Onda de otimismo cauteloso invade imobiliário. Mas crise de acesso à habitação deverá agravar-se no país, antecipam especialistas.
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Preço das casas em Portugal
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Está traçado um cenário otimista para o mercado imobiliário em Portugal e na Europa em 2025, tendo em conta as perspetivas de crescimento económico, recuperação de poder de compra e de queda dos juros. Todos estes fatores vão continuar a dar ânimo à compra de casas e ao investimento em escritórios, logística e retalho, que iniciaram a rota de recuperação no ano passado. E também deverão incentivar a construção de casas e de outros projetos imobiliários. Mas será na medida certa? Não há dúvidas entre especialistas de que a oferta de casas a preços acessíveis vai continuar a ficar aquém das necessidades da procura, antecipando-se um agravamento da crise na habitação em 2025 no país.

As condições económicas parecem estar reunidas para que o imobiliário recupere totalmente a sua força em 2025: o mercado de trabalho deverá continuar resiliente, a inflação na zona euro deverá estabilizar perto de 2% e o PIB, embora esteja fraco, deverá crescer 1,1%, segundo as previsões avançadas pelo Banco Central Europeu (BCE). Esta recuperação macroeconómica só será possível com as novas descidas dos juros do BCE esperadas para 2025, que colocarão a taxa de depósitos em 2% (atualmente está em 3%).

Todos estes fatores estão a favor do crescimento do investimento imobiliário na Europa. “À medida que olhamos para 2025, o mercado imobiliário europeu está pronto para um período de recuperação e crescimento, após alguns anos desafiadores. A estabilização observada em 2024, juntamente com uma perspetiva macroeconómica mais positiva, melhoria da confiança empresarial e dos consumidores, e redução das taxas de juro estabelecem uma base sólida para o próximo ano”, considera Sukhdeep Dillon, Head of EMEA Forecasting da Cushman & Wakefield, concluindo que “o cenário está favorável para que o setor imobiliário recupere de forma mais significativa em 2025”.

“Temos de, enquanto indústria e país, criar mais oferta imobiliária e fazer crescer a produção”, Carlos Cardoso, CEO da JLL

Uma visão “moderadamente otimista” sobre a evolução do mercado imobiliário europeu para 2025 é partilhada pela grande maioria dos intervenientes do setor – empresas imobiliárias, fundos, investidores institucionais e instituições financeiras –, que esperam que a confiança empresarial e os lucros permaneçam iguais ou aumentem no próximo ano, “graças à maior previsibilidade proporcionada pela estabilização das taxas de juro e das avaliações dos ativos”,  conclui o mais recente relatório da PwC e pela Urban Land Institute (ULI). 

Inserido no mapa europeu, Portugal deverá continuar a beneficiar deste panorama económico mais favorável. É isso que diz Carlos Cardoso, CEO da JLL: “Apesar dos riscos geopolíticos na Europa, este cenário económico dá suporte à confiança de investidores, empresas e famílias, naturalmente traduzido numa boa dinâmica de procura para o setor imobiliário português. Isto quer dizer que temos uma base sólida de procura, níveis de preços e rendas competitivos, num contexto de melhoria das condições económicas, abrindo perspetivas positivas para o mercado imobiliário em 2025. Mas temos de, enquanto indústria e país, criar mais oferta imobiliária e fazer crescer a produção”, alerta.

Há também riscos à espreita que devem ser acautelados no próximo ano. A instabilidade geopolítica, o aumento da regulamentação e os altos custos de construção continuam a ser preocupações relevantes para o setor imobiliário, conforme destacam a PwC e a ULI. As questões ambientais, sociais e de governança (ESG) continuam a exigir atenção enquanto o uso da inteligência artificial ganhará mais espaço no setor. A par de tudo isto, Sukhdeep Dillon, da Cushman & Wakefield, alerta que a tomada de posse de Donald Trump enquanto presidente dos EUA pode introduzir novas incertezas, mesmo que o mercado europeu tenha demonstrado resiliência durante seu primeiro mandato, altura em se sentiu uma valorização dos imóveis.  

Habitação em Portugal em 2025
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Crise da habitação em Portugal continuará a agravar-se: porquê?

Tudo indica que a procura de habitação deverá continuar a aumentar por toda a Europa em 2025, perante as descidas dos juros no crédito habitação motivadas pelos cortes das taxas do BCE. E Portugal não é exceção, tendo outros fatores que impulsionam ainda mais a procura de casas à venda, como é o caso da isenção de IMT e a garantia pública para jovens.

Portanto, espera-se que o mercado residencial português reforce o dinamismo já sentido na segunda metade de 2024, quer em número de casas vendidas (aumentou 19,4% no verão em termos homólogos para 40.909 habitações transacionadas, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística), quer em concessão de novos créditos habitação, que alcançou os 1.676 milhões de euros em outubro, “o valor mais elevado da série histórica, que se inicia em dezembro de 2014”, segundo revelou o Banco de Portugal.

Mas as famílias que vão procurar casas nos próximos meses deverão deparar-se com habitações cada vez mais caras. “Podemos prever, desde já, com os dados que temos, que os preços vão aumentar muito mais, seja das rendas, seja da compra de imóveis”, assinalou o arquiteto Tiago Mota Saraiva citado pela Lusa. Isto acontece porque há muito mais incentivos à compra de casas do que à construção ou reabilitação de habitação no país, com as medidas do Governo da AD neste sentido a chegarem a conta gotas e com efeitos só no médio-longo prazo – a mais recente foi nova lei dos solos, que permite construir casas em terrenos rústicos.

