
A pandemia “empurrou” as pessoas para casa e o teletrabalho passou a fazer parte da equação no mercado laboral. Agora, cinco anos depois de confinamentos, máscaras e testes à Covid-19, o mundo parece estar a viver um “novo normal”. O regime híbrido ganhou força ao mesmo tempo que as empresas estão, de certa forma, a querer atrair de novo trabalhadores para os escritórios, acenando com ‘amenities’ “fora da caixa”. Mas o que está, afinal, a mudar no segmento de escritórios em Portugal? Flexibilidade é palavra de ordem, estando a sustentabilidade e a eficiência energética dos espaços a consumar-se como tendência.
Notícias recentes confirmam, de resto, o cenário de que o segmento de escritórios está de boa saúde em Portugal, com várias transações de imóveis a acontecer no início do ano, como por exemplo a compra de um prédio em Lisboa por parte do BPI Imofomento à Incus Capital. O volume de ocupação de espaços também tem vindo a acelerar em Lisboa e Porto, prevendo-se que o fenómeno se mantenha este ano.
- O “’escritório’ não morreu” e “está mais forte que nunca”
- Empresas “focadas no bem-estar dos colaboradores”
- “Modelo híbrido veio para ficar”. “Futuro será sempre híbrido”
- Já há empresas a reduzir o número de dias de teletrabalho
- Uma tendência antecipada desde a pandemia
- Modelo híbrido: um antídoto contra o isolamento e a autocrítica
O “’escritório’ não morreu” e “está mais forte que nunca”
“Os escritórios tradicionais ficaram para trás e hoje os espaços devem ser flexíveis, confortáveis, inteligentes e, acima de tudo, humanizados”, começa por dizer ao idealista/news Frederico Leitão de Sousa, Head of Offices da Savills.
“Os escritórios tradicionais ficaram para trás e hoje os espaços devem ser flexíveis, confortáveis, inteligentes e, acima de tudo, humanizados. (...) O tão esperado ‘escritório do futuro’ já chegou, e é muito mais do que quatro paredes"
Frederico Leitão de Sousa, Head of Offices da Savills
“Ambientes fechados deram lugar a zonas abertas e colaborativas, onde a criatividade e a inovação fluem naturalmente. A tecnologia está mais presente que nunca, com sistemas inteligentes de gestão de espaços e conectividade de última geração. E há um grande foco no bem-estar: luz natural, elementos biofílicos e zonas propícias ao descanso tornaram-se essenciais. O tão esperado ‘escritório do futuro’ já chegou, e é muito mais do que quatro paredes”, acrescenta.
Salientando que, ao contrário do chegou a ser previsto, o “’escritório’ não morreu” e “está mais forte que nunca”, Frederico Leitão de Sousa considera que o teletrabalho “está a perder força” e que o segredo está no equilíbrio: “O modelo híbrido veio para ficar, embora com um peso maior no regime presencial e menor no teletrabalho. As empresas que sigam o caminho da adaptação irão, certamente, destacar-se neste novo paradigma do mundo do trabalho”.

Empresas “focadas no bem-estar dos colaboradores”
Esta é, de resto, a opinião generalizada entre os vários ‘players’ do setor ouvidos pelo idealista/news. Consultoras imobiliárias e outros especialistas asseguram, a uma só voz, que o mercado de escritórios, tal como o conhecíamos, está a mudar. Uma tendência que também se verifica, de certa forma, nos processos de recrutamento de trabalhadores, como podes ler neste artigo.
“Os escritórios estão a evoluir para modelos mais flexíveis e tecnologicamente avançados. Espaços híbridos, que permitem diferentes configurações consoante as necessidades das empresas, são agora um padrão. A sustentabilidade e a eficiência energética são também fatores críticos, com muitos edifícios a investir em certificações. As empresas estão ainda focadas no bem-estar dos colaboradores, criando espaços mais agradáveis e funcionais”, comenta Sofia Tavares, Head of Markets Advisory da JLL em Portugal.
"Sentimos que as empresas estão a adaptar as políticas de trabalho remoto para modelos híbridos, privilegiando a presença no escritório alguns dias por semana"
Sofia Tavares, Head of Markets Advisory da JLL em Portugal
Segundo a responsável, os escritórios modernos são cada vez mais flexíveis e adaptados às diferentes realidades de cada pessoa, promovendo-se novas formas de trabalho, colaboração e experiência: “Cada vez mais, sentimos que as empresas estão a adaptar as políticas de trabalho remoto para modelos híbridos, privilegiando a presença no escritório alguns dias por semana. No entanto, esta evolução varia consoante o setor de atividade e a cultura organizacional de cada empresa”.
Fernando Ferreira, Partner Dils - Head of Commercial Real Estate, reforça a ideia de que as empresas estão a adaptar os espaços para dar resposta às “novas expectativas, apostando em ambientes mais modernos, colaborativos e tecnologicamente avançados”.
