Especialistas analisam o impacto da guerra, da subida da inflação e dos juros, traçando perspetivas para o setor.
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Depois da pandemia, e num momento de recuperação pós-Covid, a conjuntura geopolítica e económica voltou a mudar. A guerra na Ucrânia fez disparar a inflação e acelerou a anunciada subida das taxas de juro. No imobiliário, o aumento dos custos de construção, a falta de mão de obra e matérias primas são uma ameaça à estabilidade, e trazem novos desafios a um setor que, até agora, tem dado provas de resiliência. No segmento da promoção imobiliária, a confiança no mercado mantém-se, ainda que seja difícil traçar cenários para o longo e médio prazo. O que esperar do futuro? Contamos tudo com a ajuda de profissionais do setor.

Depois de ter ouvido diferentes especialistas no início do ano, antes do “estalar” da guerra, o idealista/news aproveitou a edição 2022 do Salão Imobiliário de Portugal (SIL), no passado mês de maio, para voltar a fazer um balanço e raio-x ao setor da promoção imobiliária. Que impacto está a ter o novo contexto global no imobiliário? Corre-se o risco de algumas empreitadas pararem ou derraparem? Vão continuar a chegar casas novas ao mercado? Como se resolve o problema da falta de oferta para a classe média? E o investimento estrangeiro, continua de olho em Portugal? Eis um resumo das respostas dos promotores imobiliários a estas e outras perguntas.

impacto da guerra no imobiliário
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Impacto da guerra e conjuntura económica no imobiliário

Apesar da incerteza criada pela guerra, do aumento da inflação, do crescimento esperado das taxas de juro, da carência e subida dos preços das matérias primas, os promotores não têm dúvidas que o imobiliário continua a ser um bom refúgio de investimento. Dizem que este é, também, um motor que alimenta a economia do país, ainda que se avizinhem tempos difíceis, dada a instabilidade atual.

Pedro Vicente, administrador da Habitat Invest, considera que a “indústria da promoção imobiliária está habituada a ser resiliente ao longo dos tempos e a passar crises cíclicas permanentes”, mas admite que se vivem tempos desafiantes. Preocupa-o, por exemplo, a “subida permanente e sustentada dos preços da habitação” para os portugueses, sendo este um cenário que os promotores têm dificuldades em controlar, garante, até porque neste momento “há muita incerteza em relação aos preços finais”.

Para Luís Gamboa, COO da Vic Properties, o principal impacto tem a ver com o nível dos custos de construção. “Esse é o desafio do momento, que é como gerir este impacto dos custos na promoção imobiliária, no preço de venda dos imóveis e como é que isso pode afetar ou não o setor”, explica.

guerra na Ucrânia
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“Eu acho que, acima de tudo, o que acontece neste momento é que há uma certa insegurança que as pessoas sentem em avançar com uma compra de casa exatamente porque não sabem ainda qual vai ser o custo final da mesma, não sabem que condições é que vão ter por parte da banca e não sabem, acima de tudo, que reflexo é que a inflação vai ter naquilo que são os seus rendimentos, que são fundamentais para conseguir garantir o cumprimento dos compromissos que têm”, acrescenta Paula Fernandes, CEO da RAR Imobiliária.

João Sousa, CEO do JPS Group, admite que a conjuntura atual poderá criar ou acentuar algumas tendências e dificuldades que já permeiam o mercado. “Os preços vão continuar a subir porque a oferta não consegue satisfazer de maneira alguma a procura existente. Este cenário irá dificultar o acesso da classe média e média baixa na compra de casa própria”, indica.

Corre-se o risco das empreitadas pararem ou derraparem?

Miguel Cabrita Matias, Board Member da Mexto Property Investment, lembra que esse risco “existe sempre, mesmo sem haver qualquer crise”. Ainda assim, admite que este cenário está a criar problemas “grandes na atividade”, uma vez que as construtoras têm muita dificuldade em fixar determinados preços “e não se querem comprometer”. Na sua opinião, o contexto atual poderá tornar as coisas mais complicadas para promotores ou construtoras com uma capacidade financeira mais débil.

Uma opinião partilhada por José Cardoso Botelho, CEO da Vanguard Properties. O promotor considera que, hoje em dia, “as grandes empresas de construção cada vez mais privilegiam as empresas com quem têm uma relação de médio e longo prazo e, portanto, quem tem projetos há vários anos é de alguma forma beneficiado, e bem”, sendo que quem tem operações de curto prazo “poderá enfrentar cada vez mais dificuldades”. “Não me espantaria que algumas empreitadas não comecem e que outras venham a ter um processo complicado”, refere.

construção nova
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Os promotores concordam que o aumento do custo das matérias primas, da mão de obra, e tudo o que advém do conflito no Leste Europeu, que fez disparar os custos de energia, e com impacto direto nos custos de logística e transporte dos materiais para a obra, por exemplo, será refletido a curto e médio prazo no valor final dos empreendimentos.

“No curto e médio prazo vai muito depender do estado da obra em que os promotores se encontram. [Nas] Obras que estejam ainda numa fase muito inicial, vai ter de ser encontrada uma solução de compromisso entre construtor e promotor, [nas] obras que estejam num processo já muito mais avançado, diria que estes custos, este aumento, terá um impacto muito mais reduzido ou, se quisermos, menos expressivo”, considera Bruno Ferreira da Silva, Diretor de Investimentos da Bondstone.

Sónia Santos, Marketing & Sales Manager Solyd, confessa que têm vindo a analisar “cuidadosamente” junto dos parceiros, sejam projetistas, construtores, etc., e verificar de que forma é que podem mitigar estes impactos “e continuar a oferecer casas com qualidade e também com a viabilidade possível para os promotores imobiliários”.

