Como resolver a crise na habitação? Tem a palavra Gonçalo Cadete, CEO da promotora SOLYD Property Developers.
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A crise na habitação que se vive em Portugal não está a deixar ninguém indiferente. O aumento da oferta de casas no mercado que possam ser compradas pela generalidade dos portugueses é um tema que tem sido muito falado nos últimos tempos, estando o novo Governo também atento ao assunto, tendo apresentado recentemente a sua estratégia de habitação para o país, na qual constam 30 medidas que visam dar resposta à crise habitacional. Este é um objetivo, de resto, que está no foco dos vários ‘players’ do mercado imobiliário. “O que todos queremos é que haja mais habitação e a preços mais baixos”, diz ao idealista/news Gonçalo Cadete, CEO da SOLYD Property Developers (SOLYD).

“Foram dados alguns passos no Governo anterior e existe uma vontade grande deste novo Governo em dar passos no sentido de promover e facilitar a oferta. Nós, assim como a larga maioria dos promotores, achamos que é pelo lado da oferta, pela promoção de um maior número de habitações e por tornar as condições mais fáceis”, acrescenta o responsável. 

Entre os vários assuntos abordados na entrevista com Gonçalo Cadete, que se realizou durante a edição deste ano do Salão Imobiliário de Portugal (SIL) – decorreu de 2 a 5 de maio –, está a redução para 6% do IVA na construção, precisamente uma das medidas contempladas pelo novo Governo no plano “Construir Portugal”. “É uma medida importante. Quando olhamos para a estrutura de custos de qualquer projeto vemos que, com certeza, a mão de obra tem aumentado e os custos de construção também, mas existe uma fatia muito grande que são impostos diretos e indiretos e que pesam muito no preço final de qualquer habitação”, comenta.

Casas novas nas periferias de Lisboa
Vista aérea do empreendimento ÉLOU, em Loures SOLYD


Que balanço de atividade faz da SOLYD em Portugal?

É muito positivo. Temos conseguido desenvolver projetos com tempos de licenciamento e de implementação mais longos que o que esperaríamos, mas a verdade é que temos conseguido desenvolver o nosso conceito de poucas localizações e projetos de grande dimensão, em que conseguimos desenvolver ofertas habitacionais acompanhadas de infraestruturas, e beneficiando das localizações onde estamos presentes.

Um dos projetos mais recentes da SOLYD é o ÉLOU, na Grande Lisboa. Fale-nos um pouco sobre ele.

Lançámos comercialmente o ÉLOU em maio de 2023, está a fazer um ano, e a construção iniciou-se em setembro. Trata-se do nosso primeiro projeto em Santo António dos Cavaleiros, em Loures. Analisámos a localização e achámos que tinha um conjunto de infraestruturas que gostamos: transportes, metro, eixos viários com acesso rápido à cidade de Lisboa, infraestruturas de educação, saúde, comércio e muito espaço. Essa foi a grande base do projeto. A partir desse espaço concebemos um condomínio fechado. É o primeiro projeto totalmente desenvolvido pela nossa equipa de arquitetura: são 266 apartamentos em U, um condomínio fechado com um jardim de 4.000 metros quadrados (m2), uma piscina e várias infraestruturas de apoio. Temos ginásios, salas multiusos, lobbies decorados, jardim infantil e, depois, todos os apartamentos beneficiam de grandes varandas e de vãos muito grandes.

Pensamos que é um produto muito adequado ao tempo atual, às necessidades de as pessoas conjugarem a vivência, o trabalho e o lazer. Tem sido muito bem recebido, temos tido um sucesso de vendas assinalável e queremos continuar naquela localização, a desenvolver este projeto e, potencialmente, outros que se irão seguir. 

E o projeto Altear, na Alta de Lisboa, em que fase de construção está?

A primeira fase foram dez edifícios, que se encontram totalmente lançados, e a maioria dos apartamentos está comercializada. Temos cerca de 97% de taxa de comercialização. Dos dez edifícios, sete já foram entregues, um será entregue nos próximos meses e dois no início do próximo ano. Estamos numa fase de assinatura de escrituras, fecho de obras e com vontade de ver que próximos projetos poderemos ter naquela localização.

"Entre todos os projetos, os que já concluímos, os que estamos a desenvolver e os futuros, temos cerca de 1.000 milhões de euros de investimento acumulado. E contamos continuar a investir"

Quanto é que a SOLYD já investiu em Portugal até à data?

Entre todos os projetos, os que já concluímos, os que estamos a desenvolver e os futuros, temos cerca de 1.000 milhões de euros de investimento acumulado. E contamos continuar a investir. A nossa ideia é ter um investimento novo de cerca de 200, 300 milhões de euros por ano.

