Mediadores imobiliários medem o "pulso" ao setor no pós-pandemia e perspetivam o futuro, em entrevista ao idealista/news.
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No rescaldo de quase dois anos de pandemia, muita coisa mudou. O mundo, a economia, os mercados. Foi um período de desafios, também, para o imobiliário. Paralisado num primeiro momento, o setor deu provas de resiliência, mostrando-se capaz de dar a volta à crise, ainda que a diferentes velocidades nos diferentes segmentos. Na área do residencial, o balanço feito pelos responsáveis de algumas das maiores redes mediadoras* a operar em Portugal é positivo. Os negócios continuaram a realizar-se e Portugal manteve-se atrativo para os investidores. Mas afinal o que mudou neste período? Como evoluíram os preços das casas? Será este um bom momento para comprar? Onde estão as melhores oportunidades de negócio? 

No regresso “à normalidade”, na edição de 2021 do Salão Imobiliário de Portugal (SIL), a maior e mais importante feira do setor no país, realizada entre 7 e 10 de outubro, em Lisboa, o idealista/news fez uma ronda por alguns 'players' da mediação imobiliária presentes no certame para medir o "pulso" ao mercado, traçando perspetivas para o futuro.

*Century 21, ComprarCasa e Remax participaram na reportagem vídeo. Coldwell Banker, Decisões e Soluções, ERA e Keller Williams responderam às questões do idealista/news por escrito.

Mercado residencial em Portugal
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O mercado residencial no pós-pandemia: tendências e impacto na procura

Uma das ideias reúne unanimidade: a pandemia deixou uma “marca” no mercado residencial. Quando o confinamento fechou tudo e todos em casa, muitas famílias perceberam que viviam em espaços pouco preparados para uma realidade como a que vivemos, e descobriram novas necessidades. Remodelar e fazer obras foi uma das opções, mas também houve quem se focasse na mudança de casa – para as periferias, ou mesmo para o campo ou perto da praia. E, nestes casos, o teletrabalho teve uma palavra a dizer: foi um dos principais motores de transformação.

  • Casas maiores, mais espaços exteriores e a ascensão das periferias

Para Frederico Abecassis, CEO da Coldwell Banker Portugal, o confinamento provocado pela pandemia veio alterar as necessidades e a vontade dos portugueses relativamente à escolha do local da sua residência – uma ideia que, de resto, é defendida por todos os especialistas. O perfil de consumo mudou. “A grande parte dos nossos clientes demonstra vontade em mudar de casa – quer no mercado de compra, como no de arrendamento”, comenta. A procura por casas mais amplas, com espaços exteriores, como terraços, varandas ou jardins, seja em moradias ou apartamentos, aumentou, e a tendência parece ter vindo para ficar.

“A quarentena levou a uma valorização das áreas e nunca a procura de espaço numa casa foi tão determinante para as famílias”, refere Guida Sousa, Diretora Coordenadora Nacional da Decisões e Soluções. De acordo com a responsável, as pessoas passaram a querer apartamentos maiores, de tipologias T3 e T4, e a procura por moradias “aumentou exponencialmente”. No caso do mercado de segunda habitação, ou para os imóveis para rentabilização, indica, “continua em alta a procura de apartamentos”.

Casas com espaços exteriores
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A localização também sofreu alterações. Segundo os especialistas de mediação ouvidos, houve uma “descentralização”, e as zonas mais procuradas passaram a ser as periferias das grandes cidades que, ao mesmo tempo, mantêm uma relativa proximidade dos locais de trabalho, das escolas ou universidades, e hospitais por exemplo.

“Temos vindo a verificar que a pandemia teve impacto na forma como as famílias encaram o papel e os benefícios da habitação, assim como alterou a forma como percecionam o ideal de casa. Para muitas pessoas, a casa passou a ser também o local de trabalho e de usufruto dos tempos livres”, comenta Rui Torgal, CEO da ERA Portugal. E com o teletrabalho a tornar-se cada vez mais frequente, garante, começaram a “notar um aumento da procura por imóveis com mais metros quadrados e também com diversos tipos de funcionalidades”.

