Instabilidade económica e legislativa deixam marcas. B. Prime, CBRE, Cushman & Wakefield, JLL, Savills e Worx fazem raio-x ao setor.
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Cosultoras pedem ao novo Governo mais estabilidade no setor imobiliário
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O ano de 2023 deixará saudades no setor imobiliário? E o que esperar de 2024, que ficará desde já marcado por um virar de página no Governo, com a realização de eleições legislativas no dia 10 de março? Cautela, esperar para ver, instabilidade política e turbulência económico-financeira – taxas de inflação altas, embora estejam a descer, e taxas de juro elevadas – são expressões usadas ao longo do ano passado para caracterizar o estado da nação do setor imobiliário. A tudo isto junta-se uma crise na habitação, sendo urgente aumentar a oferta de casas a preços “ajustados”. Haverá, ainda assim, motivos para estar otimista? O idealista/news tenta dar respostas a estas e outras perguntas com a ajuda das principais consultoras imobiliárias a operar em Portugal, que fazem a assessoria e divulgação de negócios imobiliários de milhões de euros e lidam de perto com proprietários e investidores.

O que esperar do imobiliário em 2024? Ideias a reter:

  • Incerta e prudência são palavras de ordem;
  • Acabar com a crise na habitação é prioridade; 
  • País vai a votos em março: a que deve estar atento o próximo Governo?;
  • Portugal continua a ser atrativo para os investidores... Mas há concorrência. 

2023, um ano de muitos desafios

“Como esperado, 2023 foi um ano desafiante a que acresceu muita instabilidade legislativa que afeta diretamente o setor, principalmente a confiança dos investidores, e isto quando ela era mais necessária que nunca. O próximo ano mantém-se incerto, desta vez porque em termos económicos não sabemos o impacto da desaceleração que já se sente e, por outro lado, [há] a potencial instabilidade política, que irá levar a seis meses de muitas incertezas”, diz Jorge Bota, Managing Partner da B. Prime. 

“Portugal continua a ser atrativo, mas tem de fazer por isso, pois existem sempre outros destinos concorrentes, e esses não param”, avisa, salientando que o grande risco continua a ser a incerteza: “Como se aplica aos investidores, também se aplica às empresas que têm pouca confiança para continuar a arriscar em novos investimentos, contratações e inovação de atividades. Oportunidades existem sempre, mesmo nos maus momentos, é preciso é estar focado e identificá-las”.

“Portugal continua a ser atrativo, mas tem de fazer por isso, pois existem sempre outros destinos concorrentes, e esses não param. (...) Oportunidades existem sempre, mesmo nos maus momentos, é preciso é estar focado e identificá-las"
Jorge Bota, Managing Partner da B. Prime

Gonçalo Santos, Head of Capital Markets da JLL, refere que é de esperar que haja este ano “uma quebra no volume total de investimento em imobiliário, quer comercial, quer residencial”. Quebra essa que “surge num contexto macroeconómico e geopolítico mais desafiante”, não sendo o mercado imobiliário “imune a esta conjuntura”. 

“As próprias condicionantes internas, nomeadamente as sucessivas alterações regulatórias e a crise política trazem uma camada adicional de incerteza, o que trará consequências na forma como os investidores olham para Portugal”, refere, sublinhado que o país continua e continuará a ser um destino atrativo de investimento, pelos fundamentais que o caracterizam: “A situação geográfica, o clima, a segurança, a oferta de escolas de qualidade e internacionais e os valores muito competitivos na vasta maioria das classes de ativos do mercado imobiliário, que continuam a fazer frente a outras capitais europeias”. 

Consultoras imobiliárias analisam setor
Foto de Thomas Winkler na Unsplash

Primeiro semestre marcado por “grande ponderação”

Esta é, de resto, uma opinião partilhada pelos especialistas ouvidos pelo idealista/news. “Em 2023, o mercado imobiliário sentiu a pressão causada por diversos constrangimentos económicos externos, provenientes de atual situação macroeconómica. No segmento residencial, se por um lado se manteve o interesse de investidores estrangeiros em desenvolver projetos em Portugal, por outro verificou-se uma crise habitacional que impactou, sobretudo, as classes sociais com menores rendimentos”, analisa Patrícia de Melo e Liz, CEO da Savills Portugal. 

Já os segmentos de retalho e turismo têm vindo a registar uma “grande dinâmica, que lhes tem permitido liderar as transações imobiliárias”, frisa. Para 2024, “tendo em conta o atual contexto, aliado à incerteza que persiste sobre a escalada das taxas de juro e às tensões geradas pelos conflitos na Ucrânia e no Médio Oriente, espera-se um primeiro semestre marcado por uma grande ponderação na tomada de decisão por parte dos investidores”.

