Investidores e economistas estão em alerta com os efeitos no imobiliário europeu e português do escalar da guerra em Israel.
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Riscos do conflito do Médio Oriente no imobiliário
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O conflito armado no Médio Oriente já dura há mais de um mês, deixando um rasto de destruição em Israel e na Faixa de Gaza e somando milhares de mortos e feridos em ambos os territórios. Mas os efeitos desta guerra podem não se fazem sentir apenas localmente. Atravessam oceanos e continentes, impactando a economia e os negócios na Europa e em Portugal, através do aumento dos custos da energia, das matérias-primas, da inflação e dos juros, e contribuindo para um arrefecimento do desenvolvimento económico, que acaba por sentir-se na vida das famílias a vários níveis.

Nomeadamente, tal como antecipam vários especialistas ouvidos pelo idealista/news, há risco de o conflito no Médio Oriente ter efeitos também no universo da habitação e do imobiliário, traduzindo-se na subida dos custos da construção, no aumento dos juros do crédito habitação, na redução da venda de casas e ainda na queda de investimento imobiliário, agudizando a crise habitacional que se vive em Portugal e na Europa.

Foi no passado dia 7 de outubro que o grupo islamita palestiniano Hamas realizou um ataque sem precedentes a Israel, a que se seguiu a retaliação israelita com o cerco total da Faixa de Gaza e bombardeamentos constantes contra o território, deixando um lastro de destruição. De imediato, as organizações mundiais, como o FMI, a ONU, a OCDE e o Banco Central Europeu (BCE), ficaram em alerta máximo, tendo já vários avisos sobre os potenciais impactos sociais e económicos deste conflito armado a nível global.

A braços ainda com uma frágil recuperação da pandemia e do início da guerra na Ucrânia (que dura há quase dois anos), a economia mundial enfrenta assim um novo risco geopolítico. O que os economistas e analistas mais temem é que o conflito entre o Hamas e Israel se alastre para os países vizinhos, como o Irão, gerando um travão ao abastecimento de petróleo e, em resultado, um aumento dos preços da energia.

Todo este cenário, a verificar-se, mudaria por completo o rumo da inflação na Zona Euro e em Portugal, que atingiram um patamar próximo dos 2% em outubro (a meta do regulador da moeda única), comprometendo o sucesso da política monetária que tem vindo a ser seguida pelo banco central e começa agora a dar resultados. Na prática, isto poderá levar, por exemplo, o BCE a manter as suas taxas de juro diretoras elevadas durante mais tempo ou até mesmo a avançar com novas subidas dos juros, adiando o início dos primeiros cortes destas taxas – previstos para a segunda metade de 2024 ou início de 2025 - para um horizonte desconhecido, depois da pausa da última reunião, que manteve os  juros diretores no patamar dos 4%.

Os riscos da expansão do conflito no Médio Oriente - identificados pelos organismos internacionais - podem, assim, traduzir-se no aumento da inflação, na subida dos juros diretores (que se refletem no custo e condições do crédito habitação), e consequentemente no arrefecimento do desenvolvimento económico na área do euro, em maior escala do que era esperado, por exemplo na primavera passada. E tudo isto tem impacto na habitação e no imobiliário, tal como explicam os especialistas ao idealista/news.

Conflito em Israel preocupa BCE
Khan Yunis, Gaza Getty images

Quais os impactos do conflito de Israel na habitação da Europa e de Portugal?

A incerteza no mercado imobiliário escalou com o conflito em Israel, gerando uma onda de preocupações entre os principais atores de mercado, que estão atentos ao seu desenvolvimento. Isto porque “as incertezas na economia afetam não só a procura, que poderá adiar as suas decisões de compra, mas também acaba por retrair os investidores no imobiliário”, tal como explica Miguel Cabrita, responsável pelo idealista/crédito habitação em Portugal. Contudo, considera que “ainda é cedo para entender qual o real impacto do agravamento desta guerra e o respetivo comportamento dos mercados”.

  • Preços das casas na Europa em Portugal em risco de subir

Quanto ao possível impacto do conflito no Médio Oriente sobre o aumento dos custos da construção e, por conseguinte, na subida dos preços das casas na Europa e em Portugal, não há consenso entre os especialistas consultados. Há quem acredita que, ao haver subida dos preços da energia, haverá impacto. Mas também há quem diga que o efeito do conflito sobre os preços da habitação será reduzido e que é precipitado traçar qualquer cenário sobre esta matéria, uma vez que se trata de uma guerra recente.

