“Trabalho no setor imobiliário já há duas décadas e vejo que as coisas continuam a ser feitas praticamente da mesma forma”. Patrícia Barão abraçou um novo desafio profissional como Partner e Head of Residential da Dils em outubro – o grupo italiano aterrou em Portugal meses antes com a aquisição da Castelhana –, depois de vários anos na JLL, e a experiência adquirida faz com que tenha uma visão abrangente do mercado residencial. Em entrevista ao idealista/news diz, por exemplo, que para haver um “setor imobiliário saudável” no país “não é possível ter a renda de uma casa a um valor superior àquilo que se paga ao banco por um empréstimo”.
Sublinhando que acredita que “Portugal vai continuar nos holofotes” e no radar dos investidores imobiliários, nacionais e internacionais, a especialista aborda também a crise na habitação que se faz sentir a nível nacional. O que é preciso “fazer hoje é tomar as melhores decisões para tentar que nos próximos anos” seja possível “trazer mais oferta” de habitação, sustenta. “Precisamos de novas casas, de casas a valores que os portugueses possam pagar. Acredito que o Governo está muito atento a este tema, portanto, estou confiante e acredito que 2025 e 2026 vão ser anos muito importantes. E acredito também que não pode haver muitas mais desilusões a este nível”, acrescenta.
Entre os temas abordados na entrevista estão, por exemplo, o impacto da entrada em vigor do simplex dos licenciamentos urbanísticos e a elevada carga fiscal no setor imobiliário, nomeadamente o IVA na construção. A também vice-Presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária (APEMIP) e fundadora e diretora da WIRE (Women In Real Estate) Portugal deixa um aviso: “As decisões no imobiliário, que é um setor em que as medidas ou decisões que tomamos hoje não se vão refletir amanhã, demoram tempo. Temos de tomar decisões consistentes e de ter um plano a longo prazo”, Patrícia Barão.
Juntou-se à Dils em outubro, o que pesou nesta decisão?
Uma das principais razões pelas quais me juntei ao projeto é fundamentalmente pelas pessoas, pela equipa. Tive a oportunidade de conhecer o CEO da Dils em Itália, que é um empreendedor, uma pessoa com uma visão muito clara daquilo que o imobiliário precisa. E identifiquei-me imediatamente com as linhas orientadoras de trazer a inovação e a tecnologia para um setor que há muitos anos está um pouco estagnado nesse aspeto. Vi um projeto ambicioso e que fazia muito sentido para aquilo que era a minha visão dos próximos anos da minha carreira.
Quando fala num projeto ambicioso, refere-se em concreto a temas como inovação, tecnologia, sustentabilidade e Inteligência Artificial (IA), que estão na ordem do dia?
Diria que a Dils aparece para reescrever as regras do setor. É uma empresa que tem no ADN a tecnologia. Em Itália, onde está o grosso da empresa, 20% das pessoas que trabalham na Dils estão numa ‘Digital Transformation Team’, vieram de ‘backgrounds’ da Google, da Amazon e estão a pensar tecnologia, a pensar como é que podem surgir plataformas, apps. No fundo, tudo aquilo que pode surgir no imobiliário e que pode disromper a forma como o setor vive. Tem muito a ver com o tema, também, da IA e de como vem impactar o imobiliário. A Dils tem essa preparação, é a sua grande aposta, e sendo uma empresa com este ADN vai introduzir algumas disrupções que me fazem sentido.
"Diria que a Dils aparece para reescrever as regras do setor. (...) Trabalho no setor já há duas décadas e vejo que as coisas continuam a ser feitas praticamente da mesma forma"
Trabalho no setor já há duas décadas e vejo que as coisas continuam a ser feitas praticamente da mesma forma. Então temos uma margem de progressão muito grande.
O ‘know how’ da Dils em Itália pode dar como que uma “nova vida” ao segmento residencial em Portugal?
