“É muito difícil em Portugal, com a carga fiscal aplicada ao imobiliário, construir casas a preços baratos. É impossível. Acreditamos que a medida que está no programa do PSD, da AD, e que agora, esperamos, venha a ser implementada, a redução do IVA, será fulcral para baixar os custos de produção”. O desabafo é dado por Frederico Pedro Nunes, COO da Bondstone, em entrevista ao idealista/news, realizada durante a edição de 2024 do Salão Imobiliário de Portugal (SIL). Uma semana depois da conversa, dia 10 de maio, o Governo confirmou esta intenção, antecipando, no programa “Construir Portugal”, que pretende avançar com a redução do IVA na construção de 23% para 6% “até ao final da legislatura”.
Entre os temas abordados na entrevista estão, além dos projetos mais recentes da sociedade gestora de fundos portuguesa, entre eles o Arcaya, que foi apresento precisamente no SIL, a crise na habitação na qual se encontra Portugal. Quando questionado sobre como é que se resolve o problema e colocam mais casas no mercado, nomeadamente a preços que possam ser compradas pela generalidade dos portugueses, Frederico Pedro Nunes responde de forma perentória: “Para tentar resolver o problema da crise da habitação tem de haver um trabalho conjunto entre o privado e o público. É impossível o público sozinho resolver o problema. Ou o privado. Teremos de trabalhar em conjunto através de várias medidas, várias estratégias de promoção (…)”.
O responsável deixa em aberto a possibilidade da Bondstone apostar em projetos de Build to Rent (BtR/Construir para arrendar) no país, outra das medidas que consta no programa do Governo “Construir Portugal”, mas não para já. “A nossa visão é que ainda não existe um quadro regulatório que o permita, mas logo que esteja implementado estaremos bastante interessados em participar nestas medidas, porque acreditamos que é um negócio que faz sentido”, explica, adiantando, no entanto, que a empresa “está ativa” e “tem muita confiança no mercado imobiliário português”.

Que balanço faz da atividade da Bondstone em Portugal?
Estamos numa fase muito desafiante. Estamos a concluir dois projetos: um, em Cascais [The Coral], com 15 unidades, e um no Porto [Greenstone], com 36 unidades. E estamos a concluir o lançamento de dois grandes projetos: o Bloomia, no Belas Clube de Campo, são 123 unidades, um projeto que lançámos dia 16 de abril, e ontem [dia 2 de maio de 2024, no SIL] o nosso grande projeto, o Arcaya, que está situado em Vilamoura.
A Bondstone mudou recentemente, de imagem, de posicionamento. A que se deveu esta mudança?
No fundo foi ajustar a imagem ao que é o posicionamento hoje da Bondstone, que desde o final de 2023 é uma sociedade gestora de fundos investimentos imobiliários regulada pela CMVM. Aproveitámos este marco importante para fazer este ‘rebranding’. A alteração deve-se, no fundo, para permitir estruturar os negócios imobiliários que montamos para os investidores.
O Arcaya é o projeto mais recente da Bondstone. Fale-nos um pouco sobre ele.
É um projeto bastante ambicioso que estamos a lançar no Algarve, muito focado desde o princípio na sustentabilidade, numa nova maneira de desenhar e pensar projetos. Na primeira fase vamos lançar 48 unidades. São moradias geminadas ou isoladas, com lotes de 1.000 a 2.000 metros quadrados (m2), são casas de 240 m2, por isso são bastante bem integradas na paisagem e pensadas muito na vivência interior e exterior. É um projeto bastante desafiante e diferenciador.
"A Bondstone, até à data, estruturou negócios no valor de 1.000 milhões de euros. (...) O Arcaya é um projeto de longo prazo que vai demorar muitos anos a ser desenvolvido, entre sete e dez anos. O valor estimado de investimento que temos [para o Arcaya] vai variar entre 500 e 700 milhões de euros"
É um investimento muito elevado, são cerca de 700 milhões de euros. Quanto é que a Bondstone já investiu em Portugal?
A Bondstone, até à data, estruturou negócios no valor de 1.000 milhões de euros. Este investimento, o Arcaya, é a longo prazo. Estamos a falar de um projeto de 116.000 m2, 700 unidades. É um projeto de longo prazo e que vai demorar muitos anos a ser desenvolvido, entre sete e dez anos. O valor estimado de investimento que temos à data de hoje vai variar entre 500 e 700 milhões de euros.
