Desequilíbrio entre o preço das casas e os rendimentos agravou-se na Europa, mostram dados da OCDE. O idealista/news analisa.
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Acesso à habitação em Portugal
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Encontrar uma casa para comprar compatível com os orçamentos das famílias tornou-se mais difícil desde o início de 2020. Foi nessa altura que a pandemia da Covid-19 entrou nas nossas vidas e tudo mudou, criando a necessidade de mudar de casa. Desde então, a subida dos preços das casas à venda tem vindo a acelerar em vários países do mundo, Portugal incluído. Mas os rendimentos das famílias não têm acompanhado esta evolução - e agora estão pressionados pela alta inflação que se faz sentir e pela subida das taxas de juro.

Em resultado, pode dizer-se que o acesso à habitação caiu na maioria dos países europeus que pertencem à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), desde o rebentar da pandemia. E Portugal é, neste contexto, o terceiro país onde é mais difícil comprar casa desde então.

Viver os longos períodos de confinamento durante a pandemia foi o gatilho para despertar para a  importância da casa no seio familiar. Passou a valorizar-se mais as divisões comuns e, sobretudo, os espaços exteriores, como jardins e varandas. Reconhecer a importância do lar para a qualidade de vida e bem-estar levou muitas famílias a procurar uma nova casa para viver - muitas vezes longe dos grandes centros urbanos -, gerando um “boom” nos mercados residenciais um pouco por todo o mundo.

Até porque, além das famílias passarem a valorizar mais a habitação, também viram então reunidos vários fatores que incentivaram a compra de casa, como a estabilidade do emprego, as condições do crédito habitação ainda apetecíveis e as poupanças acumuladas durante a pandemia, a par do teletrabalho. A corrida à compra de casas entretanto instalada, acabou por se refletir nos preços do mercado: no final de 2021, os preços das casas nos 38 países da OCDE estavam a crescer ao ritmo mais rápido de sempre.

Mas este cenário teve uma consequência: aumentou ainda mais o fosso entre os preços das casas à venda e os rendimentos familiares, já que os salários não acompanharam o ritmo de evolução dos valores das habitações colocadas nos mercados. Ou seja, o acesso à habitação piorou desde a pandemia na maioria dos países da OCDE, elevando a taxa de esforço das famílias, mostram os dados oficiais da organização.

Como o acesso à habitação piorou nos países da OCDE?

Para medir a acessibilidade da habitação – isto é, as condições financeiras que as famílias têm para adquirir uma casa por um preço acessível -, a OCDE calcula a relação entre os preços das casas e os rendimentos brutos anuais das famílias (valores médios). E tem por base o indicador de 100 pontos correspondendo ao ano de 2015. Sendo que este rácio é superior a 100 pontos significa que o crescimento dos preços médios da casa desde 2015 superou a evolução dos rendimentos disponíveis. Por outras palavras, isto quer dizer que a habitação tornou-se menos acessível.

Olhando o cenário antes e depois da pandemia na Europa, conclui-se que o acesso à habitação piorou na grande maioria dos 28 países europeus que pertencem à OCDE. O desequilíbrio entre preços das casas e rendimentos foi mais acentuado no Luxemburgo, tendo aumentado 28 pontos entre 2019 e 2021. Em segundo lugar está a Áustria, onde piorou 21 pontos. Portugal foi mesmo o terceiro país europeu da OCDE onde o acesso à habitação se tornou mais difícil entre estes dois momentos (+20 pontos).

Conta-se um total de 12 países europeus onde o desequilíbrio entre os preços das casas e os rendimentos das famílias cresceu mais de 10 pontos em apenas dois anos. Mas também se observa o contrário: na Bulgária, na Irlanda e na Letónia o acesso à habitação melhorou entre 2019 e 2021, mostram os dados.

De notar ainda que a Finlândia (98), Itália (94), e Roménia (81) apresentam um valor inferior a 100 pontos, embora tenham registado uma subida do rácio entre preços e rendimentos neste período. Isto quer dizer que as famílias conseguem comprar casa com os seus atuais rendimentos.

Como evoluiu a relação entre os preços das casas e rendimentos em 2022?