  • O impacto do teletrabalho no setor imobiliário

Para Manuel Mira Godinho, Operating Principal de 4 Market Centers da Keller Williams (KW), “o teletrabalho estruturante, não o imposto pelo confinamento, sendo já uma realidade, irá aumentar consideravelmente no futuro, com consequências significativas na forma como nos relacionamos com os “centros das cidades”, isto é, com as deslocações necessárias para irmos para os nossos locais de trabalho”.

O responsável não tem dúvidas de que ao trabalho remoto está, inevitavelmente, associada uma maior liberdade de escolha do local para viver e trabalhar (não necessito de viver perto do local de trabalho), e uma menor resistência à mudança de local de residência (posso mudar com mais frequência de residência sem ter que pensar nas consequências em termos de deslocações para o local de trabalho), que irão impactar as dinâmicas próprias do setor imobiliário.

Teletrabalhar em casa
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  • O perfil dos investidores

“O nosso investidor nacional, por exemplo, não só procura nos centros urbanos, mas também na periferia das grandes cidades, exatamente pela questão desta mudança laboral a que estamos também a assistir, e que está a acompanhar o mercado e as alterações no mercado imobiliário”, refere, por sua vez, António Falé, Diretor Geral da Remax Portugal. Quanto aos investidores estrangeiros, explica, vêm “procurar um país onde tem alguma estabilidade, alguma segurança, bom clima, e que lhe oferece algumas condições que nos países de origem não têm. E esse tipo de investidor é um investidor que se centra mais nos grandes centros urbanos”.

De acordo com Guida Sousa, da Decisões e Soluções, durante a pandemia, cerca de 90% da procura imobiliária passou a ser de clientes de nacionalidade portuguesa. Ainda assim, refere que nos últimos meses, no Algarve, assistiu-se a um aumento da procura de imóveis residenciais por parte de clientes italianos, suíços, franceses e oriundos do norte da Europa. “Comparando com o período pré-pandemia, verificou-se uma diminuição da procura estrangeira em cerca de um terço (de 15% passou para 10%)”, indica.

Continuamos a assistir, segundo Manuel Mira Godinho, da KW, a um “mercado forte”, uma vez que continuam a existir compradores ativos com liquidez para investir e que reconhecem no imobiliário vantagens e menos risco, face a outras opções de investimento. “Os grandes investidores continuam a operar neste setor, mas há, cada vez mais, pequenos investidores que vêm no setor imobiliário uma excelente oportunidade de obter rendimentos adicionais”, refere.

  • Trocar ou mudar de casa: as dificuldades

Ricardo Sousa, CEO da Century 21 Portugal, admite mudanças naquilo que são os hábitos de procura e o aspiracional dos portugueses, nomeadamente naquilo que é a casa que procuram, em termos de áreas maiores, mais luz, terraços, varandas, espaços comuns mais amplos, e até um aumento da procura por mercados mais periféricos. Um estudo recente da mediadora sobre o impacto da Covid no mercado imobiliário residencial revela, efetivamente, que 45% das famílias portuguesas têm o desejo de trocar de casa e comprar uma nova casa, contudo, segundo o responsável, os dados até setembro revelam que esse aspiracional não se concretizou.

Trocar de casa
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“Na prática, os negócios que estão a ser realizados mantêm-se, o mesmo perfil de comprador, mesmo perfil de imóvel, seja tipologia apartamento T2 T3 continuam a prevalecer, e as zonas de procura também se mantiveram estáveis”, comenta. Mas por que é que isto acontece? Ricardo Sousa aponta vários motivos: “Um, a acessibilidade, que é o que é que eu posso comprar, e depois, também uma questão muito logística e familiar. Damo-nos conta que uma família que até pensa em ir para uma moradia e mudar radicalmente da zona onde tem o seu entorno familiar, tem dificuldades, ou é a escola, perder o apoio dos avós, neste caso, para com as crianças, e isso faz com que apesar de haver esse início da procura de casa, dessa nova tipologia de casa, terminamos num apartamento T2/T3 que continua a caracterizar um negócio imobiliário em 2021”.

