Ciclo de polémicas iniciado com lei dos solos acabou por pôr fim ao Governo, 11 meses depois de tomar posse. País vai a eleições.
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Herança de Montenegro no imobiliário
Luís Montenegro, primeiro-ministro Getty images

O chumbo da moção de confiança no Parlamento ditou a demissão do Governo de Montenegro 11 meses depois de tomar posse, levando os portugueses a novas eleições legislativas em maio. Foram várias as medidas que o Executivo da Aliança Democrática (AD) implementou no universo da habitação e do imobiliário, desde o reforço da habitação pública às novas ajudas para os jovens comprarem casa. Também avançou com a lei dos solos para permitir a construção de casas em solos rústicos reclassificados. Mas este diploma acabou por ser o gatilho que incendiou uma onda de polémicas no Governo, ditando o seu fim.

Luís Montenegro estreou-se como primeiro-ministro a 2 de abril de 2024, altura em que o ambiente económico já dava sinais de melhoria. E a verdade é que ao longo do último ano foi-se sentido uma estabilização da inflação em torno de 2% e a redução dos juros, que aliviou as prestações dos créditos (habitação) das famílias portuguesas e ajudou a acelerar o consumo.

No que toca à habitação e imobiliário, o Governo da AD deixa um legado com várias medidas, muitas das quais integram o seu programa Construir Portugal:

  • revogou várias medidas do Mais Habitação do Executivo do Costa, como o arrendamento forçado de casas devolutas e medidas que penalizavam a atividade do Alojamento Local (taxa extraordinário, por exemplo);
  • ajuste do regime jurídico da exploração do AL dando poderes às autarquias;
  • reforço da habitação pública, juntando às 26 mil casas financiadas pelo Plano de Recuperação e Resiliência outras 33 mil que vão contar com financiamento do Orçamento do Estado;
  • início da transferência de imóveis públicos para as autarquias em prol da habitação;
  • implementação da isenção de IMT e Imposto de Selo, e da garantia pública para o financiamento a 100% na compra da primeira casa pelos jovens até aos 35 anos, a par da reformulação e alargamento do IRS Jovem;
  • alterações à lei dos solos para construção de casas em terrenos rústicos reclassificados como urbanos, com recentes ajustes do PS. Acontece que as recentes alterações aprovadas pelo Parlamento ainda têm de passar pelo crivo do Presidente da República. Caso não haja promulgação do novo diploma, ficará em vigor aquele que deu origem a várias críticas;
  • Alcochete foi a localização escolhida para construir o novo aeroporto de Lisboa, por entendimento da AD e do PS. E a ANA- Aeroportos teve luz verde para apresentar a sua candidatura. Mas os trabalhos podem ser efetados com as novas eleições legislativas;
  • primeiros passos dados para construir a linha ferroviária de alta velocidade (TGV), que poderá ficar agora em stand-by.

Além destes e de outros diplomas, o Governo de Montenegro deixa uma economia a crescer cerca de 2%, uma taxa de desemprego baixa, um ligeiro excedente orçamental e a continuação da trajetória de redução da dívida pública. Mas também deixa políticas fiscais com grande impacto na despesa, como o IRS Jovem.

Por outro lado, fica no ar uma das suas principais medidas bandeira: reduzir o IVA na construção nova dos atuais 23% para 6%, para ajudar a reduzir os preços das casas e melhorar o acesso à habitação no país. E ainda falta sair a revisão do simplex dos licenciamentos urbanísticos, iniciada após fortes críticas dos municípios e especialistas do setor.

Medidas na habitação do Governo de Montenegro
Getty images

O ciclo de polémicas com a lei dos solos que pôs fim ao Governo 

A avalanche de polémicas no Governo de Montenegro começou quando a RTP noticiou que o ex-secretário de Estado da Administração Local Hernâni Dias havia criado duas empresas já enquanto governante responsável pela recém-publicada lei dos solos. Embora tenha rejeitado qualquer conflito de interesses, Hernâni Dias acabou por se demitir a 28 de janeiro, até porque também passou a ser investigado pela Procuradoria Europeia por suspeitas de ter recebido contrapartidas durante o seu percurso enquanto autarca de Bragança.

Pouco tempo depois, Montenegro aproveitou a ocasião para fazer uma pequena remodelação do Governo, substituindo seis secretários de Estado, tal como noticiou o idealista/news. Foi Silvério Regalado, gestor e ex-presidente da Câmara Municipal de Vagos, que acabou por assumir o cargo de secretário de Estado da Administração Local. 

Mas o ciclo de polémicas estava só a começar. Logo depois, o Correio da Manhã noticiou que a empresa Spinumviva da mulher e dos filhos de Montenegro poderia beneficiar com a alteração à lei dos solos aprovada pelo Governo, gerando potencial conflito de interesses, uma vez que o primeiro-ministro é "casado em comunhão de adquiridos com a principal sócia da firma".  Mas o primeiro-ministro acabou por rejeitar qualquer conflito de interesses, explicando que não participava na gestão da empresa e reiterando em várias ocasiões estar em exclusividade e de consciência tranquila.

Polémica na lei dos solos
Getty images

A polémica em volta de Montenegro subiu de tom quando veio a público que a Spinumviva prestava serviços ao grupo Solverde, que detém a concessão dos casinos de Espinho e do Algarve. Também aqui haveria potencial conflito de interesses, pois seria este Governo a negociar nova concessão se o país não fosse novamente a eleições legislativas em maio. Entretanto, o grupo Solverde acabou por sair de cena, rasgando o contrato com a empresa da família de Montenegro.

Nas últimas semanas, o Governo escapou a duas moções de censura (apresentadas pelo Chega e pelo PCP), onde Montenegro acabou por dar explicações sobre as polémicas em torno da empresa da família, que nunca foram suficientemente esclarecedoras para os deputados do hemiciclo. O PS acabou mesmo por pedir uma Comissão Parlamentar de Inquérito para que houvesse uma investigação do caso. Face a este cenário, o Governo acabou por avançar com uma moção de confiança, que acabou chumbada esta terça-feira (dia 11 de março) com os votos contra de PS, BE, PCP, PAN, Livre e Chega. Só o PSD, CDS-PP e a Iniciativa Liberal votaram a favor. 

Assim chega ao fim da governação do Executivo da AD, levando o país novamente às urnas em meados de maio, tal como apontou o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Portugal enfrenta uma nova fase de instabilidade sem solução governativa à vista.

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