"[Há uma tendência de] regresso ao escritório que volta a assumir um papel central no contexto profissional” [Um movimento que se deve], “em grande parte, à necessidade de promover a colaboração, criatividade e cultura organizacional”
Fernando Ferreira, Partner Dils - Head of Commercial Real Estate
“A sustentabilidade e o cumprimento de metas ambientais tornaram-se também preocupações centrais, influenciando a escolha de materiais, a eficiência energética e o impacto ambiental dos edifícios. O mercado está a ajustar-se a uma procura mais exigente, onde o bem-estar e a eficiência dos espaços desempenham um papel fundamental na atração e retenção de talento”, afirma, considerando que há uma tendência de “regresso ao escritório que volta a assumir um papel central no contexto profissional”. Um movimento que se deve, “em grande parte, à necessidade de promover a colaboração, criatividade e cultura organizacional”.
“Modelo híbrido veio para ficar”. “Futuro será sempre híbrido”
Do lado da Cushman & Wakefield (C&W), Pedro Salema Garção diz não ter dúvidas de que “o modelo híbrido veio para ficar”, estando o “teletrabalho a 100% a perder espaço”. “As empresas reconhecem a importância do escritório para a cultura, inovação e produtividade. A presença física continua a ser essencial para a colaboração, formação de equipas e integração de novos colaboradores”, explica.
"As empresas reconhecem a importância do escritório para a cultura, inovação e produtividade. A presença física continua a ser essencial para a colaboração, formação de equipas e integração de novos colaboradores”
Pedro Salema Garção, Partner e Head of Offices da C&W
O Partner e Head of Offices da consultora enumera as novas exigências às quais os espaços de trabalho modernos têm de dar resposta:
- Flexibilidade – Layouts adaptáveis, menos postos fixos e mais zonas de colaboração;
- Sustentabilidade – Certificações LEED, BREEAM e WELL tornaram-se critérios essenciais;
- Infraestrutura tecnológica – Espaços preparados para videoconferências, internet de alta velocidade e ferramentas digitais integradas;
- Foco no bem-estar – Maior entrada de luz natural, zonas verdes, rooftops, ginásios e áreas de descanso.
E quais são as principais preocupações das empresas? Eis a resposta de Pedro Salema Garção:
- Atratividade do escritório – Criar um espaço que motive os colaboradores a regressar;
- Custos operacionais – Redução de despesas energéticas e eficiência do espaço;
- Sustentabilidade – ESG passou de tendência a necessidade real;
- Flexibilidade contratual – Empresas procuram contratos que permitam crescer ou reduzir espaços sem impacto significativo.
André Almada, Senior Director de Escritórios da CBRE Portugal, fala numa “explosão da flexibilidade dentro do espaço de trabalho” que ganhou vida no pós-pandemia. “Privilegiaram-se zonas colaborativas que promovem uma interação descontraída entre colegas, mas também opções como ‘phonebooths’ e pequenas salas individuais para momentos de maior foco e concentração. As ‘amenities’ são também incontornáveis, com o novo utilizador dos escritórios a valorizar cada vez mais a existência de uma copa completa, balneários, cacifos, sala de meditação, ginásio e espaços ao ar livre”.
"As ‘amenities’ são também incontornáveis, com o novo utilizador dos escritórios a valorizar cada vez mais a existência de uma copa completa, balneários, cacifos, sala de meditação, ginásio e espaços ao ar livre”
André Almada, Senior Director de Escritórios da CBRE Portugal
Sem rodeios, diz acreditar que “o futuro será sempre híbrido”, variando o modelo de trabalho de empresa para empresa, consoante a sua cultura e as necessidades do seu negócio. “É verdade que temos assistido a posições mais extremadas, num sentido ou no outro, por parte de grandes multinacionais. Sendo impossível prever o futuro, a grande certeza é que a palavra flexibilidade não perderá pertinência”, remata.

Já há empresas a reduzir o número de dias de teletrabalho
Uma opinião, de resto, partilhada por Francisco Caldeira, Agency Director da Worx Real Estate Consultants, que faz mira (também) à importância da flexibilidade e à criação de espaços colaborativos e em infraestruturas que promovam o bem-estar dos colaboradores. “O investimento em tecnologia, certificações de sustentabilidade (como LEED e WELL) e áreas de lazer tornou-se prioritário. Os novos projetos estão cada vez mais orientados para oferecer um elevado padrão de serviço e comodidades modernas”, conta.
“Nos EUA, empresas como a Amazon e o governo federal estão a impor o regresso ao presencial. Em Portugal, ainda que não tenhamos conhecimento deste tipo de soluções mais radicais, sabemos que muitas organizações reduziram já o número de dias de teletrabalho"
Francisco Caldeira, Agency Director da Worx
E garante que há uma tendência por parte das empresas, de certa forma natural, de redução do número de dias de teletrabalho. “Nos EUA, empresas como a Amazon e o governo federal estão a impor o regresso ao presencial. Em Portugal, ainda que não tenhamos conhecimento deste tipo de soluções mais radicais, sabemos que muitas organizações reduziram já o número de dias de teletrabalho. A motivação para este regresso passa, essencialmente, por fatores como a cultura organizacional e a produtividade. A tendência aponta para modelos híbridos estruturados, onde os colaboradores têm dias definidos de presença no escritório”.