Há projetos futuros na calha?
Neste momento estamos muito focados na concretização destes projetos, na conclusão dos que temos, que queremos concluir até ao final do primeiro semestre de 2024, e depois temos o Arcaya, em que estamos apenas no início. Atualmente, o grande foco é o desenvolvimento do Arcaya.
O Arcaya é um sinal que a Bondstone dá ao mercado de que continua a investir no setor imobiliário apesar do contexto económico atual, marcado por altas taxas de juro e conflitos na Europa, por exemplo?
A Bondstone está ativa, tem muita confiança no mercado português e na forma como é percebido pelos estrangeiros, nomeadamente pelo comprador internacional. Temos produto focado no comprador português. O Bloomia, um projeto que lançámos há duas semanas, tem 80% de compradores portugueses. Estruturamos e montámos o projeto para que o comprador português tivesse capacidade de o comprar, através de formas de pagamento bastante bonificadas para os clientes. E depois temos projetos como o Arcaya, que é pensado para um cliente internacional, mas também para um português. E pensamos que Portugal continua a ser um destino que é percebido pelos estrangeiros como sendo muito apetecível, aproveitando, de certa forma, a instabilidade que existe em outros lugares.

Considera, então, que Portugal continua no radar dos investidores imobiliários, apesar do contexto externo e interno, marcado, por exemplo, por instabilidade legislativa?
O imobiliário é um investimento a longo prazo, por isso obriga a que haja grande resiliência por parte dos promotores e confiança no país. Acreditamos que o país vai continuar a evoluir, apesar de alguns altos e baixos que temos tido nos últimos anos e que continuaremos a ter. As condições macro estão cá e vão-se manter, não vão ser alteradas. É nisso que acreditamos. Portugal é um país seguro, é um país que integra a União Europeia (UE), que respeita as regras, que tem uma estabilidade política e económica que permite acreditar nos desenvolvimentos a longo prazo.
"O imobiliário é um investimento a longo prazo, por isso obriga a que haja grande resiliência por parte dos promotores e confiança no país. Acreditamos que o país vai continuar a evoluir, apesar de alguns altos e baixos que temos tido nos últimos anos e que continuaremos a ter. As condições macro estão cá e vão-se manter, não vão ser alteradas. É nisso que acreditamos"
Redução do IVA na construção para 6% e simplex dos licenciamentos. Como é que a Bondstone olha para estas medidas?
É muito difícil em Portugal, com a carga fiscal aplicada ao imobiliário, construir casas a preços baratos. É impossível. Acreditamos que a medida que está no programa do PSD, da AD, e que agora, esperamos, venha a ser implementada, a redução do IVA, será fulcral para baixar os custos de produção.
Depois existem outras medidas, como o simplex, que foi aprovado no início de janeiro. Estamos todos, as câmaras e os promotores, a aprender a implementar esta nova lei e acredito, também, que vai trazer mais-valias na agilização do relacionamento com as câmaras. Não é um processo imediato, isto vai demorar tempo a refletir-se, mas é muito importante deixar uma nota: a estabilidade fiscal e legislativa é fundamental para conseguirmos reduzir os prazos de desenvolvimento dos projetos e a fiscalidade que é aplicada ao imobiliário, é muito importante haver essa redução.
Como é que se resolve o problema da habitação em Portugal?
Para tentar resolver o problema da crise da habitação tem de haver um trabalho conjunto entre o privado e o público. É impossível o público sozinho resolver o problema. Ou o privado. Teremos de trabalhar em conjunto através de várias medidas, várias estratégias de promoção, desde o Estado libertar terrenos e edifícios para serem desenvolvidos em parcerias com os privados. Criar a redução da fiscalidade e do IVA é [também] um tema crítico para promover e baixar os custos de contexto.
Sobre os prazos de licenciamento… é algo crítico, não podemos esperar três anos para o licenciamento de um edifício. Todas essas pequenas, grandes medidas vão permitir a médio/longo prazo, não a curto, é impossível que seja a curto prazo, resolver o problema da habitação.
