O Banco Central Europeu (BCE) iniciou um ciclo de descida dos juros diretores – têm impacto direto nas taxas Euribor e consequentemente nas prestações dos empréstimos da casa – e, em paralelo, Portugal tenta descobrir formas de dar resposta à crise na habitação, marcada por falta de oferta e preços altos. A instabilidade legislativa, por seu turno, tem sido encarada como um ponto negativo no que diz respeito à atratividade do país como destino de investimento. Ainda assim, “Portugal tem um potencial único para crescimento imobiliário”. Em entrevista ao idealista/news, Pedro Torgo, Head of Country do BNP Paribas Real Estate Portugal, fala na necessidade de haver “uma vontade séria de implementar medidas que garantam um mercado equilibrado e sério para todos”. Até porque “agora é a altura certa, a janela de oportunidade”, avisa.
Salientando que “todo o tipo de investidores tem Portugal no radar – ‘Core’, ‘value-add’ ou até mesmo ‘oportunistic’” –, Pedro Torgo lembra, no entanto, que há o outro lado da moeda: “No topo da lista está a incerteza legislativa do país e os tempos de aprovação dos projetos imobiliários. Estamos de acordo que esta incerteza aumenta o nível de risco e afasta investidores, principalmente os mais conservadores”.
Para contornar a crise na habitação na qual se encontra o país, frisa o gestor, “não existem receitas milagrosas”, até porque, tendencialmente, o setor imobiliário “segue ciclos de 10 a 15 anos”. Mas há um caminho a seguir, que só poderá ser posto em prática “com a vontade de todos os quadrantes políticos”.
Nesse sentido, alerta, é urgente, por exemplo, “reduzir os custos na construção, quer por redução dos impostos, quer pelo aumento da mão de obra, e apostar na indústria pesada ligada à construção”. “Os promotores imobiliários não vão ter margens maiores com estas medidas, mas certamente irá aparecer mais produto no mercado, o que irá ajudar a resolver a crise”, antecipa o banqueiro.
O BCE, depois de sucessivos aumentos das taxas de juro diretoras, decidiu inverter a estratégia e avançar com cortes dos juros, pedindo agora flexibilidade na política monetária. Que impacto tem esta decisão para o setor financeiro de uma forma geral e para o imobiliário em particular, sobretudo no caso de Portugal?
Tem um impacto significativo. Semelhante ao impacto que teve o aumento dos juros, retraindo as entidades financeiras a fornecerem novos empréstimos. Este alívio terá o efeito reverso de aumentar a confiança das entidades financeiras e o desafogo dos clientes.
Que segmentos do setor imobiliário podem “sair mais a ganhar” com esta decisão?
Em teoria, o setor residencial e de living terá o maior impacto. No entanto, não tenho a certeza se irão sair a ganhar a curto prazo, dado o desequilíbrio atual no lado da oferta.
Que efeitos poderá ter o corte de juros na procura e na oferta de ativos imobiliários, bem como nos preços, nomeadamente no residencial?
Os projetos imobiliários têm um período de desenvolvimento longo. O corte de juros terá um impacto no lado da procura, mas contrariamente ao expetável, potencialmente os valores/preços na oferta residencial vão crescer, dado a escassa oferta que existe atualmente e mesmo no ‘pipeline’ futuro face à procura.
"O corte de juros terá um impacto no lado da procura, mas contrariamente ao expetável, potencialmente os valores/preços na oferta residencial vão crescer, dado a escassa oferta que existe e mesmo no ‘pipeline’ futuro face à procura"
Concorda que estamos de volta à época do dinheiro barato?
É ainda cedo para sustentar esta afirmação. Na sequência da última crise financeira, as entidades de controlo introduziram novos mecanismos de verificação, que acredito previnam que devaneios do passado aconteçam num futuro próximo.
Que tipo de ativos imobiliários são mais atrativos em Portugal para os investidores neste contexto atual?
Ativos ligados ao residencial/living e hotelaria serão as estrelas, mas também ativos ligados a armazéns/plataformas logísticas terão um crescimento certo nos próximos tempos, sustentado pelo e-commerce, mas também pela nova realidade de necessidade de armazenamento de dados.
O cenário mudou nos últimos tempos?
Mais do que mudar, acredito que tenha evoluído, sustentado pelos acontecimentos recentes. Por exemplo, no seguimento da Covid-19, o mercado de escritórios reestruturou-se e está ainda à procura do modelo certo para o futuro.
Nos últimos anos, Portugal tem estado no radar dos investidores, nomeadamente estrangeiros. É uma tendência que se mantém? Portugal continua a ser um destino ideal para investir em imobiliário? Porquê?