O que se espera é exatamente isso, que a Dils Portugal traga uma nova vida não só ao setor residencial, mas também ao comercial. A Dils é uma consultora internacional, como tal opera naquilo que são os vários segmentos de mercado, seja o residencial – adquiriu a Castelhana, uma empresa com 25 anos de existência em Portugal –, seja o comercial. A Dils vem com uma grande força naquilo que é o mercado de escritórios, retalho, investimento e logística.
Sobre o segmento residencial, que análise/balanço é possível fazer deste ano em Portugal?
Sou otimista e acredito que vivemos num país que tem um potencial enorme naquilo que é o imobiliário e o turismo. São setores que contribuem de forma muito forte para o PIB. Se olharmos para aquilo que são os indicadores deste ano, diria que 2024 vai ser um ano melhor, com números melhores ou indicadores melhores, que o ano passado. Sabemos que no primeiro semestre de 2024 já tinham sido transacionados em imobiliário residencial 14,6 mil milhões de euros. Com este indicador, e fazendo aqui uma extrapolação para o final do ano, acredito que o mercado residencial vai fechar muito próximo dos 30 mil milhões de euros, que é um número superior àquilo que foi o ano passado.
"Sabemos que no primeiro semestre de 2024 já tinham sido transacionados em imobiliário residencial 14,6 mil milhões de euros. (...) Acredito que o mercado residencial vai fechar muito próximo dos 30 mil milhões de euros, que é um número superior àquilo que foi o ano passado"
No que diz respeito a previsões para os próximos anos, acredito que vamos continuar a assistir a um setor dinâmico, que continua a ser um bom refúgio e a oferecer oportunidades boas não só aos portugueses como também aos clientes internacionais.
Nos últimos anos, Portugal tem estado no radar dos investidores internacionais, é uma tendência que tende a manter-se?
Portugal vai continuar nos holofotes. Se olharmos para trás vamos de certeza lembrarmo-nos de, quando surgiu a pandemia, ter havido profetas da desgraça a anunciar que o imobiliário iria ter momentos muito desafiantes. E o que se verificou foi que tivemos a pandemia e 2022 foi um dos melhores anos de sempre, quer em número de unidades residenciais vendidas, quer em termos de volume transacionado. Depois houve uma série de acontecimentos, até agora mais recentemente ao tema [da subida] das taxas de juro [por parte do BCE, que agora estão a descer]. E mais uma vez tivemos os profetas da desgraça a anunciar que era desta vez que o imobiliário em Portugal iria novamente passar por uma situação de crise. A verdade é que olhamos para todos estes episódios e vemos que efetivamente pode ter havido algumas situações em que sentimos uma retração, mas o setor continua extremamente resiliente e continuamos a lançar para o mercado projetos e a sentir que a procura está muito dinâmica.
Continuamos é a ter, no entanto, um tema que não é recente, que é o desequilíbrio entre a oferta e a procura. Soubemos recentemente que tivemos os melhores indicadores de licenciamentos novos feitos, penso que dos últimos 16 anos, o que é uma excelente notícia, porque sabemos que isto vai gerar construção nova, que é o que precisamos para ajudar a diminuir este ‘gap’ entre aquilo que é uma procura altamente dinâmica e aquilo que é uma oferta de imobiliário limitada.
Acredita, então, que o simplex dos licenciamentos urbanísticos poderá já estar a ter efeitos práticos e a agilizar processos de licenciamento de casas? Por outro lado, a redução no IVA na construção para 6% deverá ficar na gaveta. Será que isso pode atrasar a chegada de novos imóveis ao mercado?
O simplex é claramente um programa que nasceu para agilizar aquilo que precisamos, que é trazer oferta nova para o mercado. E está a refletir-se numa boa ajuda, chamemos-lhe assim. Quando olhamos a fundo para o tema do imobiliário, sabemos que trazer oferta para o mercado, mesmo estas medidas que possamos implementar agora, como por exemplo a redução do IVA na construção, ainda vai demorar algum tempo até vermos os efeitos práticos.