Casas novas vão continuar a chegar ao mercado

Portugal continua a debater-se desde há uns anos com o problema da escassez de oferta e, enquanto assim for, segundo os promotores, vão continuar a chegar casas novas ao mercado. “Nós continuamos a assistir a um défice muito grande entre aquilo que é a procura e a oferta de casas. Continuamos a assistir a uma diferença muito grande entre aquilo que eram casas novas produzidas há dez, 12 anos, e aquilo que é produzido hoje. E, portanto, vão continuar a chegar muitas casas ao mercado”, assevera Luís Gamboa.

Bruno Ferreira da Silva partilha da mesma opinão, sublinhando, contudo, que o ritmo a que essas casas novas vão chegar “não será o ideal”, nomeadamente por causa dos atrasos nos licenciamentos. O responsável considera que o “mercado vai continuar a ser dominado pelo mercado de imóveis usados e que, com os tempos demorados de licenciamento e aumento do custo de construção, o produto novo que chegará, ainda assim, será “francamente abaixo daquilo que é a procura”, algo que “vai promover uma sobrevalorização dos imóveis usados”. “Vamos continuar nesta equação que vai continuar a ser muito difícil de fechar. Enquanto não diminuirmos tempos do licenciamento, enquanto não reduzirmos a carga fiscal aos promotores imobiliários, será difícil”, declara o responsável.

casas novas
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“Neste momento, continuamos com a oferta abaixo daquilo que é a procura. Essa é uma realidade. A questão é perceber se essa procura ativa se vai manter, acima de tudo no mercado nacional. Acredito que os clientes internacionais continuem a olhar para Portugal como um excelente investimento e como uma excelente opção. Mas o mercado nacional, acredito, terá menos recursos para conseguir efetivamente adquirir a casa nos próximos tempos”, defende Paula Fernandes.

O eterno problema das casas para a classe média

A oferta de habitação em Portugal estagnou nos últimos 10 anos, apresentando um aumento residual de apenas 1% - o parque habitacional cresceu de 5,88 para 5,96 milhões de casas entre 2011 e 2021, segundo o estudo ‘Living Destination’ da JLL, divulgado no ano passado. Um problema que se adensa se olharmos para o segmento da classe média, onde a falta de produto é um “tema” há já vários anos.

“O tema das casas para a classe média é um tema extremamente quente que, devido aos fatores conjunturais que existem em Portugal, como os excessivos impostos, a excessiva burocracia, atrasam isso mesmo, essa mesma oferta”, frisa João Sousa. Segundo o promotor, é preciso repensar o excesso de carga fiscal, até porque a conjuntura a nível mundial não será favorável ao preenchimento desta lacuna.

casas para a classe média
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Miguel Cabrita Matias considera que o trabalho de desenvolver produto para a classe média também tem de ter uma “grande ajuda” por parte do Estado. “Já há muito tempo, e não é de agora, que os promotores imobiliários reclamam medidas ao Estado português”, diz. “A classe média é uma classe forte em Portugal que neste momento tem muita dificuldade em comprar exatamente por isto, porque o custo da construção está elevado. O peso dos impostos na construção é uma coisa brutal. Posso dizer que pode chegar a atingir os 40%, quando aqui ao lado em Espanha o peso dos impostos no valor final da casa representa 15%, e isso é uma diferença muito grande”.

Estrangeiros de olho em Portugal, mas é preciso estar “alerta”

Portugal têm-se mantido na mira dos investidores estrangeiros, e o cenário deverá manter-se. Apesar do mercado nacional ter muito peso no negócio, Sónia Santos adianta que a Solyd tem continuado a sentir “muito interesse” por parte do público e de investidores estrangeiros de várias nacionalidades. “Penso que, apesar de tudo, continuam muito interessados em comprar e viver imóveis de qualidade e em zonas também que façam sentido”, refere, acrescentando que a procura tem sido “contínua”.

Ainda assim, é preciso estar atento, nomeadamente à instabilidade legislativa e fiscal que afeta o setor. “Há dois temas que são relevantes em Portugal: o licenciamento e a fiscalidade que se aplica ao imobiliário. Portanto, de facto, se nada for alterado, estou em crer que nós podemos perder uma boa parte dos investidores que estão atualmente a pensar em Portugal. E isso realmente seria trágico, porque o nosso principal problema é a falta de oferta. Então, se não houver investimento, a oferta vai-se reduzir ainda mais, o que não são boas notícias para o mercado”, garante José Cardoso Botelho.

investimento estrangeiro
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Luís Gamboa partilha da mesma opinião. Não tem dúvidas que o investimento estrangeiro vai continuar, mas frisa que “começa a ser difícil justificar aos investidores estrangeiros como é que se pode demorar tanto tempo a aprovar e emitir uma licença em Portugal”. Do lado dos compradores, diz, “Portugal continua a gozar de uma reputação excecional”, mas do lado do investimento propriamente dito, avisa, é preciso “ter algum cuidado” e saber gerir muito bem estas expectativas, “porque de um dia para o outro, Portugal pode sair do radar destes grandes investidores e isso fazer com que possa diminuir drasticamente o investimento”.

Pedro Vicente acrescenta que todo este investimento é bem-vindo, mas na perspetiva dos nacionais há algo que o preocupa e que, diz, “não ajuda” ao controlo dos preços. “A procura de estrangeiros aumenta, inflaciona de certa forma a escassa oferta que há e não ajuda de facto ao controlo dos preços”, salienta. Porém, sublinha, “traz riqueza, aporta riqueza ao país, aporta crescimento e, portanto, é algo que é mais do que bem vindo face à falta de liquidez das famílias portuguesas”.

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