“Os conflitos geopolíticos [como a guerra na Ucrânia e no Médio Oriente] impactam os preços dos produtos energéticos, nomeadamente o preço do barril de petróleo, o que, por sua vez, afeta os custos de construção e, indiretamente, os preços das novas habitações casas e o mercado imobiliário”, analisa Frederico Abecassis, CEO da Coldwell Banker Portugal, questionado pelo idealista/news.

As expectativas recentes do FMI apontavam para que “estas tensões geopolíticas tenham um impacto limitado na atividade económica europeia, pelo que atualmente não se antecipam alterações de destaque ao nível dos preços da construção na Europa”, destaca o Eric van Leuven, Head of Portugal da Cushman & Wakefield. Mas reconhece que “os riscos associados às previsões atuais aumentaram, pelo que poderá ocorrer um novo cenário de agravamento da inflação, e consequente aumento dos custos de construção e do preço das casas novas” - de notar que os preços das casas na Zona Euro caíram 1,7% no segundo trimestre de 2023.

Por seu turno, Hugo Santos Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII), admite que “as guerras são sempre um fator de instabilidade, adiam projetos e, sobretudo, fazem subir ainda mais o preço das matérias-primas. No caso concreto da guerra na Ucrânia, e dado que Portugal dista bastante do conflito, a principal consequência foi com o custo das matérias-primas que subiu a nível mundial”, recorda.

Quanto impacto do conflito no Médio Oriente sobre os preços da construção em Portugal - que estão, hoje, a estabilizar - , Hugo Santos Ferreira diz que é “precipitado fazer qualquer cenário, por dois motivos. Primeiro é um acontecimento recente, segundo, a crise da habitação que atualmente se vive no nosso país continua no centro da preocupação de todos, investidores, promotores, empresas e clientes finais, pelo que não podemos determinar ainda como está a afetar no ressente o nosso mercado”, justifica.

Há também quem não acredite que as tensões geopolíticas possam levar a que haja um aumento dos custos da construção e, por conseguinte, dos preços das casas. É o caso de Gonçalo Antunes, professor universitário na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCT-NOVA), que, de qualquer forma, reconhece “que a subida dos preços de construção é um importante fator para o aumento do preço final das habitações, acabando por ser o consumidor final o prejudicado. É também necessário destacar-se que estes custos aumentam também os custos da reabilitação ou até de intervenções de conservação ou pequenos melhoramentos que particulares tenham intenção de realizar”, reforça.

Da mesma opinião é Pedro Leão, especialista em economia internacional: “O preço das casas (novas ou não) nas cidades é no curto-médio prazo determinado pela procura apenas (uma vez que a oferta é essencialmente fixa). É um preço muito acima dos custos de construção e independente destes”, explicou ainda o professor no Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa (ISEG).

Também “no caso das empresas de imobiliário e construção, não me parece haver efeitos: o preço a que poderão vender as casas que vão construir cobrirá largamente esses custos”, apontou ainda Pedro Leão. Mas colocou um outro cenário em cima da mesa: “Se as taxas de juro subirem, a capacidade de compra de casas pelas famílias diminuirá. Como consequência, poderá haver uma diminuição do seu preço”, por via da queda da procura.

  • Compra de casas continuará a arrefecer com crédito habitação mais caro

O BCE decidiu em outubro manter a sua taxa de refinanciamento em 4,5%, o maior nível de restrição desde 2008. E isto tem impactos na Euribor e, por conseguinte, no custo dos créditos habitação ao nível europeu. Mas também já alertou que “se surgirem grandes choques, dependendo da sua natureza, teremos de rever a política monetária”, tal como disse recentemente Christine Lagarde, presidente do regulador europeu. Isto quer dizer que se o conflito no Médio Oriente escalar para os países vizinhos e subir os preços do petróleo e a inflação, pode haver novos aumentos das taxas de juro diretoras. Por outro lado, o BCE pode decidir deixá-las nos atuais níveis restritivos durante mais tempo que o esperando, adiando, assim, as perspetivas de cortes das taxas de juro para um futuro incerto.

Todo este panorama tem impacto nos custos do crédito habitação, bem como na confiança das famílias que estão a pensar comprar casa, num momento em que já se sente uma mudança na procura de empréstimos e uma queda nas vendas de habitações em Portugal. “A incerteza geopolítica pode afetar a confiança dos investidores e compradores, impactando a oferta e a procura residencial”, admite Frederico Abecassis, que acredita que “a procura irá manter-se ativa, mas o processo de compra será mais refletido”.