"O que precisamos de fazer hoje é tomar as melhores decisões para tentar que nos próximos anos tenhamos a possibilidade de trazer mais oferta. Uma das medidas que teria um impacto grande é a redução da carga fiscal, porque é verdadeiramente impactante para um promotor imobiliário a carga fiscal que há na promoção imobiliária. Temos de arranjar soluções"
O que precisamos de fazer hoje é tomar as melhores decisões para tentar que nos próximos anos tenhamos a possibilidade de trazer mais oferta. Uma das medidas que teria um impacto grande é a redução da carga fiscal, porque é verdadeiramente impactante para um promotor imobiliário a carga fiscal que há na promoção imobiliária. Temos de arranjar soluções. E depois temos de olhar para as oportunidades que vemos de terrenos e projetos e aquilo que é a oferta pública e transformá-la naquilo que é uma oferta de habitação condigna, para que os portugueses possam ter oferta e para que possam ter casas a valores que possam pagar.
As ajudas do Estado aos jovens na compra da primeira casa, como por exemplo a isenção do IMT e do Imposto de Selo, são iniciativas que ajudam a dar resposta à crise na habitação?
Todas as medidas que ajudem a criar condições melhores para que quem está fora do acesso à habitação possa entrar são bem-vindas. Há uma crise de acesso à habitação. Temos 73% das famílias que são detentoras de uma casa, que é a sua maior riqueza, portanto, todas as medidas que possam chegar para os jovens são sempre muito bem-vindas. Mas por si só não chegam, não vão chegar para que consigamos olhar para o setor e perceber que temos falta de habitação e temos de criar as condições para que haja nova habitação e nova construção, para que consigamos corresponder àquilo que é a procura dinâmica que temos.
Aumentar a oferta de casas no mercado é, então, crucial. Há terrenos disponíveis para fazer construção nova?
Há terrenos disponíveis para fazer construção nova. Temos de criar condições para que aquilo que são os terrenos que existem, que são públicos, que estão preparados e que facilmente podem ser licenciados para vir para o mercado, possam acontecer com a ajuda dos privados. É uma fórmula que funciona noutras cidades europeias, em Espanha temos esse exemplo a funcionar muitíssimo bem. Basta vermos como é que Madrid implementou estas medidas para saber que há solução. Temos é de ser capazes, e isto é uma decisão política, de implementar estas medidas e termos a coragem de o fazer. É uma decisão política.
É preciso tomar decisões políticas e adotar medidas a longo prazo, independentemente de haver eleições e novos governantes, para que não haja alterações a meio do processo. Concorda com esta visão?
As decisões no imobiliário, que é um setor em que as medidas ou decisões que tomamos hoje não se vão refletir amanhã, demoram tempo. Temos de tomar decisões consistentes e de ter um plano a longo prazo. Se olharmos para aquilo que foi a última década, sabemos que o parque habitacional cresceu apenas 1,9%. Quando olhamos para as três décadas anteriores, ele tinha crescido 26%. Numa altura em que a procura é altamente dinâmica, onde sentimos que Portugal entrou no radar e no mapa de muitas nacionalidades que olham para o país para investir, viver, estudar, trabalhar, devíamos ser capazes de ter um parque de habitação que corresponda àquilo que é esta dinâmica que temos sentido nos últimos tempos.
"As decisões no imobiliário, que é um setor em que as medidas ou decisões que tomamos hoje não se vão refletir amanhã, demoram tempo. Temos de tomar decisões consistentes e de ter um plano a longo prazo"
Há muito que se fala na necessidade de dinamizar o mercado de arrendamento em Portugal. Como é possível fazê-lo? Poderá o Build to Rent (BtR) ajudar, apesar de ainda ter pouca expressão no país?
Num setor imobiliário saudável não podemos ter a renda de uma casa a um valor superior àquilo que pagamos ao banco por um empréstimo à habitação. Temos um grande défice de casas para arrendamento e isso deve-se a não termos sido capazes de construir. E temos, depois, uma lei do arrendamento que se tornou mais castradora. Muitos proprietários às vezes dizem que é preferível terem casas sem ninguém do que colocarem-nas no mercado de arrendamento. Isso acontece muito, por exemplo, com segunda habitação. Temos de ser capazes de tomar algumas medidas para dinamizar o mercado do arrendamento.