É uma tendência que se mantém. É difícil falar em destinos ideais, mas Portugal apresenta racionais sustentados que agradam os investidores, vendo na Ibéria um caminho para retornos seguros, com menos risco.
"Ativos ligados ao residencial/living e hotelaria serão as estrelas, mas também ativos ligados a armazéns/plataformas logísticas terão um crescimento certo nos próximos tempos, sustentado pelo e-commerce, mas também pela nova realidade de necessidade de armazenamento de dados"
E que perfil e origem de investidores se destacam?
Neste momento, todo o tipo de investidores tem Portugal no radar. ‘Core’, ‘value-add’ ou até mesmo ‘oportunistic’. Na história recente, franceses, norte-americanos, mas também investidores de outras nacionalidades, têm efetuado investimentos consideráveis em Portugal.
Quais os receios e pontos fortes que vos transmitem os investidores sobre Portugal? E qual a vossa posição a este respeito?
No topo da lista está a incerteza legislativa do país e os tempos de aprovação dos projetos imobiliários. Concordamos que esta incerteza aumenta o nível de risco e afasta investidores, principalmente os mais conservadores.
A instabilidade política/legislativa/fiscal no país pode, então, retirar atratividade ao país?
Sem dúvida.
O que esperar do setor imobiliário em Portugal até final do ano? Há motivos para estar otimista? Porquê?
Somos otimistas por natureza. A evolução do mercado está muito dependente das medidas orçamentais e legislativas que forem implementadas nos próximos anos. Nomeadamente a questão fiscal terá um papel crucial na evolução do mercado. Se o IVA em toda a construção não tiver uma redução substancial nos próximos anos, dificilmente a oferta irá aumentar significativamente mantendo a balança desequilibrada e o mercado mais incerto.
"Se o IVA em toda a construção não tiver uma redução substancial nos próximos anos, dificilmente a oferta irá aumentar significativamente mantendo a balança desequilibrada e o mercado mais incerto"
Quais são os principais desafios que enfrenta atualmente o setor imobiliário em Portugal? Porquê?
Os maiores desafios serão conseguir motivar o poder político a criar incentivos fiscais à construção, equilibrados e sustentáveis, mas que potenciem o crescimento. Por outro lado, criar mecanismos de aprovação generalizados para todo o território, que reduzam as incertezas em cada projeto e trabalhar no lado da mão de obra, implementando instrumentos que permitam que quem é sério e tenha vontade de trabalhar em Portugal, o consiga fazer de forma expedita e controlada.
Que conselhos dá aos investidores que estão a pensar investir em imobiliário em Portugal? Por onde devem começar?
Devem começar por procurar parceiros locais com conhecimento do mercado e da legislação e começar a olhar para o mercado português como um mercado já profissionalizado com muitas oportunidades que dificilmente irão encontrar em mercados mais maduros.
"Portugal tem um potencial único para crescimento imobiliário e ao mesmo tempo a possibilidade de garantir uma oferta mais equilibrada que potencie uma vida melhor aos portugueses. (...) Tem de existir uma vontade séria de implementar medidas que garantam um mercado equilibrado e sério para todos. Agora é a altura certa, a janela de oportunidade"
Portugal está mergulhado uma crise na habitação. Há uma “receita milagrosa” capaz de por um ponto final nesta crise?
Não existem receitas milagrosas no imobiliário, que tendencialmente segue ciclos de 10 a 15 anos, mas neste caso, e reforçando o que disse anteriormente, existe uma fórmula amplamente discutida por todos os players do mercado e que apenas com a vontade de todos os quadrantes políticos será possível colocar em prática:
- É urgente reduzir os custos na construção, quer por redução dos impostos, quer pelo aumento da mão de obra;
- Apostar na indústria pesada ligada à construção (custos energéticos matam a indústria pesada).
Os promotores imobiliários não vão ter margens maiores com estas medidas, mas certamente irá aparecer mais produto no mercado, o que irá ajudar a resolver a crise.
Sinta-se à vontade para acrescentar qualquer informação que considere pertinente.
Portugal tem um potencial único para crescimento imobiliário e ao mesmo tempo a possibilidade de garantir uma oferta mais equilibrada que potencie uma vida melhor aos portugueses. A localização, o povo, o clima são pontos amplamente referenciados por todos os atores do mercado imobiliário como francamente positivos e diferenciadores, mas não chega. Tem de existir uma vontade séria de implementar medidas que garantam um mercado equilibrado e sério para todos. Agora é a altura certa, a janela de oportunidade.
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