"Para tentar resolver o problema da crise da habitação tem de haver um trabalho conjunto entre o privado e o público. É impossível o público sozinho resolver o problema. Ou o privado"
Em paralelo, tem de haver também uma revisão do mercado de arrendamento e da forma como ele é percebido pelos investidores, porque em Portugal não existe mercado de arrendamento. Os fundos não investem devido à instabilidade legislativa e ao desequilíbrio que existe muitas vezes na forma como são reveladas as relações contratuais entre inquilino e proprietário. [Em Portugal] não há BtR, o mercado profissional de arrendamento em grande escala que é fundamental para ajudar, também, a resolver o problema da habitação a preços acessíveis e para portugueses.
Por falar no BtR, a Bondstone equaciona investir neste tipo de projetos? E em cooperativas de habitação?
A Bondstone equaciona participar em projetos de BtR quando as medidas e as políticas estiverem claras para ser implementadas. A nossa visão é que ainda não existe um quadro regulatório que o permita, mas logo que esteja implementado estaremos bastante interessados em participar nestas medidas, porque acreditamos que é um negócio que faz sentido, não só do ponto de vista económico, mas também do ponto de vista social.
Em relação às cooperativas, o nosso entendimento é que ainda tem de haver uma clarificação entre o Governo e as próprias autarquias, como é que se vão implementar e ser executadas. Mais uma vez, haver um quadro regulatório estável e claro para todas as partes é fundamental para ser possível promover estes projetos residenciais e de habitação.
Ainda há terrenos, espaço para construção nova, nas periferias das cidades, nomeadamente em Lisboa e Porto?
Foram tomadas decisões ao nível do planeamento urbano de restringir as expansões das cidades, por isso há poucos terrenos urbanos disponíveis. Esse é um grande desafio que também está em cima da mesa. A forma como conseguiremos aumentar as áreas urbanas para permitir o crescimento das cidades de forma estruturada, saudável e sustentável.

A Bondstone tem, nos vários projetos, muitos clientes portugueses?
Varia muito de localização e de projeto. Temos projetos no Porto em que cerca de 90% dos clientes são portugueses e temos um em Cascais em que há um número muito reduzido de clientes nacionais. No Bloomia, por exemplo, mais de 80% dos clientes são portugueses. O Arcaya foi lançado recentemente, por isso ainda não consigo dar feedback. Para cada localização específica definimos um produto que se enquadre na procura que existe na zona e adaptamos facilmente o produto a essa procura.
É possível afirmar que o Arcaya será um dos grandes projetos imobiliários do ano?
Esperemos que sim. Temos uma grande ambição com este projeto. Passa, fundo, por pensá-lo desde o início de uma forma sustentável. Esta ousadia que tivemos pareceu-nos que fazia todo o sentido. Estamos a falar de um projeto que comprámos a 18 agosto de 2023 e que neste momento, no dia 2 de maio de 2024, estamos a lançar comercialmente. Queremos que seja um projeto que marque um pouco a promoção imobiliária em Portugal.
A Bondstone “passou por uma” pandemia e vivem-se agora outros “problemas”, como por exemplo os conflitos na Europa, a alta taxa inflação e as elevadas taxas de juro. Como é que a empresa foi dando resposta a todos estes desafios?
A Bondstone adapta-se a todos os fatores externos que vão impactando o imobiliário olhando para os projetos de forma muito flexível. Toma decisões comerciais, por exemplo, de parar processos de venda. No projeto que estamos a desenvolver em Cascais, o The Coral, com o problema da alta inflação, parámos as vendas que tínhamos em curso para percebermos qual seria o impacto nos custos de construção que teríamos, e ver se havia possibilidade de acomodar esses custos nas vendas que faltavam.
A sustentabilidade no imobiliário é uma preocupação que está na ordem do dia. O que tem a dizer a Bondstone sobre este tema?
O tema da sustentabilidade está presente no desenvolvimento dos nossos projetos imobiliários. O Bloomia e o Arcaya, por exemplo, estão a ser trabalhados com certificações de sustentabilidade, neste caso Breeam Construction, o que “obriga” todo o processo de design e projeto a ser pensado já na perspetiva futura de ser sustentável. Temos essa preocupação desde o momento zero em que começamos a desenvolver o projeto.
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