificação da atividade. No entanto há contradições legislativas que criam insegurança e sinais que vão chegando (...)"

Portugal foi recentemente a votos. Considera que o novo Governo deveria ou poderia reverter algumas das medidas tomadas? Quais? Porquê? 

O anterior Governo tomou inúmeras medidas, muitas que nem sequer são conhecidas da generalidade das pessoas e todas têm-se revelado completamente ineficazes para resolver o problema da habitação em Portugal. São medidas insuficientes, sem expressão, sem capacidade para influenciar o funcionamento do mercado, seja o de arrendamento, seja o da compra para habitação ou investimento. E são medidas que têm custos para o Estado, outras que retiraram confiança aos investidores, como as do arrendamento, e que no final de nada servem, razão pela qual melhor seria o novo Governo reverter todas.

A crise da habitação só se resolve com mais investimento na construção e na compra para arrendamento, mais construção e reabilitação, mais habitações para venda e para arrendamento. Só medidas claramente direcionadas para esses fins e que deem confiança aos particulares poderão mostrar-se eficazes.  

É preciso construir mais casas em Portugal
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A redução do IVA na construção nova (à semelhança do que acontece na reabilitação) é vista por vários players como uma medida a aplicar o quanto antes de forma a aumentar a oferta de casas e dar resposta à crise na habitação. Concorda?

Para as empresas de promoção e construção imobiliária o IVA é sempre um custo final que encarece os imóveis e sobre o qual incide ainda o Imposto sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) no momento da venda. Portanto a redução do IVA na construção nova contribuiria de forma significativa para a redução do seu custo final e, nessa medida, apesar do preço dos imóveis ser ditado pelo mercado, certamente que um menor custo dos imóveis novos teria a vantagem de puxar para baixo o preço de todo o imobiliário.

"A crise da habitação só se resolve com mais investimento na construção e na compra para arrendamento, mais construção e reabilitação, mais habitações para venda e para arrendamento. Só medidas claramente direcionadas para esses fins e que deem confiança aos particulares poderão mostrar-se eficazes"

Tão ou mais importante que a redução do IVA na mão de obra, que é o regime aplicável à maioria da reabilitação, seria a aplicação da taxa reduzida de IVA a todos os materiais de construção que fossem para incorporar quer em obras de reabilitação como para construção nova.  

Quais os grandes desafios do setor? Custos da matéria-prima? Problemas de abastecimento? Custo do financiamento? Custo, falta e qualidade de mão de obra? Custo dos terrenos e de contexto? Em que ordem de grandeza se transmite estes custos para o cliente final?

Neste momento todos os referidos: 

  • Os materiais aumentaram significativamente, particularmente o ferro por causa da guerra na Ucrânia
  • Não há prazos de entrega; 
  • Os custos do financiamento bancário são elevados; 
  • Falta mão de obra e [a que há] é de fraca qualidade, sem formação; 
  • Os terrenos são escassos, razão pela qual a especulação imobiliária leva-os para preços proibitivos. 

Todos estes fatores são repercutidos no preço final dos imóveis, desde que os valores de mercado assim o permitam.  

Como sentem o comportamento do lado da oferta e da procura?

Há procura, mas a oferta tem valores incompatíveis com a capacidade de aquisição e/ou de financiamento de quem procura.

"Temos conhecimento de que há muitas licenças emitidas pelas câmaras, cujos imóveis não são construídos por incapacidade financeira dos promotores"

Tem conhecimento de empresas que estejam a cancelar, congelar ou readaptar projetos imobiliários? Se sim, pode dar-nos alguns exemplos?

Temos conhecimento de que há muitas licenças emitidas pelas câmaras, cujos imóveis não são construídos por incapacidade financeira dos promotores.

Como se pode dar resposta à necessidade de mais habitação acessível em Portugal?

Criando uma melhor e maior rede de transportes públicos, em especial ferroviários, para que não tenha de viver toda a gente nos grandes centros urbanos. Serão assim desenvolvidas novas centralidades, incluindo no interior do país, as quais pouco e pouco se autonomizarão dos atuais grandes centros urbanos, criando condições para que as pessoas aí trabalhem sem necessidade de se deslocarem.

Outra medida importante seria a disponibilização de prédios e terrenos do Estado para os particulares reabilitarem ou construírem. 

Atualmente o que faz mais sentido: nova construção, reabilitação ou um misto? Porquê?

Depende das zonas do país e do objetivo. A reabilitação é mais cara e mais difícil que a construção nova, mas é essencial quer pela necessidade de renovação das áreas urbanas quer pela escassez de terrenos. Já se o objetivo é dar resposta à falta de habitação, a construção nova é mais rápida e mais barata, podendo ser desenvolvida fora dos centros urbanos.

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