Um dos temas que acredito que estejamos muito perto de ver acontecer com escala é o chamado BtR. Mas para que haja estes projetos temos de ser capazes de fechar a conta deste conceito, que é construirmos edifícios que são pensados desde a sua origem para serem colocados no mercado de arrendamento. E para que isto aconteça temos de ter os promotores com estrutura e capazes de poder trazer este produto para o mercado, porque há muita procura. O arrendamento é um dos temas que temos de olhar com alguma profundidade para termos um setor imobiliário mais saudável. Mas temos de o fazer logo na base.
Mais uma vez, vamos ter de ter a coragem política de tomar decisões para que se possam hoje tomar medidas que tenham efeitos daqui a uns anos, porque não vamos conseguir resolver o tema do acesso à habitação para o ano ou daqui a dois ou três anos. Vai demorar algum tempo, mas é hoje que se começa e é hoje que temos de tomar as melhores decisões.
Isso parece-lhe possível, perante o quadro político atual?
Continuo sempre com muito otimismo e acho que já foi feita muita coisa boa, e quero acreditar e confiar que o tema da crise de acesso à habitação está a ser olhado de forma profunda, com um bom diagnóstico feito, com os indicadores em cima da mesa, para que se saiba qual é o verdadeiro impacto que as medidas que estamos hoje a implementar vão ter no futuro.
"Num setor imobiliário saudável não podemos ter a renda de uma casa a um valor superior àquilo que pagamos ao banco por um empréstimo à habitação. Temos um grande défice de casas para arrendamento (...). Um dos temas que acredito que estejamos muito perto de ver acontecer com escala é o chamado Build to Rent"
2025 está aí à porta. Há, então, sinais de otimismo tendo em vista o aumento da oferta de casas no mercado e a necessária resposta à crise na habitação?
Estou confiante que em 2025 vamos dar continuidade àquilo que são as boas medidas de trazer nova oferta para o mercado, que é o que precisamos. Nova oferta de imobiliário. Precisamos de novas casas, de casas a valores que os portugueses possam pagar. E acredito que o Governo está muito atento a este tema, portanto, estou confiante e acredito que 2025 e 2026 vão ser anos muito importantes. E acredito também que não pode haver muitas mais desilusões a este nível.
"Precisamos de novas casas, de casas a valores que os portugueses possam pagar. E acredito que o Governo está muito atento a este tema, portanto, estou confiante e acredito que 2025 e 2026 vão ser anos muito importantes"
Seria um péssimo sinal se olhássemos para a classe política desacreditados. Vamos ter de confiar que o tema está identificado, o diagnóstico está feito, há vontade política e vamos conseguir tomar as melhores medidas para termos o tema do acesso à habitação resolvido, se calhar, na próxima década, porque é difícil ser nos próximos anos, tendo em conta a oferta prevista.
Os preços das casas poderão, em 2025, recuar?
À tendência é de alguma estabilização, se bem que o mercado funciona sempre: a lei da oferta e da procura não falha. Se a procura continuar altamente dinâmica em determinada localização e não existir oferta que vá equilibrar, os preços vão continuar a aumentar, não de forma tão acentuada como na última década, mas vamos continuar a assistir a algum aumento residual dos preços se não formos capazes de trazer nova oferta. Acredito que vamos ter novas localizações, o que vai fazer com que haja nova oferta para o mercado em localizações emergentes. E aí sim vamos assistir a um equilíbrio, a alguma correção dos preços em algumas localizações. Isso é o que acredito que vai acontecer nos próximos anos.
Estamos a falar na necessidade de aumentar a oferta de habitação também nas periferias das cidades, nomeadamente no caso de Lisboa e do Porto…
Sabemos que é uma das tendências, porque é nas periferias das cidades onde há possibilidades de maior construção ou de construção em escala. Lisboa e Porto têm a sua saturação natural e existem localizações emergentes nas periferias, onde vão existir oportunidades de construção nova numa escala que tenha algum impacto. Isso é uma tendência, já está a acontecer, e acredito que vai continuar a haver e que teremos alguns projetos novos e localizações a surgir como novos focos de construção nova.
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