Promoção imobiliária em Lisboa
Assim será o condomínio ÉLOU, às portas de Lisboa SOLYD


Sobre projetos futuros, o que é que nos pode adiantar? 

Somos um promotor que tem três localizações principais. Loures, Santo António dos Cavaleiros, com o ÉLOU, o Altear, na Alta de Lisboa, no Lumiar, e o Mirear, em Miraflores. Vamos continuar a desenvolver projetos nessas três localizações e temos lotes de terreno e oportunidades de crescimento, é esse o nosso foco. Temos também a ideia de expandir e gostávamos de o fazer para outros mercados, nomeadamente a Área Metropolitana do Porto e o Algarve, para, no fundo, nos afirmarmos como um promotor nacional.

A aposta tem passado sobretudo pelas periferias de Lisboa. Terá a ver com o facto de serem casas pensadas para o público nacional?

90% do que vendemos é para portugueses e 10% para estrangeiros. E uma componente muito elevada de compra para habitação própria e permanente. Isso interessa-nos, esse é o nosso segmento, o médio, médio-alto. E todas as localizações que respondam a essa necessidade que existe e que é muito grande por parte de famílias portuguesas interessa-nos. O centro de Lisboa, projetos de segmento muito alto, de reabilitação, claramente não são o nosso foco, mas tudo o mais é, portanto, estamos sempre à procura de novas localizações, até para diversificar.

"90% do que vendemos é para portugueses e 10% para estrangeiros. E uma componente muito elevada de compra para habitação própria e permanente. Isso interessa-nos, esse é o nosso segmento, o médio, médio-alto. E todas as localizações que respondam a essa necessidade que existe e que é muito grande por parte de famílias portuguesas interessa-nos"

Falei das três localizações base porque é o nosso foco, é onde temos já uma atividade muito significativa e também atividade futura. Mas queremos olhar para outras localizações dentro da mesma linha. Área Metropolitana de Lisboa, Norte de Lisboa, Sul de Lisboa, tudo nos interessa. Área Metropolitana do Porto, Gaia… também tudo nos interessa.

A Margem Sul de Lisboa também entra na equação?

Sim, também interessa, e já olhámos para várias oportunidades, mas acabou por não se concretizar. Somos o tipo de promotor que olhamos para muitas coisas e depois quando apostamos numa localização vamos com tudo e queremos ter escala. Os projetos que temos vão entre seis a dez anos, há um comprometimento grande com a localização, com transformá-la, com atrair pessoas e que estas vão crescendo dentro da própria localização. E isso nem sempre é fácil de encontrar. Na Margem Sul com certeza vemos vários polos de interesse.

Portugal está mergulhado numa crise na habitação. O que é preciso fazer para aumentar a oferta de casas para a classe média portuguesa?

Foram dados alguns passos no Governo anterior e existe uma vontade grande deste novo Governo em dar passos no sentido de promover e facilitar a oferta. Nós, assim como a larga maioria dos promotores, achamos que é pelo lado da oferta, pela promoção de um maior número de habitações e por tornar as condições mais fáceis. Sobre o que se fala, de haver um regime tributário mais favorável, maior disponibilidade de terrenos, com certeza menores tempos de licenciamento, tudo isso irá contribuir para uma maior oferta. Quando ela existir, os preços tenderão a descer e conseguiremos disponibilizar em grande quantidade habitação para os portugueses, que é o que a generalidade dos promotores quer e o que os agentes estatais também querem. 

Ainda não conseguimos, no nosso entender, encontrar os mecanismos que facilitem de forma mais célere essa disponibilização de oferta. O simplex urbanístico foi um passo importante, obviamente que agora estamos todos a encontrar-nos com as novas regras, os promotores, os bancos, as câmaras, e sentimos que existe algum progresso, mas ainda há muito trabalho para fazer, porque o que todos queremos é que haja mais habitação, mais disponível e a preços mais baixos. 

Construção nova em Portugal
Gonçalo Cadete, CEO da SOLYD, no stand da promotora no SIL idealista/news


A entrada em vigor do simplex dos licenciamentos é uma boa notícia, bem como a redução do IVA na construção, uma medida prevista pelo novo Governo?

Pensamos que terão de haver mais normas interpretativas do simplex, no sentido de vermos [coisas] na prática. Como foi muito disruptivo, depois a prática revela sempre a necessidade de ajustes. Sempre foi assim e é normal. Vemos, de facto, que já há evoluções, mas todos os agentes do mercado estão a encontrar-se. 