Falta de oferta dá impulso aos preços das casas

Nestes últimos dois anos, e apesar da pandemia, os preços das casas em Portugal continuaram a subir (e a bater recordes). Dados divulgados esta quinta-feira, dia 28 de outubro de 2021, pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), revelam que o preço mediano das casas em território nacional aumentou 6,8% num ano, chegando aos 1.268 euros por metro quadrado (euros/m2) no segundo trimestre de 2021. Este é, de resto, o maior valor registado desde 2019. Segundo os especialistas em mediação imobiliária, este cenário é impulsionado, em grande parte, pela falta de oferta, mas também pelo aumento dos custos de contexto.

“Há alguns três/quatro anos que vivíamos um mercado português com escassez de inventário. Logo, havia mais procura que oferta, o que fazia com que os preços estivessem quentes e fossem crescendo. Quando se iniciou a pandemia, alguns de nós, ou secalhar grande parte de nós, pensámos, bem vai ajudar a que os preços estabilizem e então acabar por encontrar um novo equilíbrio do mercado entre a oferta e a procura, com preços mais baixos. Mas verdade é que isso não aconteceu”, comenta Luís Nunes, CEO da ComprarCasa.

Preço das casas
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António Falé, da Remax, considera que o aumento dos preços dos imóveis tem a ver efetivamente com “uma falta de produto a que estamos a assistir, que faz com que as pessoas que tenham um produto disponível possam oferecer um preço maior”. “Com todas as evoluções que há no mercado imobiliário, a tendência é que haja uma normalização dos preços, que não haja uma subida, mas a realidade é que até à data estamos a assistir a essa subida”, partilha também.

E estarão os preços adequados aos portugueses? Luís Nunes admite que os preços das casas “estão exagerados” para muitos portugueses, e considera que, apesar disso, "as condições financeiras que o mercado apresenta é possível e continua a ser mais barato comprar do que arrendar”.

  • Risco de bolha imobiliária?

Os preços das casas para comprar estão a crescer há vários anos no país - mais do que é considerado recomendável pelas autoridades económicas. Dados revelados recentemente pelo Eurostat mostram, de resto, que Portugal é um dos países da União Europeia que está em risco de bolha. Segundo o índice de preços das casas do gabinete de estatísticas europeu, há cinco anos consecutivos que o valor das casas no mercado português apresenta variações anuais superiores a 6%, valor a partir do qual a Comissão Europeia considera que um mercado está em risco de bolha de preços. 

Os mediadores imobiliários afastam, contudo, este cenário. Para António Falé, a perspetiva de haver uma bolha imobiliária ou não, “já foi largamente ultrapassada”. Segundo o diretor geral da Remax, “todos aprendemos com aquilo que se passou em 2008, com a questão do Lehman Brothers e tudo mais”. “Acho que o mercado imobiliário já está muito regulado nesse sentido. E obviamente, a própria banca também nos tem ajudado a regular o mercado”, argumenta.

Compra e venda de casa em Portugal
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Ricardo Sousa, da Century 21, identifica vários fatores que levam a crer que esse risco não existe. O responsável considera que “há uma procura consistente e real, não especulativa”. Além disso, a escassez de oferta que ainda existe em muitos mercados e segmentos também “justifica o aumento dos preços”, cuja base de aumento, a seu ver, também não é especulativa. Outros indicadores importantes, acrescenta, prendem-se com a poupança criada na pandemia (que está em níveis maiores, segundo o Banco de Portugal), e também com a política monetária, nomeadamente com taxas de juro mais baixas, “que têm criado um aumento de liquidez no mercado bastante significativo”. Considera, também, que “os critérios de concessão de crédito mudaram radicalmente”, e que hoje o mercado é muito mais saudável.