“É preciso ter em atenção que economicamente o risco de aumento da inflação, face ao aumento do preço do barril de petróleo, acaba sempre por afetar os comportamentos de quem está a pensar em comprar casa. No entanto, sendo que a compra de uma habitação é sempre uma decisão bastante ponderada, que tem todo um percurso até à compra da mesma, acredito que iremos começar a sentir os efeitos em breve”, afirmou ainda ao idealista/news o CEO da Coldwell Banker Portugal.

O mesmo considera o porta-voz da Cushman & Wakefield, frisando que “num contexto de novos agravamentos dos juros antecipa-se uma diminuição do número de novos contratos de crédito à habitação e renegociação dos existentes”, bem como o “aumento do risco de incumprimento por parte de muitas famílias”,

Portanto, “se as taxas de juro subirem, a capacidade de compra de casas pelas famílias diminuirá”, resume o economista Pedro Leão, avisando também que este cenário poderá levar a que haja “incumprimento de créditos habitação a taxa variável, possivelmente minimizados se os subsídios do Governo aumentarem”.

De notar que “,atualmente, várias famílias portuguesas com crédito habitação estão asfixiadas financeiramente com taxas de esforço elevadíssimas”, uma vez que as prestações da casa “podem ter subido várias centenas de euros no último ano, por vezes entre 80% e 100%, dependendo do total do empréstimo e do seu término”, lembra Gonçalo Antunes.

Mas “as notícias mais recentes [do BCE] são de estabilização e não de agravamento. É uma primeira boa notícia para as famílias com crédito habitação com taxa variável, e seria ótimo que este fosse o pico. Contudo, tal ainda não é certo e vai depender de vários fatores macroeconómicos e geopolíticos”, admite o professor da FCT-NOVA, sendo da opinião que as verdadeiras “boas notícias apenas vão começar quando as taxas de juro começarem a descer, mesmo que não para os valores negativos que se registaram na segunda metade da década de 2010”. Mas, para já, o BCE considera "prematuro" falar em cortes das taxas de juro diretoras e todo este cenário poderá adiar as primeiras descidas.

Investimento imobiliário em risco– mas Portugal é refúgio

A instabilidade geopolítica no Médio Oriente tem também o poder de impactar o investimento imobiliário na Europa e em Portugal – embora de forma distinta. Isto porque este clima de incerteza gera desconfiança entre os investidores, que podem adotar uma postura cautelosa quando aos negócios futuros. Mas, neste contexto, Portugal é apontado como um refúgio ao investimento estrangeiro.

Ao nível empresarial, Eric van Leuven diz que a guerra entre o Hamas e Israel pode traduzir-se numa numa “redução do volume investido no mercado imobiliário. Por outro lado, antecipa-se que o mercado continue a ser caracterizado por um nível de atividade relevante por parte de investidores com capital próprio”, apontou ainda.

Isto porque “todos os agentes económicos em geral valorizam a estabilidade e previsibilidade, ambos substancialmente afetados com a guerra na Ucrânia, com consequente impacto negativo na confiança dos investidores e quebra no volume de transações na Europa, incluindo em Portugal”, continuou o especialista. Portanto, “este novo conflito entre Israel e Hamas veio acentuar o sentimento de incerteza, mas as expectativas são de que o seu impacto nos volumes de investimento seja bastante mais moderado, incluindo ao nível da compra de habitação pelas famílias”, clarificou o porta-voz em Portugal da Cushman & Wakefield .

Investimento imobiliário em Portugal
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  • Segurança de Portugal continuará a atrair investidores estrangeiros

Muito embora Frederico Abecassis admita que “a instabilidade no clima macroeconómico tem o potencial de afetar o investimento imobiliário na Europa e em Portugal”, faz referência a um outro cenário que coloca o nosso país no mapa. “Podemos também ver Portugal a tornar-se destino de investimento, ou residência, por sermos um país extremamente seguro, estando na linha da frente para ser o destino de eleição para quem procura paz e estabilidade”, destacou ainda o responsável Coldwell Banker Portugal.

Esta visão está alinhada com a do presidente da APPII: “As guerras podem também ter o feito contrário, sendo Portugal considerado um dos países mais seguros do mundo, é visto como um refúgio ou ‘porto seguro’ para investimentos que estavam destinados a outras geografias. O mesmo também é válido para os cidadãos desses países, muitos deles investidores ou quadros altamente qualificadas que procuram, nestas situações, Portugal para viver”.