De acordo com a especialista, “uma maior diversificação das carteiras será certamente a estratégia adotada pelos investidores que procuram equilibrar o nível de exposição, direcionando o seu investimento para segmentos alternativos, tais como residencial, senior living, healthcare e student housing”. De uma coisa Patrícia de Melo e Liz diz não ter dúvidas: “Portugal continuará a figurar da lista das geografias mais atrativas para investir”.

"O ano de 2023 para o mercado imobiliário comercial foi amplamente determinado pelo contexto financeiro global. (...) [Ainda assim] tendo em conta que os fundamentais de mercado se mantêm inalterados, não há razão para que Portugal não continue a ser competitivo relativamente a outros mercados e, portanto, um destino atrativo para o investimento estrangeiro”
Pedro Rutkowski, CEO da Worx Real Estate Consultants

Do lado da Worx Real Estate Consultants, Pedro Rutkowski considera, também, que “o ano de 2023 para o mercado imobiliário comercial foi amplamente determinado pelo contexto financeiro global”, marcado pela subida da inflação e consecutivos aumentos das taxas de juro.

“Se por um lado, no primeiro semestre foi apurado um volume de investimento superior ao período homólogo, o segundo semestre acabou por refletir refletiu o impacto das condições mais restritivas de acesso a financiamento, com quebras de cerca de 40% no volume de investimento até ao terceiro trimestre. [Ainda assim] tendo em conta que os fundamentais de mercado se mantêm inalterados, não há razão para que Portugal não continue a ser competitivo relativamente a outros mercados e, portanto, um destino atrativo para o investimento estrangeiro”, antecipa o CEO da consultora. 

Oferta de casas em Portugal
Foto de Daniel Seßler na Unsplash

Há “procura por terrenos para projetos residenciais”

Francisco Horta e Costa, diretor-geral da CBRE, é também da opinião de que em 2023 o mercado imobiliário foi impactado pelo “aumento das taxas de juro, em consequência da subida da inflação, e pela instabilidade fiscal e legislativa, devido ao programa Mais Habitação [do Governo] e à incerteza relacionada com o regime dos Residentes Não Habituais (RNH)”. 

“No setor residencial este impacto verificou-se na redução do número de casas vendidas, no aumento do prazo médio das vendas e no abrandamento da subida dos preços. Apesar deste abrandamento, continua a existir procura por terrenos para projetos residenciais, devido ao contínuo desequilíbrio entre oferta e a procura. No mercado de investimento institucional, assistimos a uma forte queda dos volumes de investimento, em virtude da subida das yields e da indefinição dos preços”, destaca. 

Numa análise aos segmentos do imobiliário comercial, Francisco Horta e Costa afirma que o “mais afetado foi o dos escritórios, quer no investimento, quer no que diz respeito à absorção e ocupação”. “Os mais dinâmicos foram o retalho (ao nível da ocupação), a hotelaria e turismo e as residências de estudantes”, comenta, sublinhando que 2023, “apesar de alguma instabilidade e contratempos, foi um ano razoável para o setor imobiliário”. 

O que esperar de 2024? “Um ano difícil, pelo menos no primeiro semestre, devido à situação dos juros altos, que provoca uma descida dos preços do imobiliário. Com o controlo da inflação e a correspondente estabilização ou mesmo redução das taxas de juro, esperada para a segunda metade do ano, é provável que o mercado assista a um maior dinamismo”, responde, antevendo que os segmentos da hotelaria e turismo, residências de estudantes e logística serão os que vão atrair mais investidores.

Eric van Leuven, Head of Portugal da Cushman & Wakefield (C&W), põe o dedo nas mesmas feridas, considerado que “2023 foi para o mercado do imobiliário comercial um ano… morno”. “Será seguro estimar que o volume de transações de imóveis para rendimento deve ficar pela metade de cada um dos últimos três anos – na ordem dos 1,5 mil milhões de euros. Uma redução semelhante à dos volumes de investimento em Espanha, mas menores que no norte da Europa”, prevê.  

"2023 foi para o mercado do imobiliário comercial um ano… morno. (...) No que respeita às políticas de habitação e, mais genericamente, do imobiliário, o Governo de António Costa foi possivelmente o pior das últimas décadas. A cada sucessiva medida conseguiu minar a confiança dos intervenientes do mercado"
Eric van Leuven, Head of Portugal da Cushman & Wakefield

Segundo o responsável, “os grandes investidores continuam muito cautelosos, numa atitude de esperar para ver, na sequência da forte subida das taxas de juro, da incerteza quanto ao papel de escritórios num mundo cada vez mais híbrido e da falta generalizada de confiança num clima de guerra em vários pontos do globo”. 