Uma tendência antecipada desde a pandemia
Sim, é verdade que não há bolas de cristal. Mas há quase cinco anos, meses depois da Covid-19 ter começado a deixar marcas em Portugal, Nuno Garcia, diretor-geral da GesConsult, empresa especialista em gestão e fiscalização de obras, já adivinhava o que poderia ser o futuro do segmento de escritórios. Neste artigo, publicado em agosto de 2020 pelo idealista/news, o responsável dizia, entre outras coisas, que iria prevalecer “um modelo híbrido, de teletrabalho e funcionamento das equipas nos espaços das empresas”.
Agora, já sem pandemia e confinamentos, afirma que “os espaços de trabalho evoluíram para se ajustarem às dinâmicas laborais”, privilegiando-se a flexibilidade, com áreas colaborativas, espaços multifuncionais e tecnologia integrada para facilitar tanto o trabalho presencial como remoto. “Além disso, há também um maior investimento na criação de ambientes que promovam o bem-estar dos colaboradores, privilegiando a qualidade do ar, a entrada de luz natural e a oferta de espaços de descanso e convívio”, explica.
"A tendência aponta para uma consolidação de modelos híbridos, em vez de um retrocesso completo ao modelo tradicional de trabalho presencial. Assistimos, assim, a uma adaptação inteligente, onde os escritórios são desenhados para otimizar tanto a experiência presencial como remota”
Nuno Garcia, diretor-geral da GesConsult
De uma coisa Nuno Garcia diz (também) não ter dúvidas, segundo ele “o teletrabalho veio para ficar”, apesar de se estar a “assistir a um reajuste” no mercado. “Muitas empresas estão a equilibrar a flexibilidade com a necessidade de colaboração presencial, sendo que esta continua a ser valorizada para consolidar a cultura organizacional, inovação e produtividade. No entanto, a tendência aponta para uma consolidação de modelos híbridos, em vez de um retrocesso completo ao modelo tradicional de trabalho presencial. Assistimos, assim, a uma adaptação inteligente, onde os escritórios são desenhados para otimizar tanto a experiência presencial como remota”, conclui.

Modelo híbrido: um antídoto contra o isolamento e a autocrítica
Que efeito psicológico terá, se é que tem, esta nova tendência laboral pós-pandemia de passar a trabalhar desde casa? Será que ficar em teletrabalho tantas horas, sem a companhia física de colegas, por exemplo, pode ser prejudicial a nível pessoal (psicológico) e profissional?
A psicóloga clínica Filipa Jardim da Silva, autora do livro “Síndrome da Impostora”, adianta, em declarações ao idealista/news, que a inexistência de interação presencial faz com que muitas pessoas sintam uma “desconexão crescente”.
“Estudos mostram que a solidão crónica pode aumentar em 26% o risco de mortalidade (Holt-Lunstad, 2015) e está diretamente associada a níveis elevados de stress e esgotamento profissional. Mas há outro efeito silencioso: quando estamos isolados, perdemos referências externas. Pequenos ‘feedbacks’ positivos dos colegas – um ‘bom trabalho’ espontâneo ou uma troca de ideias que reforça a nossa competência – desaparecem. Sem esses reforços, quem já duvida do próprio valor pode intensificar a sensação de fraude e de não estar à altura das expectativas”, alerta.
Relativamente ao impacto no desempenho, a especialista revela que a Síndrome do Impostor – pessoas que não acreditam no seu valor, mesmo quando confrontadas com provas de que são capazes de executar tarefas com sucesso – já afeta cerca de 70% das pessoas em algum momento da vida profissional (Sakulku & Alexander, 2011). E deixa um aviso: “No contexto do teletrabalho, este fenómeno pode agravar-se, porque há menos visibilidade do esforço e mais foco nos resultados. Muitas pessoas sentem que precisam de trabalhar mais horas para ‘provar’ o seu valor, o que pode levar ao ‘overworking’, exaustão e uma maior tendência para o ‘burnout’”.
"O modelo híbrido é uma solução inteligente, porque equilibra autonomia e interação social. A presença física no escritório, ainda que parcial, ajuda a restaurar laços interpessoais, facilita o reconhecimento do trabalho e combate o isolamento emocional"
Filipa Jardim da Silva, psicóloga clínica
O modelo híbrido, que permite uma melhor conciliação entre a vida pessoal e a esfera profissional, pode funcionar, então, como “um antídoto contra o isolamento e a autocrítica”, assegura. “É uma solução inteligente, porque equilibra autonomia e interação social. A presença física no escritório, ainda que parcial, ajuda a restaurar laços interpessoais, facilita o reconhecimento do trabalho e combate o isolamento emocional”, sublinha.
Em jeito de conclusão, Filipa Jardim da Silva considera que o futuro do trabalho não depende apenas do local onde a pessoa está, mas de como se sente nele. “Criar espaços, presenciais ou virtuais, onde as pessoas se sintam vistas, reconhecidas e valorizadas é essencial para garantir equipas mais saudáveis, produtivas e confiantes no seu próprio valor”, remata.

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