
Os preços das habitações continuam a subir mais rápido do que os salários na maioria dos 38 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). E Portugal aparece em quinto lugar nesta lista, com os preços das casas a superarem os salários em quase 40%. Este não é um cenário novo, mas tem vindo a agravar-se nos últimos anos. Neste artigo, o idealista/news mergulhou nos dados da OCDE e mostra como têm evoluído os preços das casas e os rendimentos disponíveis nos últimos dez anos.
A evolução dos preços das casas nos últimos anos tem sufocado muitas famílias por vários países do mundo, sobretudo, porque os salários não têm acompanhado este crescimento. É isto que mostra o rácio entre os preços das casas e o rendimento disponível das famílias que vivem nos diferentes países da OCDE. O caso mais grave observado no terceiro trimestre de 2021 é o dos Países Baixos, país onde os preços das casas superam os rendimentos em 48,3%. E logo a seguir está a República Checa e a Nova Zelândia, onde esta diferença é de 40,4% em ambos os países, seguido de Luxemburgo (40,3%). Portugal surge em quinto lugar, onde os valores praticados no mercado residencial excedem os salários em 39,3%.
Contam-se 11 países dos 31 estados com dados conhecidos da OCDE, onde os preços das casas excederam os salários em mais de 20,8% no entre julho de setembro de 2021, valor esse que é a média da OCDE. Os dados mais recentes revelam ainda que, destes, 8 veem os valores das habitações superar em 30% ou mais os rendimentos disponíveis pelas famílias. Ainda assim, note-se, que há ainda onde os preços das casas não ultrapassam os orçamentos familiares, nomeadamente na Coreia do Sul, Itália e na Finlândia.
Preços das casas têm excedido cada vez mais os salários na OCDE
O que os dados também mostram é que esta realidade se tem agravado em todos os 31 países da OCDE com dados disponíveis (fora da lista está a Colombia, Costa Rica, Chile, Islândia, Israel, México e Turquia). As maiores subidas homólogas de todas foram observadas na República Checa e na Austrália, países onde o rácio dos preços das casas pelos rendimentos disponíveis subiu 19,6% entre o verão de 2020 e o mesmo período de 2021. Além destes, contam-se outros 5 países da OCDE que registaram aumentos anuais superiores a 10% (Nova Zelândia, Países Baixos, EUA e Lituânia). Os menores aumentos foram registados na Finlândia (0,3%), Itália (1,9%) e Polónia (2,8%).
Focando Portugal no mapa europeu, salta à vista que também houve um agravamento deste cenário entre estes dois momentos. O rácio dos preços das casas face aos salários em território nacional passou de 134,1 no verão de 2020 para 139,3 no terceiro trimestre de 2021 (ou seja, +3,9%), atingindo, assim, o maior valor do rácio desde 2018 no verão do ano passado. Isto quer dizer que os preços das casas continuaram a crescer mais rápido do que os salários mesmo durante a pandemia. Mas qual é essa evolução em concreto?
Como têm evoluído os salários e os preços das casas em Portugal?
Fazendo contas simples, é possível ver esta diferença: o salário mínimo nacional subiu de 635 euros em 2020 para 665 euros em 2021, uma evolução que se traduz num aumento de 4,7% (+30 euros). Já os preços das casas subiram muito mais: os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE) mostram que o preço das habitações apresentou uma variação média anual de 9,4% em 2021 face ao ano anterior. Ou seja, os preços das casas subiram mais 4,7 pontos percentuais (p.p.) num ano do que os salários mínimos de referência em Portugal.
E quanto é que aumentaram os salários e preços das casas em dez anos? Desde 2010 até 2021 (o ano em análise), o salário mínimo em Portugal aumentou 40% passando de 475 euros mensais para 665 euros. Face ao ordenado de 2022, de 705 euros, a diferença é de 48%, mostram os dados da Direção Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (DGERT) e do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social publicado pela PORDATA.
O que também é certo é que os portugueses continuam a ter um poder de compra bem inferior à média da União Europeia. Isto porque em 2021 o Produto Interno Bruto (PIB) per capita foi de 74% em Portugal, enquanto a média dos 27 foi de 100%, segundo apontam os dados divulgados pelo Eurostat esta quarta-feira, dia 23 de março de 2022.
E como evoluíram os preços das habitações? Acelerou mais de 50% entre 2010 e o segundo trimestre de 2021, segundo mostram os dados do Eurostat publicados em outubro passado. E o valor das rendas disparou 20% entre estes dois momentos. Isto quer dizer que os preços das casas aumentaram mais que as rendas em Portugal entre estes dois momentos. E ainda que tanto o mercado de compra de venda de casas, como o mercado de arrendamento têm-se tornado cada vez menos acessíveis aos bolsos das famílias portuguesas.
A elevada procura para oferta de casas existente no mercado – que só aumentou 1% em dez anos, segundo apontou a JLL - é um dos pontos que justifica a subida de preços das habitações ao longo do tempo. E as poupanças das famílias aliadas às baixas taxas de juro no crédito habitação também explicam a elevada procura de casas durante a pandemia, segundo apontou o Fundo Monetário Internacional (FMI) numa análise recente. A tudo isto soma-se ainda o facto da casa ter saído valorizada na pandemia, sobretudo os espaços com maiores áreas no interior e as varadas e jardins no exterior.
E o que se pode esperar do futuro?
Mas o cenário poderá mudar em breve. Isto porque a inflação está hoje em alta na Zona Euro (chegou aos 5,9% em fevereiro de 2022) e está a agravar-se ainda mais com a guerra na Ucrânia. E este cenário poderá aumentar mais os preços das casas e, por outro lado, reduzir o rendimento disponível das famílias, aumentando ainda mais o fosso já existente entre os dois.
O conflito entre a Rússia e a Ucrânia poderá também fazer escalar ainda mais os preços da construção, um cenário que, de resto, poderá empurrar para cima os preços finais das casas tornando-os ainda mais inacessíveis às famílias. Quem o diz é o próprio Manuel Reis Campos, líder da CPCI e da AICCOPN, em declarações ao idealista/news: "Se os aumentos nos custos de construção continuarem a materializar-se, acabarão por se refletir, inevitavelmente, nos preços das casas e nos encargos de manutenção das mesmas”.
Além disso, se o Banco Central Europeu (BCE) avançar com a subida da taxa de juro diretora, os créditos habitação – sobretudo os de taxa variável indexados às taxas Euribor - vão tornar-se menos apetecíveis já este ano. Por outro lado, os portugueses estão a perder poder de compra com o continuo e generalizado aumento dos preços (já sentido, sobretudo, no supermercado e nos combustíveis). Vendo o rendimento mensal disponível reduzido com a inflação, sem os salários a acompanhar, o apetite por comprar casa também poderá também diminuir no futuro.

1 Comentários:
Utilizar o aumento do salário mínimo para comparar com o aumento do do custo da habitação é uma falácia, pois essa percentagem não foi acompanhada no salário médio em Portugal.
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