“Nestas circunstâncias, vemos proporcionalmente mais atividade dos investidores nacionais, nomeadamente dos fundos imobiliários portugueses, bem como de family offices, locais e espanhóis, que geralmente compram ativos de menor dimensão, e sem recorrer à dívida”, conta, assegurando que “Portugal continua a ser um destino preferencial para investidores estrangeiros”, oferecendo “produtos imobiliários de boa qualidade num mercado profissionalizado e transparente, por valores inferiores aos de outros países da Zona Euro”. 

Eric van Leuven mostra-se, no entanto, desagradado com as “políticas erráticas dos últimos governos, com frequentes alterações legais e fiscais”, bem como com a “morosidade na aprovação de projetos”, que podem colocar em risco a atratividade do país. “No que respeita às políticas de habitação e, mais genericamente, do imobiliário, o Governo de António Costa foi possivelmente o pior das últimas décadas. A cada sucessiva medida conseguiu minar a confiança dos intervenientes do mercado”.

António Costa demitiu-se e vai haver novo Governo
Getty images

Novo Governo em 2024. E agora?  

A verdade é que estão agendadas para dia 10 de março eleições legislativas. Será esta uma boa ou má notícia? “Depende da sua natureza e ideologia no que respeita ao setor. Para o imobiliário comercial será sobretudo importante haver estabilidade jurídica e fiscal. Para promover a construção de habitação acessível, será crucial agilizar o licenciamento, diminuir a carga fiscal e rever certos aspetos do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU)”, comenta o Head of Portugal da C&W.

“Instabilidade política nunca é uma boa notícia para o mercado. Os investidores trabalham com base na previsibilidade e por isso dão-se mal com tudo o que destabilize o mercado, nomeadamente ao nível legal, legislativo e fiscal”, alerta Francisco Horta e Costa. 

“É crucial agilizar os licenciamentos, reduzir o IVA da construção, criar leis para promover um mercado de arrendamento habitacional e trabalhar ao nível da mobilidade e das redes de transporte, permitindo assim o desenvolvimento de zonas num raio alargado das grandes cidades, nomeadamente de Lisboa”
Francisco Horta e Costa, diretor-geral da CBRE

Para o diretor-geral da CBRE, “se o novo Governo for capaz de perceber a importância do imobiliário para o país, nomeadamente no papel que os promotores e investidores podem ter na resolução da crise da habitação em Portugal”, é caso para dizer que há “boas notícias”. “É crucial agilizar os licenciamentos, reduzir o IVA da construção, criar leis para promover um mercado de arrendamento habitacional e trabalhar ao nível da mobilidade e das redes de transporte, permitindo assim o desenvolvimento de zonas num raio alargado das grandes cidades, nomeadamente de Lisboa”, sustenta.

Uma forma de pensar, de resto, que gera consenso entre os especialistas auscultados pelo idealista/news. “A instabilidade e incerteza nunca são positivas para a economia e para o investimento e isto aplica-se igualmente ao imobiliário. O melhor que pode acontecer é estabilidade e aperfeiçoamentos, sendo que o tema fiscal é claramente aquele que mais penaliza o setor, comparativamente com os outros mercados concorrentes”, diz Jorge Bota, Managing Partner da B. Prime.

Atrasos nos licenciamentos
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Um elefante que... não sai da sala: licenciamentos

De acordo com Gonçalo Santos, Head of Capital Markets da JLL, “a mudança de Governo, especialmente da forma que aconteceu, é envolta em muita incerteza”, sendo este um ambiente que “nunca é ideal para prosperar”. 

“A oferta que tem vindo a mercado é insuficiente para satisfazer a procura. Este é o principal problema que identificamos e no qual o novo Governo se deve focar, ao contrário das últimas medidas anunciadas, que não parecem ajudar a resolver este entrave. Mantém-se um grande elefante na sala: o licenciamento e a falta de celeridade em processos que atrasam o potencial de projetos imobiliários, sobretudo em Lisboa. É um fator de estrangulamento da oferta, com especial ênfase à residencial”, remata.

Em resposta à pergunta sobre se é uma boa notícia Portugal ter um novo Governo em março, Patrícia de Melo e Liz afirma que “depende sempre da perspetiva”. “Se por um lado as constantes alterações de domínio político e legislativo provocam alguma incerteza junto dos investidores, por outro poderemos ver esta questão como uma oportunidade. Uma oportunidade para olhar de outra forma para o fim do regime dos RNH, por exemplo”.  