Em relação ao conflito de Israel "é ainda precipitado tirar muitas conclusões, dado que é muito recente”, continua Hugo Santo Ferreira, referindo que “existem algumas empresas israelitas que inventem em Portugal há já alguns anos, não se encontrando nem em número, nem em volume de investimento, entre as geografias que mais investem aqui”.

"Portugal pode-se tornar mais atrativo para investidores estrangeiros em busca de segurança, impulsionando o investimento imobiliário e a compra de casas por famílias estrangeiras”, Frederico Abecassis , CEO da Coldwell Banker Portugal

Por outro lado, o investimento estrangeiro em Portugal também tem vindo a ser condicionado por outros fatores de origem interna, nomeadamente o fim dos vistos gold para investimento imobiliário, que entrou em vigor a 7 de outubro, com o Mais Habitação, e mais recentemente a crise política que estalou com a demissão de António Costa, devido ao anúncio de uma investigação judicial. 

Ao que tudo indica, o Orçamento de Estado para 2024 (OE2024) tem aprovação garantida tal como está, uma vez que, face a este contexto, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, decidiu dissolver a Assembleia da República e convocar eleições legislativas antecipadas, mas só depois desta proposta de lei obter luz verde no dia 29 de novembro, data da sua votação final no Parlamento.

Uma das medidas que está exatamente em cima da mesa da maioria socialista, no âmbito do (OE2024), é a revogação do regime de Residentes Não Habituais (RNH), que tem vindo a ser contestada por vários setores da sociedade, com avisos de que poderá deixar de atrair estrangeiros para viver, trabalhar e investir no nosso país já a partir do próximo ano, sem resolver os problemas de acesso à habitação.

Comprar casa em Portugal
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Como se podem prevenir as famílias e investidores perante os riscos geopolíticos?

O escalar do conflito no Médio Oriente pode, assim, afetar a vida e os orçamentos das famílias, seja pelo aumento dos custos da energia - que se sente na hora de aquecer/arrefecer a casa ou encher o depósito dos veículos, bem como indiretamente ao incrementar outros produtos e serviços, como os custos construção e das casas -, seja mediante o aumento dos juros nos créditos habitação a taxa variável (ou mista em período variável), que representam a fatia mais expressiva na totalidade dos contratos em pagamento. Neste contexto de taxa de esforço acrescida, as famílias devem estar de olhar atento a este tema e, dentro do possível, preparar as finanças domésticas, gastos e poupanças, para lidar com um pior cenário.

“Este será um momento de jogar pelo seguro”, considera Gonçalo Antunes. “Embora o pior já possa ter passado, tal não é certo, e deve-se estar preparado para a manutenção da inflação, eventualmente até o seu agravamento episódico, e por consequência o aumento das taxas de juro, ou a sua manutenção acima dos 4% por um período mais alargado do que gostaríamos. Num clima de tão grande incerteza a palavra de ordem deverá ser prudência”, refere o professor e investigador na FCT-NOVA.

“É importante que as famílias e investidores estejam preparados para cenários de aumento da inflação e dos juros. Diversificar investimentos, manter uma reserva de emergência e acompanhar atentamente os desenvolvimentos económicos são conselhos prudentes neste contexto”, recomenda Frederico Abecassis, da Coldwell Banker Portugal. Além disso, é relevante terem à sua volta “profissionais íntegros, sérios e altamente preparados para os poder aconselhar e acompanhar no processo de procura, venda ou aquisição de habitação”.

“Acima de tudo, as famílias devem tomar decisões ponderadas e prever diversos cenários, o qual com a ajuda de um intermediário de crédito poderá ser muito mais fácil”, aconselha Miguel Cabrita, do idealista/créditohabitação. Além disso, alerta que “sempre ocorrem eventos extraordinários, não se consegue prever com exatidão se o adiar de uma decisão será positiva ou negativa”.

No lado das políticas macroeconómicas e governamentais, “o mais importante neste momento é que se criem soluções que permitam criar mais liquidez e poupança”, aponta o responsável pela Coldwell Banker Portugal. “É necessário que sejam criadas medidas governamentais que ajudem os portugueses, tais como descidas significativas nas taxas de IRC e IRS, dos impostos sobre o consumo IVA, do imposto de selo, de modo a estimular o mercado e empresas, assim como mais poupança. O financiamento à construção é inevitável. E, na dificuldade em encontrá-lo no setor privado, deveria partir do próprio Estado, no sentido de promover uma maior oferta de habitação”, conclui.

Subida dos juros nos créditos da casa
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