
2022 é um ano que entra para a história, desde logo pelo facto de ter ficado marcado pelo eclodir de uma guerra na Europa, que acontece depois do mundo ter sido obrigado a dar resposta a uma crise também inesperada, denominada pandemia. E a fatura acabou por ser também passada em nome do setor imobiliário. Mas resiliência parece continuar a ser palavra de ordem, mesmo num cenário de alta taxa de inflação, de custos de construção a subir e de taxas de juro a escalar. Os desafios persistem, bem como as incertezas, mas há vontade e força por parte dos vários palyers em manter vivo o setor.
Mostramos em baixo algumas das entrevistas que realizámos ao longo do ano a vários intervenientes do setor imobiliário e da construção que demonstram, entre outras coisas, que se estão a enfrentar os desafios que vão surgindo com coragem e força, apesar de o momento ser de incerteza.

A falta de habitação é uma questão bem evidente nos 18 municípios da Grande Lisboa. As famílias que recorrem ao mercado residencial veem-se confrontadas com elevados preços das casas. E cerca de 62% dos agregados com residência fiscal na Área Metropolitana de Lisboa (AML) têm de despender mais de 40% do seu rendimento para conseguir arrendar ou comprar casa, colocando-as numa situação de inacessibilidade habitacional. E a verdade é há ainda cerca de 160.000 casas vazias na Grande Lisboa. “Não há, de facto, razão, nem desculpa para estes imóveis estarem vazios”, sublinha Ana Pinho, ex-secretária de Estado da Habitação e coordenadora do estudo que vem diagnosticar as condições habitacionais indignas na AML.

Fazer carreira na mediação imobiliária não é para todos. E a falta de formação profissional e específica continua a ser, em muitos casos, um problema. Para Julie Lefebvre, administradora da Escola Superior de Atividades Imobiliárias (ESAI), “é imperativo que seja aprovado um diploma que fixe requisitos de acesso aos mediadores e agentes” para uma progressiva e necessária “profissionalização e certificação do setor”.

A aposta no Build to Rent, ou seja, na construção de casas para arrendar, voltou a dar que falar. Uma prioridade que também não está a passar ao lado do Governo, que lançou este ano a primeira obra de construção de raiz de habitação para renda acessível dos últimos 40 anos. “A área em que nesta altura estamos a apostar, e na qual estamos a trazer de fora um grande conjunto de conhecimentos e de boas práticas, é no setor residencial”, diz Miguel Kreiseler, Managing Director da MVGM Portugal, salientando que “será necessário construir para arrendar” em Portugal.

Os últimos tempos mostraram-nos que o mundo está em constante mudança. A pandemia transformou a economia, a política, as relações sociais, a cultura, a ciência, a tecnologia, a educação. E revolucionou o mundo dos negócios, nomeadamente o imobiliário, convertendo a casa onde se vive no lugar mais importante de todos. Para o estatístico e pensador brasileiro Marcus Araujo, Futorologista do morar, a “pandemia foi o resgate do valor mais ancestral dos imóveis: a proteção da vida humana”, uma vez que as casas passaram a proteger-nos de uma “ameaça invisível” à nossa espécie: o vírus da Covid-19. Depois da pandemia, veio guerra na Ucrânia, e o setor volta a estar à prova. Mas o especialista não tem dúvidas: “É preciso parar de vender quantidade de suites, quantidade de quartos, metros quadrados e aprender a promover a felicidade sustentável no imóvel”.

A Vilamoura World (VW), antiga Lusotur, foi comprada à norte-americana Lone Star por um grupo de investidores portugueses, liderado por João Brion Sanches. Um co-investimento entre este grupo de investidores nacionais e o fundo de investimento da Arrow Global, que detém em Portugal a Norfin e a Whitestar Asset Solutions. “Temos outra vez a ambição de ser um grande promotor imobiliário”, revela João Brion Sanches, CEO da VW.

O cenário é de inflação alta, de taxas de juro a subir, de custos de construção a disparar, de poder de compra a diminuir. Mas há também boas notícias para o setor imobiliário. Portugal continua na mira dos investidores, que continuam a olhar para o país como uma espécie de refúgio. “Portugal continua a ser muito atrativo, não só pela qualidade dos seus ativos, mas também porque disponibiliza ainda taxas de rentabilidade melhores que os nossos principais concorrentes”, salienta Jorge Bota, presidente da ACAI – Associação de Empresas de Consultoria e Avaliação Imobiliária.

O empreendedorismo corre nas veias de José Costa Rodrigues. A aventura no mundo dos negócios começou com a Forall Phones, uma startup de sucesso que foi vendida e continua, agora, no setor imobiliário, com a Relive. “Não é a marca que garante que o serviço vai ser top, é o consultor”, afirma José Costa Rodrigues, CEO e fundador da startup Relive. Uma empresa que, considera, tem potencial para ser “número um no setor de mediação imobiliária em Portugal e um grande player na América”.