Além disso, o Executivo tem lançado outras políticas que podem promover a aceleração do aumento dos preços dos imóveis. Foi o caso da venda de património público: “Este tipo de intervenção do Estado, num mercado que está ao rubro, com vendas astronómicas, com grande lucro para imobiliárias, vai fazer com que os preços, todos eles, venham para cima”, antecipa o arquiteto.

“Não há indícios de que haja abrandamento” do custo da habitação, já que o pacote legislativo do Governo resultou “numa aceleração do aumento de preços e não no oposto”, aponta Guilherme Rodrigues, coordenador do mais recente estudo da associação Causa Pública, que concluiu que Portugal tem uma das maiores crises habitacionais da Europa.

Construção de casas deverá aumentar – mas continuará aquém das necessidades

A habitação poderá entrar numa “fase de expansão” do ciclo imobiliário, tendo em conta “as perspetivas de crescimento de capital e retornos totais, que favorecem fortemente os investidores que aplicam capital”, antecipa a Cushman & Wakefield. É esperada, sim, que haja uma maior produção na construção em Portugal à medida que os juros desçam, uma vez que muitos projetos ficaram na gaveta perante as dificuldades de obter financiamento bancário. Esta retoma já se está a sentir com o nosso país a registar em outubro a maior subida homóloga (6,9%) da produção na construção na União Europeia, segundo o Eurostat.

Mas estas casas novas que vão chegar ao mercado em 2025 (e nos anos seguintes) não deverão ter preços compatíveis com os salários das famílias, perante os elevados preços dos terrenos, alto custo da construção e as despesas relativas aos processos burocráticos. De acordo com os dados do INE, as casas novas vendidas no verão de 2024 custavam, em média, mais 50% do que as casas usadas, tendo mesmo ultrapassado pela primeira vez o patamar dos 300 mil euros.

É perante as previsões de uma escassa colocação de habitação acessível no mercado no próximo ano que vários especialistas ouvidos pela Lusa arriscam dizer que a atual crise na habitação em Portugal vai continuar a agravar-se. 2024 foi um ano de "grande agravamento” no acesso à habitação, diz Rita Silva, ativista e investigadora, antecipando que “o problema só pode persistir”, tendo em conta a ausência de medidas estruturais que permitam resolver a crise na habitação (as medidas até agora anunciadas deverão ter impacto limitado).

E também ficam a faltar incentivos para colocar mais casas no mercado de arrendamento. Recordando que “há milhares e milhares de casas que estão vazias”, António Frias Marques, presidente da Associação Nacional de Proprietários, considera que seria importante o Governo ouvir os donos destas casas e ver o que se pode fazer para que venham parar ao mercado.

É neste contexto que Rita Silva prevê que vão aumentar as desigualdades sociais na habitação em Portugal em 2025, com o contraste “entre o luxo e as barracas”. A ativista antecipa “pessoas sem-abrigo a aumentar, os despejos silenciosos em escala, a autoconstrução, que volta a ser uma realidade para milhares de pessoas, que procuram uma barraca para viver, sem condições, com problemas de acesso à água, eletricidade e saneamento”.

Construir casas em Portugal
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Imóveis comerciais: investimento sairá reforçado em 2025 

Para este novo ano, espera-se que o imobiliário comercial continue a sua rota de recuperação iniciada em 2024, quer em investimento, quer em ocupação. O clima macroeconómico marcado por novas descidas dos juros e inflação a rondar os 2% deverá estimular ainda mais o investimento em escritórios, retalho, logística e hotelaria. Até porque há vários negócios em curso que vão transitar para 2025, numa altura em que o ambiente económico e financeiro está mais favorável.

O que também é esperado é que haja um reforço de investimento na sustentabilidade e nos negócios operacionais, que apoiam a tecnologia, inovação e a digitalização. Aliás, "os data centers ocupam agora o primeiro lugar em termos de investimento, desenvolvimento e perspetivas de receitas globais para 2025, seguidos pelos ativos de infraestruturas energéticas”, conclui ainda o estudo da PwC e da ULI.

Investimento imobiliário em Portugal
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Estas são as perspetivas para 2025 para os segmentos tradicionais de imobiliário comercial, de acordo com o relatório europeu da Cushman & Wakefield:

  • Escritórios: no próximo ano, esperam-se uma consolidação da procura por escritórios, sobretudo imóveis de qualidade e em zonas privilegiadas. Haverá mais investidores a avaliar aquisições e esperam-se mais escritórios disponíveis no mercado gerando um “otimismo cauteloso” no que toca ao investimento imobiliário. A ocupação de escritórios deverá continuar robusta em localizações premium;
  • Hotelaria: depois do crescimento positivo em 2024, espera-se que a hotelaria continue a expandir-se no próximo ano, com o crescimento de transações e valorização dos ativos;
  • Retalho: à medida que o poder de compra melhora, os volumes de investimento e de ocupação também deverão aumentar no universo do retalho, prevendo-se melhores desempenhos para os centros comerciais e lojas em ruas principais. Já os imóveis de retalho em zonas secundárias seguirão menos atrativos;
  • Logística: o crescimento da ocupação de espaços deverá continuar em 2025, embora com ritmo mais modesto. A logística voltará a ser um dos segmentos prioritários de alocação de capital para muitos investidores, pelo que o volume de investimento deverá subir no próximo ano, à medida que a confiança aumenta. “O ritmo da atividade dependerá da disponibilidade do produto de investimento”, detalham. No entanto, a chegada de Trump à Casa Branca e a implementação das novas taxas alfandegárias poderá criar incertezas e preocupações nestas empresas.

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