Em 2022, o cenário macroeconómico mudou muito. Os países, que ainda estavam a recuperar do choque pandemia, viram-se confrontados com o eclodir da guerra da Ucrânia em fevereiro desde ano, um conflito que trouxe sérios problemas para o abastecimento de produtos energéticos e de alimentos. Em resultado, a inflação começou a subir para os níveis mais elevados das últimas décadas, aumentando o custo de vida e pressionando os rendimentos das famílias.

Todo este cenário desencadeou reações por parte dos bancos centrais de todo o mundo, que começaram a subir as taxas de juros diretoras para baixar a inflação, e consequentemente agravando os juros do crédito habitação e a prestação da casa - mesmo correndo o risco de travar o crescimento económico dos países.

Mas nem a pandemia, nem o atual cenário travaram, até ao momento, a escalada dos preços das casas em vários países da OCDE, aumentando ainda mais o fosso entre o valor das casas à venda e os rendimentos familiares, tal como mostram os dados provisórios da organização. Na zona da OCDE, o desequilíbrio passou dos 118 pontos em 2021 para 128 pontos no segundo trimestre de 2022 (+10 pontos).

Em Portugal, os preços das casas superaram os salários em 47% nos três meses terminados em junho, mais 2 pontos percentuais (p.p). que no trimestre anterior e 5 p.p. que a média de 2021. Olhando para o rácio apurado para o segundo trimestre do ano, Portugal, com 147 pontos, ocupa o quinto lugar da lista de países da OCDE, liderada pela República Checa (152 pontos), Países Baixos (151 pontos), Luxemburgo (151 pontos) e Canadá (148 pontos).

Preços das casas em Portugal continuam a subir em 2022

No nosso país, os preços das casas para comprar subiram uma média de 9,4% em 2021 face ao ano anterior. E os dados Instituto Nacional de Estatística (INE) revelam que a tendência de subida dos preços das habitações continua em 2022:

  • 1º trimestre de 2022: as casas ficaram 12,9% mais caras em relação ao mesmo período de 2021;
  • 2º trimestre de 2022: os preços das casas subiram 13,2% em termos homólogos, “atingindo um novo máximo histórico da série disponível”, ou seja, desde 2010, revelou o gabinete de estatística português no final de setembro.

A subida dos preços das casas em Portugal deve-se, sobretudo, à falta de oferta de casas para a elevada procura. Mas não só. Estes são outros motivos que estão por detrás deste desequilíbrio no mercado residencial português que está a alavancar o custo de adquirir habitação no nosso país:

  • Emprego estável: a taxa de desemprego estabilizou em outubro nos 6,1%, de acordo com a estimativa publicada pelo INE esta quarta-feira, dia 30 de novembro. Com os níveis de desemprego mais baixos da última década, as famílias continuam a ter estabilidade financeira para comprar casa ou para continuar a pagar as hipotecas aos bancos, muito embora com o agravamento dos juros;
  • Maior poupança das famílias: os depósitos das famílias nos bancos continuam a aumentar, seguindo a tendência observada durante a pandemia. Segundo os dados do Banco de Portugal (BdP), os depósitos de particulares totalizavam 182,1 mil milhões de euros no final de outubro, mais 7,0% face ao período homólogo;
  • Disponibilidade dos bancos para conceder créditos habitação: embora haja regras macroprudenciais mais apertadas, os bancos continuam a mostrar disponibilidade para financiar a compra de casa. Os dados do BdP mostram que no final de outubro de 2022, o montante total de empréstimos para habitação foi de 100,1 mil milhões de euros, representado um aumento de 4,2% face ao mesmo mês de 2021. Mas com a subida dos juros nos créditos habitação a toda a velocidade, foi registado um abrandando na subida do montante total de crédito habitação concedido a particulares entre agosto e outubro;
  • Estrangeiros continuam a dar gás à compra de casas: os compradores não residentes no país voltaram a dinamizar o mercado residencial português, depois do choque da pandemia. De tal forma que, segundo o regulador liderado por Mário Centeno, os estrangeiros representaram 11,7% do valor das transações de habitação no país no acumulado dos quatro trimestres terminados em junho. E, além disso, compram casas 95% mais caras, em termos médios, do que os compradores residentes;
  • Custos da construção a subir (materiais, matérias-primas, mão de obra): de acordo com o INE, os custos de construção de casas novas aumentaram 13,4% em setembro de 2022, face ao mesmo mês de 2021. Este cenário acaba por fazer subir os preços finais das habitações e também por travar novos projetos.
Comprar casa em Portugal
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Rendimento médio dos portugueses: como está a evoluir?