"Em relação ao IVA a 6%, é uma medida importante. Quando olhamos para a estrutura de custos de qualquer projeto vemos que, com certeza, a mão de obra tem aumentado e os custos de construção também, mas existe uma fatia muito grande que são impostos diretos e indiretos e que pesam muito no preço final de qualquer habitação"

Em relação ao IVA a 6%, é uma medida importante. Quando olhamos para a estrutura de custos de qualquer projeto vemos que, com certeza, a mão de obra tem aumentado e os custos de construção também, mas existe uma fatia muito grande que são impostos diretos e indiretos e que pesam muito no preço final de qualquer habitação. Tudo o que seja uma contribuição do Estado para reduzir essa carga de impostos [é positivo]. Depois tem de se ver se é para habitação própria se é para a totalidade da habitação. Há uma miríade de detalhes que se tem de discutir, mas tudo o que vá nesse sentido é importante para, mais uma vez, tornar a habitação mais barata e mais disponível, porque, obviamente, o poder de compra dos portugueses é limitado, sabemos isso. Portanto, só com uma descida de preço, e que pode ser também com uma ajuda do Estado para quem não puder, mas com certeza para quem não é subsidiado, todas essas medidas vão contribuir para que [as pessoas] consigam ter casa, que é a decisão mais importante de qualquer família.

Apostar em cooperativas de habitação é um dos objetivos da SOLYD?

Penso que não. Poderemos analisar oportunidades de entrar na habitação a custos controlados e também na habitação para arrendamento, são temas que nos interessam. E, mais uma vez, existe um défice tão grande que existe espaço para todo o tipo de promotores e todo o tipo de soluções. Vemos até com muito agrado que surjam ‘players’ diferentes e que tornem o mercado mais eficiente. Mas especificamente cooperativismo, não. 

Mas estamos a analisar, por exemplo, o desenvolvimento de projetos para arrendamento, o tema dos custos controlados. Somos um promotor que começou com projetos de luxo de reabilitação e todo o percurso tem sido no sentido de ir para habitação nova para localizações onde possamos oferecer um produto de grande qualidade a um preço acessível ou competitivo para a localização em causa. Isso só foi possível por irmos tendo, aos poucos, projetos maiores, mas dando passos muito controlados nesse sentido. 

Depreendo, então, que a aposta pode passar também por projetos de Build to Rent?

Assim como existe um défice de habitação para viver [em casa própria], também existe um défice gigantesco, brutal, de arrendamento. Vemos que cada vez há menos contratos de arrendamento de habitação, novos contratos de arrendamento e, ao mesmo tempo, as rendas desses contratos não param de subir. Isto é um sinal de que o défice no arrendamento é talvez ainda maior que na habitação própria. É um problema que terá também de ser resolvido. Terá de haver políticas de promoção de arrendamento e acho que existe uma vontade gigantesca nesse sentido. Nossa, com certeza, mas dos promotores em geral, para dar resposta a isso. É o maior mercado que existe de imobiliário e em Portugal ainda não se iniciou. Em Espanha tem alguns anos, já explodiu. Acreditamos que aqui há oportunidade para isso acontecer.

"Entre planearmos um projeto e o construirmos e entregarmos ao cliente final, as famílias, demora vários anos. Temos essa limitação. Mas continuamos otimistas"

Pandemia, conflitos na Europa, altas taxas de juro etc. O setor imobiliário tem enfrentado vários desafios…

No mundo pós-pandemia assistimos ao acentuar das tensões geopolíticas e isso teve um reflexo a nível da disponibilidade e também da volatilidade dos preços das matérias-primas. Isso teve um reflexo no nosso negócio. Temos sentido também o tema da disponibilidade de mão de obra, que tem afetado bastante o setor e a fileira da construção. Mas somos um promotor otimista e acreditamos que vamos continuar a ter procura para os projetos. Tudo parte do desequilíbrio gigantesco que existe entre procura e oferta, e não vemos como é que nos próximos anos vai diminuir de forma muito significativa. Entre planearmos um projeto e o construirmos e entregarmos ao cliente final, as famílias, demora vários anos. Temos essa limitação. Mas continuamos otimistas.

A composição das famílias está a mudar em Portugal. A forma como são pensadas e construídas as casas tem em conta esse detalhe?

Vemos por todas as estatísticas que conhecemos que as famílias tendem a ser cada vez mais pequenas. E, por outro lado, também existem movimentos: não só as famílias são mais pequenas como as pessoas casam mais tarde, têm filhos mais tarde e a taxa de divórcios também tem aumentado. Tentamos adequar a oferta a essas tipologias familiares. Nos nossos projetos, até pela própria dimensão, tendemos a ter toda a disponibilidade de tipologias. 

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