O Dia Internacional da Mulher é celebrado a 8 de março. Neste dia demos voz a duas mulheres operárias que há décadas desafiam um mundo (prevalentemente) dominado por homens. Célia Martins e Sofia Nobre são responsáveis de máquinas numa das fábricas BMI em Portugal, empresa especialista em telhados e coberturas. “Já passei por muita coisa, desde o forno velho, desde estarem a pôr a serradura lá para dentro, apanharmos as brasas debaixo dos nossos pés, os pés muito quentes, ter de sair dentro do forno porque não aguentávamos lá com tanto calor”, conta Célia, que tem 48 anos e trabalha nesta fábrica há 25. Já Sofia tem 43 e acaba de completar 15 anos de serviço.

Construir e renovar edifícios tendo em conta a sua eficiência energética é, hoje, uma prioridade cá dentro e lá fora. E é aqui que entram as Passive Houses (casas passivas, na língua portuguesa), soluções construtivas que garantem um elevado desempenho, sendo eficientes do ponto de vista energético, económico, da saúde, do conforto e da sustentabilidade. As vantagens das casas passivas são "óbvias” e vão ao encontro das necessidades das famílias. É por tudo isto e muito mais que “a procura por construir Passive Houses tem sido cada vez maior” em Portugal, confirma João Marcelino, presidente da Associação Passivhaus Portugal.

A TOTE SER é uma empresa especializada numa arquitetura de investimento, em que concebe, desenvolve, valoriza e rentabiliza projetos de ativos imobiliários. “Consideramo-nos um pouco o alquimista do investimento imobiliário”, diz Hélder Pereira Coelho, CEO da empresa. Para o arquiteto, não há dúvidas de que é necessário apostar em “projetos diferenciados”, de forma a chegar “a todo o tipo de potenciais utilizadores”. "Para responder à procura há que fazer projetos com muita qualidade”, frisa.

O mercado imobiliário nacional mostrou-se resiliente à pandemia, e o segmento LGBTI+ não foi exceção. Portugal continua a ser um país apetecível para se viver, “pela sua segurança, clima, gentes, comida, localização, custo de vida, leis para a comunidade”, tal como explica João Passos, responsável pelo projeto ‘LisboaPride – Homes for Everyone’, e consultor imobiliário na Remax há vários anos. O responsável realça, por exemplo, que o número de clientes estrangeiros da LisboaPride “tem aumentado exponencialmente, tanto no mercado de compra/venda como no de arrendamento”, sendo este “altamente apelativo” para estes clientes fixarem residência no nosso país.

Incerteza e desafios são duas palavras que andam, atualmente, de mãos dadas. O contexto que se vive em Portugal e no mundo está a deixar marcas a vários níveis na economia. E o setor imobiliário não é exceção. Que esperar, então, da mediação imobiliária? “O grande desafio é saber gerir a mudança e como ter uma performance constante, oferecendo o mesmo nível de serviço, quando tudo à sua volta está a mudar”, responde Pedro Pereira.

Sustentabilidade, eficiência energética, descarbonização. São termos/conceitos que estão na ordem do dia e que fazem cada vez mais parte do léxico do setor imobiliário e da construção. Aos quais se juntam, por exemplo, os critérios Environmental, Social e Governance (ESG). Mas o que significa “isto” de tornar o imobiliário mais sustentável? “Significa promover edifícios mais saudáveis e confortáveis para os utilizadores, com uma construção que tenha um menor impacte ambiental, a um custo viável para o investidor”, revela Ana Luísa Cabrita, Head of Environmental and Sustainability Advisory Services da Engexpor. Há em Portugal “um despertar para a sustentabilidade”, acrescenta.

Durante a pandemia, muitas pessoas sentiram uma necessidade quase “visceral” de trocar de casa, para casas com mais espaço interior e exterior, mais luz e maior contacto com a natureza. É algo, diz a ciência, muito mais profundo do que simplesmente uma mera tendência: “É o nosso legado biológico a falar mais alto”, refere Paulo Merlini, fundador do atelier Paulo Merlini Architects. Para o arquiteto, há que dar importância à biologia na arquitetura dos espaços. A arquitetura, refere, “foi criada para colmatar as nossas fragilidades enquanto seres vivos”, sendo “essa a sua verdadeira essência”.

A casa já não é apenas um dormitório, é o pilar da nossa existência. Um porto de abrigo, um espaço onde criamos memórias, recarregamos energias ou até trabalhamos. E por isso a relação entre a gestão da emoção, saúde mental, e a casa onde vivemos, é mais profunda do que imaginamos. Ter uma casa, por si só, não nos faz mais felizes ou garante qualidade de vida, até porque “há muitos miseráveis a viver em palácios”, sublinha o psiquiatra e escritor brasileiro Augusto Cury. Segundo o cientista, “estamos diante da geração mais triste de sempre”, de uma sociedade cada vez mais pobre emocionalmente, sendo fundamental travar este “grave” problema. E o imobiliário pode ser parte da solução.
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