Os salários dos portugueses também estão a subir, mas a um ritmo bem inferior ao dos preços das casas. Entre setembro de 2022 e o mesmo período do ano passado, os rendimentos brutos mensais subiram cerca de 3,9%, fixando-se em 1.353 euros/mês no final de setembro, apontam os dados provisórios do INE.

As diferenças na evolução dos valores das habitações e dos rendimentos médios familiares ficam, então, bem visíveis. Ora, os preços das casas em 2021 subiram uma média 9,4% contra a subida dos rendimentos médios de 3,6% (ou seja, mais 5,8 pontos percentuais). E no segundo trimestre de 2022, as casas ficaram 13,2% mais caras do que no período homólogo. Mas os salários médios mensais só subiram 3,3% nesse período, evidenciando-se uma diferença de quase 10 pontos percentuais.

Acesso à habitação no futuro: será mais equilibrado? 

O cenário económico atual aglomera vários fatores que poderão influenciar a relação entre os preços das casas e os salários das famílias num futuro próximo. A inflação - que atingiu os 9,9% em novembro - está a tornar o custo de vida em Portugal mais elevado (quer por via dos custos dos alimentos, quer pelo aumento dos preços dos combustíveis e da energia), encolhendo o rendimento disponível dos agregados. E, de forma indireta, está ainda influenciar o aumento as taxas de juro dos créditos habitação.

Recorde-se que para fazer baixar a inflação até aos 2%, o Banco Central Europeu (BCE) subiu as taxas de juro diretoras em 200 pontos base desde o início do ano (e pretende continuar a fazê-lo). E em reação a estes aumentos, as taxas de juros dos créditos habitação estão subir, quer as taxas variáveis (influenciadas diretamente pela Euribor), quer as taxas fixas.

Com os juros a pesarem mais nas prestações da casa, muitas famílias optam por adiar o sonho de comprar casa. E isso reflete-se na procura de habitações para comprar e também na concessão de créditos habitação, que está a abrandar. É o que diz o BdP no Relatório de Estabilidade Financeira de novembro de 2022: "A incerteza corrente, a potencial perda de rendimento real das famílias e aumentos adicionais das taxas de juro poderão reduzir a procura por ativos imobiliários”, concluiu o regulador liderado por Mário Centeno.

Também já há sinais de algum abrandamento da procura de créditos habitação para comprar casa em Portugal. O Inquérito aos Bancos sobre o Mercado de Crédito de outubro revela que, no terceiro trimestre, a procura de empréstimos para aquisição de habitação por particulares diminuiu ligeiramente. E as instituições esperam uma redução adicional na procura no quarto trimestre do ano. A queda de confiança das famílias, as perspetivas para o mercado de habitação e a subida das taxas de juro contribuíram para este cenário.

Dado o enquadramento económico atual, o regulador português admite que há o risco de se verificar uma “redução dos preços no mercado imobiliário residencial”. E não é o único a apontar uma queda dos preços das habitações. Os próprios economistas do BCE estimam que os preços das casas, no conjunto dos países da Zona Euro, registem uma descida de até 9% nos próximos dois anos, fruto da subida das taxas de juro no crédito habitação. E os analistas do BPI acreditam que, dado o atual contexto, possa haver um ajustamento do preço das casas à venda em 2023 na ordem dos -1,5%.

Há, no entanto, um contraponto. A subida dos preços das casas é em grande parte justificada pela falta de oferta de habitação no mercado. E as restrições na oferta de habitação vão continuar a existir no futuro, o que significa que, em caso de redução da procura, “não é de esperar um excesso de oferta de habitação que requeira um período prolongado para que seja a absorvida pelo mercado”, explica o BdP.

Havendo procura para absorver a oferta de casas e tendo em conta que os custos da construção continuam a subir, a correção de preços de mercado, a existir, deverá de ser ligeira. Já os rendimentos das famílias muito precisam de subir para igualar o aumento dos preços das habitações nos últimos anos e, assim, tornar o acesso à habitação mais equilibrado.

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