Oportunidades de negócio

O idealista/news quis saber ainda se este é um bom momento para investir no mercado imobiliário de compra e venda de casa. De acordo com Rui Torgal, CEO da ERA, após a chegada da pandemia, "detetaram uma maior procura por terrenos e lotes para construção, pois permite que as famílias construam as habitações ao seu próprio gosto e numa localização à sua escolha, indo ao encontro da tendência já confirmada de que o cliente começou a valorizar muito mais o local onde vive".

De forma gradual, e ao longo dos últimos meses, explica, o mercado tem vindo a recuperar o total dinamismo e "continua a oferecer um leque de excelentes oportunidades de compra e venda, seja para investidores nacionais ou internacionais." O especialista considera que as "boas oportunidades tanto estão na reabilitação de imóveis como na construção nova".

Construir casa
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Se, por um lado, a reabilitação permite conservar traços únicos de uma casa, assim como manter o charme da antiga construção, "algo muito apreciado pelo cliente comprador atual", a aposta em construção nova permite encontrar "lotes ou empreendimentos em zonas mais tranquilas, especialmente em áreas periféricas aos grandes centros urbanos, que oferecem as tendências mais recentes em design e construção, ao mesmo tempo que disponibilizam, por exemplo, uma sustentável eficiência energética ou um elevado isolamento térmico".

"A par disso, uma casa nova tem a vantagem de ser totalmente construída e decorada de acordo com o gosto pessoal do cliente, ao mesmo tempo que está sempre em melhores condições em termos de uso porque é, de facto, uma habitação a estrear", acrescenta Rui Torgal. 

Para Guida Sousa, da Decisões e Soluções, as moradias novas "têm a grande vantagem de estar em melhores condições que um usado, mas consequentemente, têm um preço mais elevado. Outra vantagem é, se comprar em planta, ainda poder fazer alguns ajustes na construção à medida do novo proprietário". Na opinião da especialista em mediação imobiliária, "os melhores negócios são as casas por reabilitar porque há múltiplas vantagens inerentes a este tipo de casa como: isenções, benefícios e descontos". "E se o imóvel estiver inserido numa área de reabilitação urbana (ARU) há, ainda, mais incentivos como é o caso da redução do IVA de 23% para 6% ou da Isenção de IMT. Entre muitas outras reduções em taxas", remata. 

Perspetivas de futuro do imobiliário

Os especialistas mostram-se otimistas para o futuro. Embora seja difícil estimar as consequências para o mercado imobiliário da situação económica resultante da pandemia (nível de desemprego, fim das moratórias de crédito, retoma do turismo, etc.), bem como o impacto das medidas governamentais, implementadas e a implementar, "vemos o futuro do mercado imobiliário em Portugal numa perspetiva positiva", revela Manuel Mira Godinho, da KW.

"Há uma elevada probabilidade de ocorrer uma retoma acentuada do setor do turismo, uma diminuição da taxa de desemprego e um aumento do consumo, o que se traduzirá em maior liquidez e mais confiança dos potenciais compradores, com consequências muito positivas para o mercado do imobiliário. Paralelamente, é de esperar um incremento do fluxo de investidores estrangeiros, refletindo assim os ganhos de confiança e credibilidade que Portugal conquistou nos mercados internacionais", conclui o responsável.

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1 Comentários:

Manuel Rocha
1 Novembro 2021, 10:18

Boa!
Na China está-se a assistir a uma queda gigantesca do mercado imobiliário.
Na Europa todas as entidades oficiais dizem que há especulação, sendo a situação em Portugal uma das mais graves.
A nossa população sente que o preço da habitação está a ter, há já vários anos, uma subida injustificada e que atualmente se atingiram preços inalcançáveis. Assim, a questão já nem é saber se se acha que um imóvel está caro ou barato, se o preço se justifica ou não, a questão é que já não se consegue mesmo comprar, por muito que se queira, independentemente de se achar que se está a pagar mais que o valor real mas não nos importarmos com isso!
E no meio disto tudo, aparecem os agentes imobiliários, os tais que lucram com a especulação, a dizer que não há especulação! Portanto, se eles dizem que não há especulação, então é porque não deve mesmo haver especulação...

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