"É crucial que o próximo Executivo comece a tratar o setor imobiliário como um dos principais motores da economia e não como um gerador de problemas da sociedade”
Patrícia de Melo e Liz, CEO da Savills Portugal

Para a CEO da Savills Portugal, é “crucial” que o próximo Executivo “comece a tratar o setor imobiliário como um dos principais motores da economia e não como um gerador de problemas da sociedade”.

“Ao invés de aplicar taxas ou acabar com determinados incentivos sem critério, o Estado deveria ter uma estratégia bem delineada sobre o tipo de incentivos a dar, seja para benefício da habitação para jovens e famílias de rendimentos mais baixos, seja para potenciar o investimento de projetos de cariz socialmente mais equilibrado, canalizando incentivos atuais, como os Golden Visa, para projetos que visem resolver a escassez de oferta. Tudo isto só será possível e equilibrado através de um diálogo construtivo entre Governo, municípios, empresas e outros parceiros sociais”, conclui. 

Pedro Rutkowski toca na mesma tecla: “Depois da dissolução do Parlamento, a solução governativa decidida em março será crucial para a imagem de Portugal no panorama internacional. Num contexto em que não se perspetiva uma solução de maioria absoluta, revela-se primordial estabelecer acordos entre os partidos de forma a garantir a segurança, estabilidade e previsibilidade, todas fundamentais na atração de investimento estrageiro”. 

Segundo o CEO da Worx Real Estate Consultants, “a simplificação dos processos de licenciamento e de todo um quadro normativo e regulamentar excessivo, a estabilidade do regime do arrendamento ou o desagravamento fiscal na construção nova seriam, entre outras, mudanças importantes” para manter o interesse do investimento estrangeiro no setor e para ajudar a dar resposta à crise da habitação.

Portugal continua a atrair investidores imobiliários
Foto de Inês Lucas na Unsplash

Onde há oportunidades no setor imobiliário?

“Existem oportunidades no setor de ‘living’, onde há novos conceitos para desenvolver, como por exemplo o de ‘flex living’, onde se arrenda um apartamento mobilado, com muita flexibilidade nos prazos dos contratos, mas também no ‘Build to Rent’ (BtR). Existem também boas oportunidades no setor logístico, devido à falta de armazéns de boa qualidade, e no setor do turismo, devido ao bom desempenho dos hotéis e dos resorts. No entanto, as melhores oportunidades poderão vir de situações onde exista um grande stress financeiro devido ao custo elevado da dívida que implique uma venda forçada de ativos a desconto”, garante Francisco Horta e Costa.

“Onde existe risco, surgem oportunidades”, complementa Eric van Leuven. “Haverá boas oportunidades para compradores com capitais próprios em todas as classes de ativos, aproveitando a necessidade dos proprietários realizarem capital no curto prazo. Haverá ótimas oportunidades também para quem se dedique à modernização ou reconversão de edifícios de escritórios obsoletos e que necessitem de intervenções mais ou menos profundas para continuarem a ser usados como tal, ou para serem transformados para outros usos, nomeadamente residencial ou hoteleiro”, conclui o Head of Portugal da C&W.

Segmentos alternativos atraem investidores

Gonçalo Santos também enaltece o facto de, “como em qualquer crise ou fim de ciclo”, haver “oportunidades a serem capturadas por investidores mais permeáveis a risco, pois o valor dos ativos tem vindo a ser corrigido, em alguns casos verificando-se desvalorizações que não têm uma relação direta com a performance operacional dos ativos”. “Por outro lado, emerge também a oportunidade de adquirir ativos com menos concorrência que no passado, o que geralmente se traduz em melhores condições de aquisição”, indica o Head of Capital Markets da JLL.

"Como em qualquer crise ou fim de ciclo, [há] oportunidades a serem capturadas por investidores mais permeáveis a risco, pois o valor dos ativos tem vindo a ser corrigido, em alguns casos verificando-se desvalorizações que não têm uma relação direta com a performance operacional dos ativos”
Gonçalo Santos, Head of Capital Markets da JLL.

Para Patrícia de Melo e Liz, CEO da Savills Portugal, “a maior oportunidade poderá residir nos segmentos alternativos do imobiliário que, aliados a uma estratégia de diversificação de carteira de ativos, fazem de Portugal um excelente destino de investimento”. 

Pedro Rutkowski considera que “o cenário de recessão nos principais mercados europeus deverá ter impacto no rendimento disponível das famílias e, consequentemente, impacto no dinheiro disponível para o turismo e o lazer”. 

“De uma forma geral, acreditamos que será um início de 2024 desafiante, mas com perspetivas de melhoria até ao final do ano, dada a contínua resiliência dos setores do retalho e turismo e atratividade de ativos prime nas zonas mais consolidadas”, remata o CEO, Worx Real Estate Consultants.

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